quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ENCONTRO COM NERUDA NO SEBO

     Conheci Neruda em minha adolescência, em um sebo do centro de São Paulo. Essa loja de livros usados, numa rua esguia e largada, próxima à catedral da Sé, tinha verdadeiras raridades. Um livrinho amarelado, com páginas caídas estava entre outros em igual estado. Comecei a folheá-lo e fui me encantando aos poucos com Residencia em la tierra.
     Tive uma infância de trabalhos, na extrema periferia da cidade e meus estudos foram bastante irregulares nesse período, com evasão escolar. Não havia hábitos literários em casa e fui conhecer esse mágico mundo quase sozinho em minhas andanças quando comecei a trabalhar pelo centro.
     Depois amadureceu o gosto, o contato foi ampliando-se a outros autores espânicos. Gabriel Garcia Marquez, Cervantes, até que me formei em letras pela Universidade de São Paulo. Infelizmente a literatura brasileira é pouco difundida pelo mundo, ainda hoje não temos um prêmio nobel. Na verdade não tem feito grande falta; mas seria um reconhecimento, se premiassem um bom nome. 
     Para um contato maior com o mundo, a primeira saída para nós é a língua irmã, a neolatina mais próxima, geográfica e linguisticamente: a língua da escrita de Pablo Neruda.
     Meu primeiro contato com Neruda se deu no Lugar certo. As livrarias comerciais de São Paulo não convidam os grandes amantes das letras, que eu gosto de chamar em meus escritos de letrófilos, e é também o nome de minha página na web. Elas estão voltadas aos títulos comerciais. Ah, hoje mesmo farei meu passeio pelo centro, certamente irei ao sebo e procurarei por Neruda. Até mais tarde, meu mestre de ontem e de sempre.

Elói Alves 

( Escrevi este texto para a antologia do poeta chileno Alfred Asis que organizou justa homenagem a Pablo Neruda)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

À MINHA MEIGA AMIGA

Amiga,
Ontem à noite após receber e comer teus bombons, tive um sono adocicado.
Hoje cedo, levantei-me crendo de mais. Já viste um ateu querendo reencarnar?
Sim, este sou eu hoje.
Os antigos queriam também ampliar suas vidas. Esticá-las até não poderem mais.
Teve um que tomou todas as mulheres do seu reino, certamente para ampliar sua geração e com ela fazer prolongar seu nome. Depois de mulheres e concubinas, foi fazer aliança com outros reis, para poder por preciosas alianças nas mãos de suas filhas. Ao menos nas mãos daquelas que faziam jus ao título de princesa. Veja você, amiga dos meus docinhos, que as guerras do sexo estão juntas também à política e à economia. (não falarei dos áureos tempos de hoje) A coisa tomou tal proporção que foi até o Egito. Um irmão seu, a que não podia tornar mães as mulheres, ergueu para si um monumento. Seu pai já tinha iniciado o caminho, acrescendo às suas a mulher de um seu soldado; insubmisso na hora incerta, de excessivo zelo e tonto em outras, e certamente inconstante nos deveres de casa.
Bom, seja como for. Nesse mundo de abandono da vida, que é o de nossa atualidade, onde a vida não vem valendo nada, como uma moeda furada de poucos centavos que nem me abaixo para pegá-la na rua, esperar a imortalidade parece interessante, mesmo como contraponto. E ainda que a eternidade seja cansativa, com a nossa atual tecnologia faremos que ela passe de pressa. Também com o atual nível de nossa industria de entretenimento, essa eternidade nos cansará menos. Depois, com os programas de tv no domingo, com algumas piadas que tem um pouco de graça, vamos temperando o molho.
E há ainda um outro recurso. Se a fé não estiver ao alcance das minhas pobres mãos mirradas, recorrerei a algo mais natural, acatando os preceitos anti-químicos e anti industriais: irei procurar o Elixir do Pajé: aquela planta cabalística, que segundo os ensinos da antiga sabedoria silvestre do mestre Bernardo Guimarães, levanta até defunto enterrado.
Bem, veremos então, minha boa amiga, porque tua amizade merece uma boa esticada e enrijecida nessa minha mesquinha vida, que é para apreciá-la sempre no próximo dia. Assim, que amanhã eu esteja de pé. Até. Beijos.

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