quarta-feira, 4 de abril de 2012

DECLARAÇÃO DE BENS

       Meus caros,

       Este governo, como o faz sistematicamente, cobrou-me neste mês, com seu conveniente eufemismo de “contribuinte”, a relação de tudo o que possuo, para o poder tributar- não bastassem-me os roementos de minhas moedas pelos dentes malignos da inflação e de outros amigos seus, forjados por gatilhos vários.
       E como seus métodos são públicos, reciprocamente, darei a todos a publicidade de minhas posses, em ampla contabilidade, começando por dizer que bens maiores não os tenho que um resumido e apreciável punhado de amigos.
       Devo declarar também que, neste último ano, este grato punhado de companheiros teve seus juros, acrescendo-se-lhe uns 10% (perdoai a imprecisão de meus cálculos, eminentes autoridades econômicas).
       Porém, pouco crescecu o número, e é verificável, e sim mais o peso- devo alertar que nem tanto pelo que, juntos, repartimos e comemos, mas, muito mais, pelo que bebemos.
       Relato também que, devido à baixa de seus preços, toda a turma agora está em perfeita e jubilosa posse de dentaduras; principalmente Zebebeu que dispendeu-se de seu último e dianteiro dente, com o qual abria nossas garrafas- uma registrável e objetiva perda ao tilintar da hora.
        Também acresceu-se a alegria de nossos amigos, refletida nos altos índices de seus mútuos elogios e composições incontáveis de alegres e incontabizáveis cantorias noturnas e madrugadescas, e a elevada ampliação no número de abraços fraternos e até chorosos.
         Também houve diversificação nos ingeridos, devido aos esforços do governo junto ao pró-álcool e à concorrência entre os derivados da cana-de-açúcar, refletida na queda dos respectivos preços, produzindo reaquecimento na área que andava em baixa (o que alavancou a produção das indústrias de canecos e garrafas e um levantamento nas de copos, reintroduzindo no mercado uma parte da mão-de-obra que andava ociosa e fria, inserida em atividades informais não-registráveis).
          Houve ainda alta no valor do fator segurança, fornecida por Suzi, tornando-se sempre mais protetora e matriarcal- comparativo ao setor de segurança patrimonial. Na verdade, ela tem refletido um decréscimo na quantidadde de seus pelos e também perdeu, no último trimesntre, competitividade nas disputas pelos lixos, mesmo com a escalada destes e seu olfativo aumento.
          Só a poupança frustrou as estimativas e manteve baixa aderência aos investimentos com pouca atratividade, devido às ações pouco competitivas, motivadas pela queda nos espetáculos e do excesso de espectativa no crescimento líquido corrente, provocando um círculo vicioso devido à carência de demanda e aos depósitos compusórios feitos nos cofres do banco central.
          Bem, exceto o exposto, nada mais tenho a ser tributado, mas sempre é possível que eu venha a cair na malha fina, pela via de sinuoso equívoco, e fique sem reaver minha liquidez retida na fonte.
Declarante: João do Caminho
CPF: 5.151.515.151-LI
Restituição: Banco: Malt - Agência 090
Contador Elói Alves do Nascimento
 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A CASA DE PEDRA

        Quem casa, quer casa- diz o povo; mas não o dizia Joaninha.
Ela queria, a um tempo, o perfume das flores, os raios do sol espargidos em seu rosto e a beleza da lua, toda repleta de muitos cavalos para as cavalgadas de São Jorge.
        Jorge, porém, não era poeta. Era pedreiro apenas. Não entendia a linguagem nem notava os perfumes das flores, nem os seus olhos iam muito ao alto e ao longe a encontrar as estrelas.
        Deu-lha- simplesmenre- uma casa feita com pedras talhadas por suas mãos ásperas. Mas Joaninha encantou-se pouco e foi à janela olhar o arcoíres que se formava ao parar da chuva, que alvejara o horizonte e lhe devolvera o lindo azul ao céu.
        Ao pé da obra, Jorge encontrou Teodésia, que vendia doces-cor-de-terra, duros como as pedras que ele talhava.
Depois de uns dias, Teodésia aceitou-lhe o braço e guardou a chave fria sob a blusa, apertando-a contra os peitos rijos.
        Joaninha foi perdendo o gosto das flores aos poucos e deixou de apreciar a cor das estrelas e desimportou-se com as montarias do cavaleiro lunar e mudou-se, também, de casa.
       Na rua, viram-na pela última vez quando a levaram para a Casa de Insanos, onde foi recebida, à porta, pelo sábio doutor Bacamarte.
Elói Alves
Prefácio de As pílulas do do Santo Cristo, romance de Elói Alves:




Primeito capítulo:




Segundo Capítulo:


domingo, 1 de abril de 2012

UM INGLÊS PEDINTE NO CENTRO DE SÃO PAULO

      Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
      Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.
Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Álvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
      O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
     -Pois, não?
     -Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, Do you speak English?*
     -Bad, ** respondi, e ele se riu um pouco.
     Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me peguntavam se falava inglês. A princípo, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta.
     Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
     -I don`t have money ***.
     Ele deu-me o seu “thanks”, e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
     Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro, que fora casado por uns anos com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
Elói Alves

* Você fala Inglês?
** Mal (ou "badly", advérbio, de um modo ruim)
*** Não tenho dinheiro

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristohttp://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira:

Postagens populares (letrófilo 2 anos 22/6)