sábado, 14 de julho de 2012

ESTILHAÇOS DE ALMA

O meu ser padece de amnésia
Ele esqueceu todas as lições
Não guardou sequer uma palavra
Mas preserva a imagem de Jó
Raspando na pele os cacos de suas úlceras

Leio os lábios de um ser sem alma
Que fala de sofrimentos a homens que sofrem
Suas palavras são redondas e ocas

Há uma razão e uma métrica nas frases mortas
É a medida da inexatidão e do vazio

Minha alma não reflete-se no espelho
Não há espelho mais em minha vida
Sobraram apenas estilhaços de vontade de existência

Elói Alves

TIO GERBÚLIO CHORA COM GERBULINHO

      A mulher de tio Gerbúlio era mesmo estéril e eles adotaram um menino. Haviam conversado bastante e o processo fora longo e exigente. Enfim, dera tudo certo. Tinham um menino lindo de cinco anos idade.
      Era uma criança esperta que vivia sempre brincando. Tio Gerbúlio e Gerbulinho viviam felizes um com o outro e faziam sempre algum passeio divertido.
      Mas um dia em que tio Gerbúlio viera almoçar em casa, aconteceu algo estranho que lhe deixou muito magoado.
     Depois do almoço, passando pelo fundo do quintal que dava para a rua do bar, viu Gerbulinho em um banco de toco de árvore. O menino deitou-se ao ver o pai, enrijeceu-se, fechando os olhos, como se não o visse.
     Gerbúlio não podia parar, o bar estava aberto com a clientela. Mas ele não sossegou. Ficou pensativo o resto da tarde. Tinham lhe contado muita coisa ruim de filhos adotivos. Ele mesmo conhecia casos. Fervilhou-lhe a cabeça por um bom tempo.
     Ao fim da tarde, passou padre Gelfrido pela rua, e tio Gerbúlio foi lhe falar:
     -Chega em boa hora, padre.
     O padre ouviu Gerbúlio, sempre calado, com as mãos para trás, como era seu costume nas conversas. Por fim, retrucou:
     -Acalme-se homem, deixe o tempo passar!
    Antes de escurecer, tio Gerbúlio fechou o bar e correu à casa com uns doces para o menino.
    Viram-se no quintal. O pequeno correu logo a encontrá-lo. Gerbúlio o apertou num abraço mais forte que de costume. Depois de um tempo, deu-lhe os doces e perguntou, escondendo as lágrimas:
    -Que fazia você deitado naquele banco de manhã? Não viu o seu pai?
    -Vi sim, pai- respondeu Gerbulinho - é que eu tava se fingindo de morto pra pegar a pomba.

Jão Gerbulius Sobrinho

(Este conto faz parte das Histórias do tio Gerbúlio)
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:

http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

Perguntero: BRASIL, UM PIGMEU INCHADO?

Voltei para perguntar. Mas hoje eu sento e espero.
Diante da crescente queda no já pequeno PIB brasileiro (Produto Interno Bruto), que mostra o resultado de tudo o que o país produziu no ano, a presidente Dilma disse nesta semana (12/7) que “a grandeza de uma nação não se mede pelo seu PIB, mas pelo que faz a crianças e adolescentes”.
Por essa nova filosofia de governança pedagógica, e sabendo que quase ninguém quer ter trabalho com crianças hoje em dia, as “terceirizando”, sem falar nas mortalidades e diversos tipos de exploração infantil, desvios de verbas implicadas, nas “deseducações” e desrespeito de todo tipo”, qual será a real grandeza do Brasil? Será ele apenas um pigmeu inchado?

Zé Nefasto Perguntero

sexta-feira, 13 de julho de 2012

CASA DE RELÓGIOS

Nasci numa casa de relógios
Quando dei por mim, estavam os ponteiros a bater
Era-me tudo brincadeira
Divertia-me com o controle dos homens

Fiz muito tic tac e risquei meus relógios pelo chão
Mas me entristecia ao ver papai à porta:
-Está na hora!

Teimei muito em aprender as horas
Não atinava com seu ofício
E também não a apreendia
Caiu-me o mundo quando acabou a brincadeira

Deram-me na primeira lição de inglês:
“What time is it?”
Em todas as línguas há horas e relógios

Para que existem os tempos e as estações?
Sempre me encantou a estação das flores
Mas passa depressa e as flores murcham

Havia um relógio que me assustava
Era um globo do mundo
Para que um relógio do jeito do mundo?

Minha mãe colocou um relógio no meu pulso e disse:
-Não se atrase!
Até hoje estou atrasado.

Tenho muitos relógios, mas eles não se acertam
Enlouqueço com os fusos horários
Meu coração não está no compasso de minha cabeça

Há tempos que estou apertando os passos
Mas minhas pernas não são ponteiros
Nem meus meridianos possuem a mesma distância

Quantas horas terá o tempo?

Os horários não são iguais
Nem em Tóquio nem Moscou
Mas nunca deixam de impor o seu ritmo

A grande torre dá as horas para toda a cidade
Meus passos obedecem prontamente
E arrastam o resto de mim

Há um horário oficial
Eu não tenho desculpa
O relógio é frio e não diminui o seu ritmo

O tempo não pode ser contido

Devo esperar as horas
Se elas nunca me esperam?

Meu avô me deixara seus relógios
Eram relíquias de seu velho pai
Estão impregnados de muitas histórias
E marcam as minhas, antes que eu passe

Ainda darei de ombros a todos os relógios

Elói Alves
do livro:

quinta-feira, 12 de julho de 2012

MERGULHO DISCRETO

Minha casa esconde-se do sol, amedrontada
As paredes preservam a frieza, timidamente
Avultam-se a sua volta os góticos esplêndidos
Disputando com as torres que tocam os céus


Os sinos soam a convocação solene
Trepida-se o reino do silêncio dentro de mim
Mas aquieta-se tudo novamente

Não me movo por instantes
Penetro na ausência num mergulho discreto
Esqueço-me surdo em águas profundas e cristalinas

Elói Alves
do livro:

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A DOR E O COLAPSO

Minha dor difere da minha infância
Dói-me, no entanto, muito igual
O mundo tem uma dor e uma morte para cada instante
Às vezes perde a mão em um colapso

Já morri muitas mortes pela vida
Mas nunca me acostumo
Há vezes em que quero levitar

Cada dor quer separar-me do meu corpo
Mas não o deixam, nem terminam seu serviço
Em que momento a vida separa-se da morte?

Elói Alves

À MINHA MEIGA AMIGA

Amiga,
Ontem à noite após receber e comer teus bombons, tive um sono adocicado.
Hoje cedo, levantei-me crendo de mais. Já viste um ateu querendo reencarnar?
Sim, este sou eu hoje.
Os antigos queriam também ampliar suas vidas. Esticá-las até não poderem mais.
Teve um que tomou todas as mulheres do seu reino, certamente para ampliar sua geração e com ela fazer prolongar seu nome. Depois de mulheres e concubinas, foi fazer aliança com outros reis, para poder por preciosas alianças nas mãos de suas filhas. Ao menos nas mãos daquelas que faziam jus ao título de princesa. Veja você, amiga dos meus docinhos, que as guerras do sexo estão juntas também à política e à economia. (não falarei dos áureos tempos de hoje) A coisa tomou tal proporção que foi até o Egito. Um irmão seu, o qual não podia tornar mães as mulheres, ergueu para si um monumento, para perpetuar-se. Seu pai já tinha iniciado o caminho, acrescendo às suas a mulher de um soldado seu; insubmisso na hora incerta, de excessivo zelo em outras, tonto nas demais e certamente inconstante nos deveres de casa.
Bom, seja como for. Nesse mundo de abandono da vida, que é o de nossa atualidade, onde a existência não vem valendo nada, como uma moeda furada pelo desvalor em seus poucos centavos que nem me abaixo para pegá-la na rua, esperar a imortalidade parece interessante, mesmo como contraponto. E ainda que a eternidade seja cansativa, com a nossa atual tecnologia faremos que ela passe de pressa. Também com o atual nível de nossa industria de entretenimento, essa eternidade nos cansará menos. Depois, com os programas de televisão no domingo, com algumas piadas que tem um pouco de graça, vamos temperando o molho.
E há ainda um outro recurso. Se a fé não estiver ao alcance das minhas pobres mãos mirradas, recorrerei a algo mais natural, acatando os preceitos anti-químicos e anti industriais: irei procurar o Elixir do Pajé: aquela planta cabalística, que segundo os ensinos da antiga sabedoria silvestre do divino mestre Bernardo Guimarães, levanta até defunto enterrado.
Bem, veremos então, minha boa amiga, porque tua amizade merece uma boa esticada e enrijecida nessa minha mesquinha vida, que é para apreciá-la sempre no próximo dia. Assim, que amanhã eu esteja de pé. Até. Beijos.

Elói Alves do Nascimento

terça-feira, 10 de julho de 2012

RISO AMARELO

Sinto a vida efêmera e leve
Mas a dor a nutre, dissolvendo-se por dentro
Quem será quem dentro de mim agora?

O medo robustece-me a fraca vida
Estou tenso e morrerei quando estourar
O mal não mata-me, rói-me as entranhas devagar

Não posso acabar agora, totalmente
Alimentam-se de mim, mas gota a gota

Esboço um riso amarelo
Tenho os lábios frios e duros
Quando eu acabar, só os vermes padecerão comigo

Elói Alves

CORAGEM DE MENINO

As janelas permanecem fechadas
Só o vento frio resiste e espalha a quietude
Nem um rosto, nem um pássaro
Tenho medo que a tristeza não deixe a cidade

O inverno apenas começa
Os dias estão mais duros
O dicionário não ensina o que significa sofrer

Perdi faz tempo a coragem de menino
Quem me dera partir com as aves quando o tempo muda

Elói Alves
do livro:

segunda-feira, 9 de julho de 2012

RUA DA DESCONSOLAÇÃO

Tenho batido muito as pernas
E também me rebatido cá por dentro
O que é que eu procuro e nunca acho?

Subi ao planalto dos meus sonhos
E desci pela rua da desconsolação
O tempo agora não estimula a caminhada

Tenho medo de arriscar fazer perguntas
Qual será a dúvida que tanto me estraga?

Elói Alves

domingo, 8 de julho de 2012

A LUZ E A METRÓPOLE

A luz rareia pela cidade
Estragam-me as vistas e pasma meu coração
Não há clareza no que dizem os jornais
Nem distingo o que vai nas faces que me cercam

A confusão se organiza no amontoado das palavras
Não me aproximo daqueles que me querem
Ouço o turbilhão dos mares no seio da metrópole

Sou ingênuo e procuro a fonte da verdade
Mas meus olhos ardem e me pedem que retorne
Chego mais cedo, cabisbaixo e vagaroso

Elói Alves

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