domingo, 12 de maio de 2013

AZIRALDO, O AZARADO

        Chamam-me Aziraldo e estou em férias e de repouso. Desde agora meu descanso se estenderá para além dos meus dias de folga. Mas acham que estou sob meus planos? Pois que não. Se querem saber quais eram, já lhes digo: ia à praia, escrever uns sonetos na areia.
        Mas eis que choveu no primeiro dia. E choveu a tal ponto que recolhi as malas a um canto e fui à janela ver se passava. Porém as ruas foram se enchendo, mais e mais, e, depois, ainda mais. No segundo e no terceiro dia pouco mudou. Parava a chuva, vinha a garoa. Cessava o trovão, vinham os raios.
        -Que venha o dilúvio, seu São Noé!- bradei com com os punhos fechados. Resistirei do alto do meu ego!
       Refiz os planos: fui à estante e peguei de um livro. Mas..., hahhhh! Pensam que eu perco o pique? Fui atrás de umas redes que ganhei de uns índios quando fui anos atrás à Amazônia. Coisas boas e invejáveis! Todas trançadas artisticamente no cipó. Mas onde andavam? Os cipós ainda tinham pernas selvagens. 
      Não perdi tempo. Corri à cama e puxei do lençol, que me veio sorrindo, liso, malicioso. "Oh, terei minha rede, pensei!"
      Finquei-o entre a janela, dando-lhe um nó cego, e um gancho na parede oposta. Saquei do livrinho, e para que ler..., se eu podia comtemplar a chuva e me vingar dela, superiormente?
       Foi o que fiz. A tal ponto que relaxei e balancei.
       Vezes e vai                                                  
          Vezes e vem! 
      Já chego ao Japão,
        Já volto ao Brasil!

         Quando meu primo entrou pela sala, lancei-lhe as poesias levemente pelos ares e lhe gritei:
         -Oh, Luis, vais de Camôes?
         Ele não ia nem foi. Correu ao meu encontro, quando viu que o lençol se rompia, ralando na coluna da parede. Num instante, antes de qualquer outra coisa, fui eu imediatamente ao chão.
         Abrevio, caro amigo e simpática amiga. Escrevo-lhes do hospital. Estou de bruço e enfaixado por toda as costas, que é agora navegada por umas coceiras irritantes que não acabam nunca e que não posso coçar.
         Meu primo, pensando em amenizar meus dias sobre essa cama estreita e dura, trouxe-me as poesias de volta; porque, certamente, serviria agora mais a mim que a ele, que ia à praia, já que o sol saiu e já queima forte.
         Mas espera! Deixa fazer que estou dormindo, que a enfermeira lá vem com remédio amargo e sopa sem sal.

Elói Alves
 

Leia o prefácio do romance "As pílulas do Santo Cristo" de Elói Alves

Primeito capítulo:

Segundo Capítulo:


 
 

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