Prefácio para o livro Contos e Causos Notariais, de Arthur Del Guércio Neto, professor e jurista
O
presente livro, do escritor, jurista e tabelião Arthur Del Guércio Neto, proporciona
ao leitor duas características autorais historicamente pouco conciliáveis no
Brasil, a saber, a do jurista e aquela própria do cronista. No Brasil aparecem
de maneira abundante, ao longo de sua história, cronistas excepcionais como um
Fernando Sabino, um Paulo Mendes Campos, um Lima Barreto e seu contemporâneo
Machado de Assis. Entre os juristas não deixam de jorrar exemplos de expoentes como
um Miguel Reale, próximo a nós, e Teixeira de Freitas, para lembrar o
cognominado “jurisconsulto do império”, no século XIX, entre tantos outros.
A
crônica é um gênero narrativo de pouca extensão, familiar ao conto e ao causo,
em muitos casos esses gêneros textuais são limítrofes e se confundem. A crônica
surgiu como texto de jornal no século XIX, onde a narrativa aparentemente
simples se desenvolve a partir e em torno de algum acontecimento do cotidiano,
de uma notícia do dia anterior, simples e até aparentemente banal. O conto
surge quando a narrativa se torna mais complexa, quando seu enredo alcança
maior densidade e o causo, por sua vez, caracteriza-se como pequenina narrativa,
singela, anedótica e caricatural, cuja pretensão única é fazer rir, um riso,
por assim dizer, despretensioso.
A
característica fundamental dessas narrativas é a arte de contar; a literatura
jamais teve um conteúdo fixo ou matéria específica, conta tudo o que diz respeito
ou interessa ao homem. Neste livro a matéria é o Direito ou os serviços prestados às pessoas por esse profissional do Direito,
o Tabelião, num modo peculiar de contar, simples e rico, que informa ao leitor,
com o teor jurídico, e o agrada com sua arte. Justamente aqui se encontra outra
característica primordial deste profissional notarial de cuja obra falamos, que é sua a paixão de
informar, de levar à população o conhecimento dos serviços de que pode dispor
junto ao Tabelião, com absoluta segurança jurídica.
Os
textos aqui reunidos surgiram, em sua maioria, no jornal O diário do Tietê, com intuito de levar ao público geral
informações sobre os serviços notariais. Ao lê-los, já de início, encantei-me,
como amante da arte de contar, com o potencial narrativo do doutor, coisa pouco
peculiar entre os juristas, sobretudo devido ao rigor conceitual da Ciência
Jurídica, e mais comum em obras literárias. O ápice aparece em textos como “A
senhora namoradeira”, em que os temas do Direito, ligados aos serviços rotineiros
do Tabelião, como o testamento, se permitem a companhia das liberdades
poéticas, da construção literária em alto nível e do tão saboroso humor, objeto
de geniais autores da literatura em praticamente toda língua.
Em Contos
e causos Notariais, o leitor encontrará, portanto, o conhecimento e a
utilidade dos serviços jurídicos de um Tabelião ofertados à população, com segurança da lei e a
objetividade dessa ciência, entrelaçados em textos de saborosa arte literária,
junto à qual se vê, também, um notável e leve aspecto sapiencial, uma sabedoria que se dilui na
experiência pessoal e humana do profissional, na arte de ouvir e no poder da reflexão, encontrados na obra que nos dá, como
presente, o doutor Arthur.
Boa leitura!
Por Elói Alves, advogado, professor, formado em Letras pela Universidade de São Paulo-USP e em Direito pela FMU, autor, entre outros, dos livros O olhar de lanceta: ensaios críticos sobre literatura e sociedade e do romance As pílulas do santo Cristo.
Leia o prefácio à terceira edição no link abaixo: