Saindo da mais
Augusta dessas movimentadas ruas, pela Caio Prado, para pegar a Caneca, rua
desse nosso frei mártir, deparei-me com coisa sui generis e deveras espantosa: um
jovem curupira no meio do asfalto. Com o semáforo que se fechava, ele, habilmente, veio marchando ritmicamente
para a calçada com os dois pés voltados para suas costas, dando-se comigo no meio da passagem e estendendo-me tranquilamente
a mão espalmada. Sem pestanejar, dei-lhe uns trocados que me sobraram do almoço
e continuei rua acima sem digerir bem o fascínio.
Depois de umas
leituras literárias e um café no Gioia, voltei, ladeira abaixo, em direção ao
centro, observando o movimento incessante de nossa cidade. De repente, pouco
não foi meu espanto, vi imediatamente a minha frente, caminhando com
naturalidade, o rapaz curupira, que agora já não trazia os pés ao inverso, mas apontando o caminho a sua frente, como os demais pedestres que nos acompanhavam já próximos ao
Estadão.
Com intuito de
dizer-lhe algumas coisas que me vinham à boca, aproximei-me dele, mas o meu
Curupira, liso como quiabo ao fogo, escorregou por uma escadaria que dava para
a Nove de Julho e desapareceu da minha frente como um fantasma no meio dessa selva de pedras.
De pronto,
desatei o nó de meu fluxo de consciência e o Fidel que trago para essas ocasiões subiu no caixote e pôs-se a discursar sobre o mundo e o homem. Assim foi que, quando dei comigo, meus pés estavam
parados diante da portaria de meu prédio, sem que me desse conta do vários minutos que se passaram e do caminho que os consumiu.
Em casa,
descalço e repousado no sofá, parecia ver ainda os pés de meu Curupira marcando os caminhos ao revés. No entanto, não sei o porquê, me soou a voz do Chómpiras do Bolaños com sua
repetida fala, em reposta a alguém que reagia a algum impropério seu:
- Toma pelo
lado amável.
Assim o fiz. A
tal ponto que me lembrei de que, na verdade, o rapaz curupira nada me pedira e nada
mais fez que me estender a mão no meio do caminho, como fazem tantos outros por essas ruas devassáveis. Depois, talvez não
fosse propriamente um pedinte e, sim, um artista, com tamanha capacidade de contorcionismo;
e, mesmo que outra coisa fosse, o ilusionismo com que entreteve os meus olhos,
tirava-lhe qualquer coisa que lhe imputasse farsa e logro.
Depois, nosso
Curupira recriava a cultura, trazendo o folclore das matas para a realidade de nossas ruas tumultuadas.
Ao fim, acabei por concluir que lhe paguei bem pelo serviço, mesmo lhe dando pouco, e quem sabe não receba em breve
uma boa nota pública como fomento cultural e até mesmo um prêmio de reconhecimento por
representar a nossa arte e a cultura nacional.
Elói Alves