sábado, 24 de agosto de 2013

A MUDEZ DOS HOMENS

Dobro a esquina na noite escura
As ruas estão mais encardidas sob a luz opaca
Um vulto segue lento à minha frente
Curvo, enterra a cabeça sob um fardo rude
Tento apertar os passos mas não posso
Trago dias imensos atados às pernas
Por um tempo, nossa distância não se altera...

Junto aos postes, paramos duros à faixa

As luzes passam incontáveis enfeitando as paragens úmidas
De um prédio imenso uma lâmpada clareia um rosto engravatado que se aproxima
Algo de tenso e triste se lhe entrevê antes que da luz se oculte
Os carros param, o sinal se nos abre, os passos soam

E os homens somem mudamente no meio da noite fria
Elói Alves

A busca de Pedro Homiliano


terça-feira, 20 de agosto de 2013

A BUSCA DE PEDRO HOMILIANO

          Já na infância Pedro Homiliano parecia-se desencontrado. Na escola, aprendia tudo ao mesmo tempo em  que ia desaprendendo as coisas.
          Os pais não se viam plenamente refletidos nas maneiras e no desenvolvimento do filho e o toleravam resignados, até o dia em que a mãe o encontrou pelado com outros meninos na casa dos fundos, castigando-o e restringindo-lhe os espaços.
          Não foi o melhor ou o pior da escola. Dedicou-se, porém, a fôlego curto, dispersando-se entre desejos desencontrados. Aos dezoito anos entrou para faculdade. Longe dos olhos dos pais, vivendo agora numa república de estudantes, deixou romperem-se os últimos fios que enrolavam-se às asas de seus sonhos de vida livre e aventurosa, embora não abrisse mão dos recursos que lhe enviavam  os pais.
          Passados os primeiros tempos de aulas intermitentes, abraçou-se a uma depressão fina e aguda que lhe trocou os olhos claros e vivos por outros abstratos e curtos, tímidos, que não ousavam estender-se senão aos copos de cerveja e a outras companheiras mais quentes que pediam cigarros e mais cigarros, indo dai a dar serviço aos médicos por um longo tempo, sonso e taciturno.
          Posto de lado o jornalismo, passou a cursar direito, que durou pouco. Deste foi ao teatro, para logo o largar, quando passou num concurso público que deixou apenas se achou nele empossado.
          De quando em quando ia ver os pais. Beijava a mãe, abraçava o velho e obtinha deste algum dinheiro que dissipava logo. Depois trabalhou, amou e desamou a homens e mulheres guardando sempre uma imagem longínqua do que se passava, junto de uma saudade triste e lenta e partia levando sempre a mesma insatisfação diluída em afazeres vagos e imprecisos, monótonos como o cinza imenso que derramava-se pelos céus, nos dias de ventos frios que lhe cortavam a pele.
          Aos vinte e cinco anos, entrou pelo caminho de uma seita; depois a trocou por outra; que foi substituída pela seguinte; que teve também sua sucessora; até que encontrou a única, a definitiva, sua porta aberta sob feixe de luz pela qual entrou de cabeça ereta e busto soberbo.
         Depois de uns meses, vestido num manto especial, ingressou no grupo de missionários e foi à Amazônia salvar alguns índios. Logo na chegada, desgarrou-se de seu pequeno grupo e entrou pela mata densa. Nas buscas contínuas, seguiram seus passos e refizeram o caminho pelo qual se embrenhara, chamando alto pelo seu nome, que ecoava forte, repartindo-se por espaços longínquos, até perder-se, de todo, entre as árvores frondosas e infinitas, deixando no ar, até hoje, o vazio do desconhecimento de seu destino.
Elói Alves
do livro Contos humanos




Os ratos e os reis do Brasil
http://realcomarte.blogspot.com.br/2013/08/os-ratos-e-os-reis-do-brasil.html

domingo, 18 de agosto de 2013

O AÇO ESCURO

A manhã fez-se escura
A noite misturando-se ao dia
Tudo opaco e tristonho
Uma larga indisposição encobre as atitudes
O tempo não anima à esperança
O vício espalha-se encolhendo os fortes
O aço escuro o recobre
A conformidade dissolve-se nos seres
O grito aborta-se friamente ante o peito   
Elói Alves

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