Tio Gerbúlio tinha memória alada. Quando estava só a um canto, dava asas à lembrança de algum ocorrido antigo; geralmente notório ou ao menos jocoso. Nesses momentos, parecia não estar ali, mas logo soltava um gargalhada, que era uma confissão da lembrança.
Certa tarde, depois das gargalhadas solitárias, lembrou a seguinte história:
Era São João e padre Gelfrido andava a coçar a cabeça com o atraso da reforma na igreja.
-Desse jeito não sai quermesse, Gerbúlio, disse o padre à porta do bar.
Depois, distribuiu os doces e as bênçãos aos pequenos que brincavam na rua e tornou à conversa.
-Amanhã às seis. Leve os homens. Não perderão com Deus e ganharão comigo.
No outro dia cedo, Gerbúlio passou chamando os amigos que tinham prometido ajuda. Eram seis. Três vizinhos do bar, homens já experimentados em serviço pesado e dois sobrinhos de corpo franzino. Mas um dos sobrinhos, o Lezé, quando dizia que já ia, podia-se esperar por ele mais algumas horas. Mas nesse dia ninguém o esperou.
Padre Gelfrido estava contente com a disposição e ia abençoando os homens de boa vontade. Mandou que viessem logo o café e o lanche, porque eram todos filhos de Deus. Mas, sem que o padre soubesse, eles iam tomando a cachaça do tio Gerbúlio, que sabia melhor que o eclesiástico como despertar a força naqueles homens.
Às dez horas, quando os trabalhos já iam longe, apareceu enfim o sobrinho retardatário.
-Chega a propósito para a feijoada, Lezé, disse o tio passando-lhe uma lata cheia de concreto.
Depois, virando-se para padre Gelfrido, emendou:
-Esse, meu sobrinho, padre, descansa seis dias e trabalha no sétimo. É um pagão.
Padre Gelfrido riu-se da analogia da criação do mundo e foi ver quem o chamava de dentro da igreja. Quando o sino deu meio dia, o padre veio convocar para o almoço das santas mulheres de nossa capela. Tinham feito de tudo pela santa causa e pela disposição dos bons homens. O padre ordenou que se servissem à vontade. Tio Gerbúlio, chamado primeiro, usou de cautela. Depois vieram os outros. Lezé rejeitou o prato de louça, de fundo raso, e foi servir-se numa tijela de alumínio; depois foi comer na tranquilidade da sombra de uma coluna antiga. Mas reapareceu logo com a tigela vazia, dizendo:
-Experimentei um pouco, padre Gelfrido, está uma bênção!
-Está um regalo, realmente, respondeu o padre. Prove de tudo. O quanto puder, meu filho!
Jão Gerbulius Sobrinho
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http://realcomarte.blogspot.com.br/2011/11/tio-gerbulio-e-o-doutor-armando.html