domingo, 19 de março de 2017

O CURUPIRA PAULISTANO


Saindo da mais Augusta dessas movimentadas ruas, pela Caio Prado, para pegar a Caneca, rua desse nosso frei mártir, deparei-me com coisa sui generis e deveras espantosa: um jovem curupira no meio do asfalto. Com o semáforo que se fechava, ele, habilmente, veio marchando ritmicamente para a calçada com os dois pés voltados para suas costas, dando-se comigo no meio da passagem e estendendo-me tranquilamente a mão espalmada. Sem pestanejar, dei-lhe uns trocados que me sobraram do almoço e continuei rua acima sem digerir bem o fascínio.

Depois de umas leituras literárias e um café no Gioia, voltei, ladeira abaixo, em direção ao centro, observando o movimento incessante de nossa cidade. De repente, pouco não foi meu espanto, vi imediatamente a minha frente, caminhando com naturalidade, o rapaz curupira, que agora já não trazia os pés ao inverso, mas apontando o caminho a sua frente, como os demais pedestres que nos acompanhavam já próximos ao Estadão.

Com intuito de dizer-lhe algumas coisas que me vinham à boca, aproximei-me dele, mas o meu Curupira, liso como quiabo ao fogo, escorregou por uma escadaria que dava para a Nove de Julho e desapareceu da minha frente como um fantasma no meio dessa selva de pedras.

De pronto, desatei o nó de meu fluxo de consciência e o Fidel que trago para essas ocasiões subiu no caixote e pôs-se a discursar sobre o mundo e o homem. Assim foi que, quando dei comigo, meus pés estavam parados diante da portaria de meu prédio, sem que me desse conta do vários minutos que se passaram e do caminho que os consumiu.

Em casa, descalço e repousado no sofá, parecia ver ainda os pés de meu Curupira marcando os caminhos ao revés. No entanto, não sei o porquê, me soou a voz do Chómpiras do Bolaños com sua repetida fala, em reposta a alguém que reagia a algum impropério seu:

- Toma pelo lado amável.

Assim o fiz. A tal ponto que me lembrei de que, na verdade, o rapaz curupira nada me pedira e nada mais fez que me estender a mão no meio do caminho, como fazem tantos outros por essas ruas devassáveis. Depois, talvez não fosse propriamente um pedinte e, sim, um artista, com tamanha capacidade de contorcionismo; e, mesmo que outra coisa fosse, o ilusionismo com que entreteve os meus olhos, tirava-lhe qualquer coisa que lhe imputasse farsa e logro.

Depois, nosso Curupira recriava a cultura, trazendo o folclore das matas para a realidade de nossas ruas tumultuadas. Ao fim, acabei por concluir que lhe paguei bem pelo serviço, mesmo lhe dando pouco, e quem sabe não receba em breve uma boa nota pública como fomento cultural e até mesmo um prêmio de reconhecimento por representar a nossa arte e a cultura nacional.
 Elói Alves

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