quarta-feira, 15 de julho de 2020

Sobre o modelo de comunicação de Roman Jakobson








Segundo o modelo de Roman Jakobson, linguista russo que integrou o Círculo Linguístico de Praga, nas primeiras décadas do século passado, toda comunicação humana possui seis elementos, que são: (1) mensagem - o assunto - (2) emissor ou remetente, (3) receptor ou destinatário, (4) código – a língua -, (5) canal e (6) referente.

Jakobson, em seu livro Linguística e comunicação, procurou compreender as funções da linguagem, com peculiar preocupação em investigar as funções das unidades linguísticas e como se dá a comunicação entre falante e ouvinte.

Sem negar a relevância do modelo de comunicação de Jakobson, com o tempo seu esquema teórico foi submetido a críticas, sobretudo devido a sua formulação matemática, cuja eficácia compromete-se, segundo seus críticos, devido a certa natureza mecanicista, que leva sua formulação a não comprovação exata diante dos fenômenos comunicacionais entre as pessoas em situações reais de comunicação.

Assim, segundo essas objeções, há uma simplificação no modelo de Jakobson em relação à comunicação entre os seres humanos, comunicação que, em situações reais de trocas de mensagens, não se realiza de forma tão mecânica.

Um exemplo que se quer eloquente das objeções críticas ao modelo de Roman Jakobson, expostas acima, está no fato de que nem sempre a mensagem é plenamente compreensível às pessoas em situação de comunicação; do mesmo modo, o referente, ou aquilo de que se fala, pode não está ao alcance da compreensão das pessoas que se comunicam (locutor e interlocutor), apontamento analítico que, no entanto, mostra-se frágil, pois não haveria comunicação aí.

Ainda, nega-se que haja, como afirma Jakobson, um "remetente" e outro "destinatário" na conversação, uma vez que sua comprovação seria duvidosa na medida em que os papéis podem ser trocados, por exemplo, na comunicação oral, em que há mudanças bruscas e constantes do turno das falas.

Neste ponto também se mostra frágil a objeção, pois a mudança de posição dos falantes no diálogo não pode prescindir de ambos, locutor e interlocutor, ainda que troquem os papéis na contínua e mutável posse do turno, situação em que as funções não se anulam.

Quanto às mudanças incontroláveis do papel de remetente e destinatário, pode-se constatar, por meio de gravação de conversações orais, que muitas vezes há disputas pelo turno e, também, que os locutores desenvolvem estratégias de manutenção do turno, cujo objetivo é manter o controle da fala.

Ainda aí, há, em alguns modelos de comunicação formal, o pedido do turno "transitório", ou aparte; no entanto, ao apartear, o destinatário, que solicita o turno, passa já, neste momento, a ocupar a posição de remetente. Vê-se, aqui, um exemplo da complexidade da definição conceitual do fenômeno.

Não obstante às críticas, sem as quais, aliás, não se faz a ciência, o modelo do linguista russo Roman Jakobson, devido a sua explicitação do fenômeno comunicativo, tem destacada importância entre os profissionais de comunicação; seu modelo é frequentemente evocado por profissionais; inclusive por aqueles que atuam na área da comunicação verbal, publicidade e outros profissionais dos meios de informação, cujo trabalho reivindica estudos avançados em comunicação.

De fato, a constatação de Roman Jakobson no campo da comunicação é hoje tão diluída que sua conceituação é vista como fato evidente, mostrando-se, a muitos, como algo banal e apriorístico.

Elói Alves










segunda-feira, 29 de junho de 2020

COLABORAÇÃO PREMIADA: um negócio processual em prol da sociedade


 

Resumo: O presente artigo trata do instituto da Colaboração premiada, demonstrando suas especificidades como negócio jurídico processual penal. Destaca sua evolução no tempo e o combate ao crime organizado; ainda, o papel e objetivo das partes, a liberdade de contratar, nos limites da lei, o interesse público e a atuação da autoridade judiciária; além da crítica que se tem feito ao instituto e à atuação da acusação na construção dos acordos. Metodologicamente, recorreu-se à legislação processual, à jurisprudência e à doutrina especializada, sem empregar, contudo, linguagem pouco acessível ao público geral, dado ao amplo interesse social do tema.

 

Palavras-chave: Colaboração premiada; Ministério Público, Negócio Jurídico Processual; Crime Organizado.





Elói Alves





1.            Introdução





A colaboração premiada, popularmente chamada “delação”, tornou-se conhecida pela população brasileira no contexto da chama Operação Lava Jato, comandada pela Polícia Federal, que investigou crimes envolvendo desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro, cujos suspeitos eram ligados a grandes empreiteiras, em conjunto com agentes políticos, sendo parte dos ilícitos operada por diretores indicados por partidos políticos para diretorias da Petrobras.



No campo jurídico os debates também foram empolgantes, com amplas discussões sobre a importância para solução de crimes complexos, de que a colaboração de partícipes neles é fundamental, e a legalidade de ações determinadas pela justiça, a visibilidade ou espetacularização de operações, ações coercitivas impostas a investigados, e além da legalidade das delações de investigados presos preventivamente, tidas por criminalistas como meios cujo  fim era unicamente obter provas e confissão de acusações as quais o Ministério Público não poderia reunir sem recorrer a meios coercitivos, como a prisão preventiva.



A colabora premiada, inicialmente aplicada aos crimes hediondos, pela Lei 8.072, de 1990, obteve importante regulamentação em 2013, na Lei do Crime Organizado, 12.850, classificando-se como instituto jurídico processual, sendo meio de obtenção de prova, que figura em rol ao lado de outras medidas, como ação controlada, infiltração de policiais, em atividade de investigação de infrações penais. O instituto tem, assim, aplicação em investigações criminais que envolvam pluralidade de agentes criminosos; as organizações criminosas são, pois, classificadas como modalidade de concurso de pessoas para a prática de crimes.



Mesmo soando como novidade diante da efervescência do contexto sócio-político recente, a colaboração já existia no ordenamento jurídico pátrio. Existiu, aliás, anteriormente ao regime republicano, e mesmo anterior ao império, como informa Ana Paula Gadelha Mendonça, em importante artigo sobre o tema[1].







2.            Conceito





O instituto da Colaboração Premiada é definido em lei como um negócio jurídico processual pelo artigo 3º-A, inserido pela Lei 13.964, em 2019, com escopo de obtenção de prova e pressupondo-se utilidade e interesse públicos.



A classificação do instituto como negócio jurídico processual implica na cooperação entre o acusado e o Ministério Público, com vistas a se alcançar o interesse da sociedade na elucidação de condutas criminosas, a cuja efetividade não se poderia chegar sem tal cooperação por parte do indivíduo acusado.



Para Ana Paula Gadelha Mendonça, em “A aplicabilidade da delação premiada na nova lei de crime organizado, p. 07.”, a colaboração pode ser conceituada como:





[...] denunciar, revelar, denunciar como culpado, denunciar-se como culpado. Como se vê, a delação premiada, prevista no processo penal brasileiro em diversos diplomas, tem o mesmo significado que traz o dicionário, o réu delator é aquele que denuncia os comparsas, revela onde está o produto ou vítima do crime, e, ao mesmo tempo confessa ter participado do evento criminoso.[2]





Segundo definição do Manual de Colaboração Premiada, elaborado pelo ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro, o instituto é definido como:





A colaboração premiada é meio de obtenção de prova sustentada na cooperação de pessoa suspeita de envolvimento nos fatos investigados, buscando levar ao conhecimento das autoridades responsáveis pela investigação informações sobre organização criminosa ou atividades delituosas, sendo que essa atitude visa à amenizar da punição, em vista da relevância e eficácia das informações voluntariamente prestadas.[3]





A colaboração premiada pode ser admitida em qualquer fase da persecução penal com objetivo de se obter provas de condutas ilegais, como se observa no artigo 3º, caput, da Lei 12.850/2013.



Como negócio jurídico processual, a colaboração premiada envolve partes, objeto lícito, forma e requer a autonomia da vontade e impõe confidencialidade e boa-fé, assemelhando-se, pois, à clássica definição do direito civil. Peculiarmente ao negócio jurídico processual penal, o colaborador deve narrar, no acordo, todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados (art. 3º -C, § 4º ), sob risco de invalidação ou não homologação do acordo.



Com o acordo, o colaborador busca atenuação das penalidades ou até perdão das infrações cometidas. De outra mão, os órgãos responsáveis pela investigação e apuração dos crimes buscam, com o acordo, solucionar crimes e punir outros responsáveis dos grupos criminosos cujo alcance não seria possível sem o acordo de colaboração com algum dos partícipes.



Para obter sucesso no acordo, deve o colaborador também fornecer os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração.

Segundo o art. 3º-B, o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o começo das negociações e constitui ainda marco de confidencialidade, configurando-se, pois, violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial.   

O início das tratativas, inclusive a assinatura do Termo de Confidencialidade, não implica necessariamente a suspensão da investigação. Também a instrução poderá preceder o acordo de colaboração premiada na medida em que haja necessidade de identificação ou complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público.





3.            Benefícios do acordo para o colaborador





 A lei elenca uma série de concessões que poderão ser determinadas pelo juiz ao colaborador, dependendo do grau de efetividade de sua colaboração com a justiça.



Desse modo, é possível à autoridade judiciária conceder redução de até dois terços da pena privativa de liberdade ou determinar sua substituição por restritiva de direitos do colaborador, desde que essa colaboração tenha proporcionado resultados efetivos para as investigações e para o processo criminal e que a colaboração tenha se dado voluntariamente. Além desses benefícios, o juiz poderá conceder perdão judicial ao colaborador, dependendo dos resultados da colaboração.



O artigo 4º, da Lei em comento, traz rol de possíveis resultados que orientam a decisão do magistrado para concessão dos benefícios ao colaborador, nos incisos de I a V:



I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.



A colaboração com a justiça para obtenção de benefícios judiciais poderá ainda ser realizada após a sentença condenatória. Nessa hipótese, no entanto, os benefícios pela colaboração não poderão alcançar os mesmos resultados. Assim, na colaboração acordada após sentença penal condenatória, a pena poderá ser reduzida somente até a metade, além de se permitir a progressão de regime, mesmo que estejam ausentes os requisitos objetivos, como se observa do artigo 4º, § 5º, da Lei 12.850/2013.    



Nesse tipo de colaboração, de certo modo retardatária, deve-se revisar os resultados verificando a adequação às exigências ou resultados mínimos presentes nos incisos I, II, III, IV, V, do artigo 4º, citados anteriormente.



Ainda na colaboração pactuada após a sentença, caso o colaborador tenha estado, ou ainda esteja, sob efeito de medidas cautelares, deverá ser analisada pelo juiz a voluntariedade da manifestação da vontade.



A pactuação da colaboração e seu momento de realização pode ter implicação decisiva nos trâmites e no curso do processo. Uma das hipóteses se dá pela previsão legal que incluiu, em 2019, o parágrafo 10-A, artigo 4, que garante ao réu delatado durante a colaboração a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou.



A referida ordem das manifestações chegou ao STF e ensejou divergências entre os ministros do Tribunal Supremo, diante de questões levantadas (HABEAS CORPUS 166.373), por réus condenados na 13ª Vara Criminal Federal em Curitiba. No debate, “o relator, ministro Edson Fachin, defendeu que a lei não definiu a "imposição de ordem de colheita das argumentações de cada defesa, tampouco potencializou para esse escopo eventual adoção ou não de postura colaborativa"[4].



Segundo o ministro Fachin:





O legítimo manejo de meio atinente a ampla defesa não autoriza, a meu ver, distinção entre as manifestações defensivas igualmente asseguradas aos colaboradores e não colaboradores, sob pena de indevida categorização cerceadora do devido processo legal. Ou seja, adoção de certa estratégia defensiva não funciona como causa determinante da ordem de manifestação processual de cada acusado[5].





O entendimento do ministro relator foi seguido por Roberto Barroso e Luiz Fux. Para Roberto Barroso. "No Código de Processo Penal não há nenhuma distinção entre réu colaborador e réu delatado. Além disso, o CPP diz que nenhum réu pode ser assistente de acusação. O réu é parte da defesa, colaborador ou não colaborador”[6].



Em divergência de entendimento de Fux, Barroso e Fachin, o ministro Alexandre de Moraes afirmou:





[...] que o delatado tem o direito de falar por último. "O devido processo legal não é 'firula jurídica', o devido processo não atrapalha o combate à corrupção. Nada custa ao Estado respeitar o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa. Nenhum corrupto deixará de ser condenado porque o Estado respeitou o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório[7].





Por maioria de votos, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, em processo penal em que haja colaboração de réus, o partícipe delatado tem direito a apresentar suas alegações finais depois daqueles que firmaram acordo para colaborar com a justiça, direito que, segundo a decisão do Supremo, garante o direito fundamental à ampla defesa mediante o conflito de interesses dos corréus, delatado e colaborador[8].







4.            O Ministério Público na colaboração premiada





 O Mistério Público tem fundamental participação nos acordos de colaboração premiada, mas não está obrigado a concluir pelo acordo, caso não haja efetividade da colaboração



 Devido a relevância do acordo o Mistério Público poderá requerer ao juiz a concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto inicialmente no acordo firmado.



Na hipótese de que o Ministério Público tenha conhecimento prévio dos fatos constitutivos da proposta de acordo colaborativo, feita pelo partícipe de organização criminosa, fica esvaziado o acordo, sendo inócuo para a sociedade a concessão de benefícios judiciais ao infrator.



Caso não haja conhecimento prévio pelo órgão público dos fatos delitivos apresentados pelo colaborador o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia. No entanto, há vedação da lei à conclusão do acordo quando o colaborador for líder da organização criminosa ou caso sua proposta de colaboração já tenha sido oferecida anteriormente por outro componente da organização sob investigação.



O ministério Público e autoridade policial atuam de modo coordenado em casos cuja solução pode se dar pela ajuda efetiva de colaboração. Nestes casos, cabe à autoridade policial comunicar o Mistério Público sobre suas operações, prisões e interrogatórios de integrantes de organização criminosa.



Segundo o Manual de Colaboração Premiada da ENCCLA, p. 03:





Nas hipóteses de cumprimento de mandados de prisão provisória ou condução coercitiva para tomada de depoimentos, quando as circunstâncias, natureza e espécie da infração indicarem que há possibilidade de colaboração, especialmente em operações de grande porte, recomenda-se que seja dada ciência prévia do dia e da hora do cumprimento do mandado ao Ministério Público, para, querendo, o seu representante se faça presente à inquirição. Quando as declarações não forem tomadas em uma única oportunidade, deve a autoridade policial designar novas datas para a continuidade do ato, informando-as ao Ministério Público, o qual, querendo, poderá participar das oitivas ou ouvir o colaborador[9].





Portanto, a participação integrada da autoridade policial com os membros do Ministério Público tende a tornar as investigações mais efetivas, possibilitando um alcance maior no combate aos grupos criminosos, que podem ser atingidos de forma decisiva com a participação nas investigações por um dos envolvidos nas práticas criminosas, que, desde uma perspectiva interna à organização, passa a colaborar com as investigações com objetivo de ter suas penas reduzidas ou perdoadas pela justiça.





5.            A atuação do juiz



A participação da autoridade judiciária é decisiva para a efetivação dos resultados objetivados pelo acordo de colaboração premiada, acontecendo em dois momentos-chave. Primeiramente, a participação do juiz se dá por ocasião da homologação do acordo de colaboração premiada.



Depois, em sua participação final, o juiz aplicará as medidas adequadas ao acordo, numa coerência com a efetiva colaboração da pessoa réu colaborador e as possíveis medidas concessivas aplicáveis ao caso.



No entanto, a decisão do juiz não está vinculada apenas aos atos de homologação e aplicação do acordo, sumariamente. Pode a autoridade judiciária indeferir a homologação, até mesmo de modo sumário, desde que não se verifique o interesse público e a efetiva colaboração do acordo.



Nessa hipótese, o juiz fica vinculado a fundamentação, expondo suas razões para o indeferimento e cientificando o interessado no acordo, em cumprimento ao exposto no parágrafo primeiro do artigo 3-A, da Lei 12.850.



No ato da homologação o juiz verificará a sua legalidade, regularidade e adequação dos benefícios pactuados às exigências legais que contornam sua efetividade. No acordo, são nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime de cumprimento de pena do artigo 33, do Código Penal.

Outro requisito a que se deve atentar o juiz na homologação do acordo de colaboração é a verificação da voluntariedade da manifestação do colaborador, nos casos em que não haja imposição de medidas cautelares e, mais ainda, quando o réu estiver submetido a elas.



Como dito introdutoriamente, uma das razões para críticas ao instituto da colaboração premiada, principalmente por criminalistas, se dá pela opção de investigados pelo instituto quando estão submetidos a cautelares, sobretudo a prisão preventiva.



Para muitos advogados que se manifestaram na imprensa por ocasião das coberturas jornalísticas às operações da Polícia Federal e do Ministério público no âmbito da Lava Jato, as prisões foram utilizadas com meio coercitivos de levar seus clientes a fecharem os acordos de colaboração.





6.            Conclusão.





O Instituto da colaboração premiada tem sido, como visto, aprimorado na legislação brasileira e vem se tornando um mecanismo de processo penal cada vez mais utilizado, haja vista sua notoriedade na chama Operação Lava Jato.

Como negócio processual penal tem sido vantajoso para a sociedade na medida em que os órgãos de investigação do Estado conseguem levar, com peculiar perspectiva interior aos atos delituosos, uma denúncia à justiça respaldada por provas factuais, sem as quais seria impossível a persecução penal a organizações criminosas cujas técnicas e práticas delitivas também se aperfeiçoam.



Portanto, em que pese às justas reclamações, que devem ser consideras e atendidas, ou lamentações próprias do jus espeniandi criminalístico, o instituto deve ser considerado positivo e aperfeiçoado, sobretudo diante de condutas de grupos de criminosos organizados que destroem as bases sociais, corrompem valores sociais e democráticos e aprofundam as distâncias e desigualdades econômicas e sociais entre as pessoas.





Referências bibliográficas.






Mendonça, Ana Paula Gadelha. A aplicabilidade da delação premiada na nova lei de crime organizado, p. 07. Disponível em <https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2014/trabalhos_22014/AnaPaulaGadelhaMendonca.pdf> Acesso: 18/05/2020.



Oliveira, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal 13ª ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2010.



[1] “A delação premiada não é recente no Brasil, vindo a remontar desde o Brasil
Colônia, época em que vigia as Ordenações Filipinas, tendo nessa época uma legislação
rígida, já que a pena de morte e o degredo eram permitidos. Assim como era permitido
ao delator o perdão e/ou privilégios, como recompensas”. In: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2014/trabalhos_22014/AnaPaulaGadelhaMendonca.pdf Acesso: 18/05/2020.
[2] A aplicabilidade da delação premiada na nova lei de crime organizado, p. 07. In: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2014/trabalhos_22014/AnaPaulaGadelhaMendonca.pdf> Acesso: 18/05/2020.
[5]  Ibidem.
[6] Ibidem.
[7] Ibidem.

















sexta-feira, 29 de maio de 2020

A Mediação como forma de solução de conflitos interpessoais

Elói Alves

Não nos afastemos muito,
 vamos de mãos dadas,
Drumomd
Introdução
A Mediação como meio de solução de conflitos interpessoais e grupos sociais, como os familiares, tem sua importância no ordenamento jurídico como instrumento de democratização do acesso à justiça, um requisito constitucional. A ênfase posta pelos institutos jurídicos na solução consensual dos conflitos inclui-se num movimento renovador da sociedade brasileira, cujo motor tem sido puxado por várias Instituições da República, como o Conselho Nacional e Justiça – CNJ.

Seus princípios e escopo apontam para a pacificação social e solução de conflitos de modo alternativo, buscando-se a resolução, tal qual na Jurisdição, mas sem recorrer à imperatividade das normas legais e abrindo mão da rigidez ritualística que vincula a tutela jurisdicional, privilegiando-se, pois, a livre resolução pelas pessoas interessadas.
 
A busca de solução por tal via propicia a distensão do conflito e o desfecho que possa satisfazer a todos os componentes interessados, propiciando-lhes, ademais, a fuga de desgastes e gastos com a judicialização.
                                                                                                       
 
Esse protagonismo das partes é característica peculiarmente inerente à Mediação. Além disso, essa capacidade de autogerenciamento dos procedimentos produz resultados mais ágeis e preserva o relacionamento entre os interessados, fundamental, p. ex., entre aqueles que possam continuar a se relacionar, como cliente/empresa, vizinhos ou familiares, garantindo-se o sigilo das tratativas.

A mediania aristotélica

 Filosoficamente, remete-se tal modo conciliativo à filosofia aristotélica em que a justiça é uma mediania (Ética a Nicômoco, pp. 74, 75), uma virtude que envolve escolhas racionais, fugindo, pois, de maniqueísmos, em que se sublinham, p. ex., figuras de culpado e inocente, “nós ou eles”, cujo resultado   recrudesce os ânimos, e se estimulam instintos antissociais, contrários à convivência pacífica, avessos, ainda mais, aos valores democráticos e aos princípios fundamentais da República, entre os quais a igualdade, a dignidade da pessoa humana e as diretivas constitucionais com escopo de preservação dos direitos coletivos. Termo aproximado, a temperança, utilizada por São Paulo, associando-o a “justiça” (Atos 24: 25), compõe-se  também com o “autocontrole”.

Conceito de Mediação

A Lei de Mediação, nº13.140, de 2015, no seu art. 1º, parágrafo único, conceitua mediação como uma atividade técnica, exercida por um terceiro imparcial, sem poder decisório, que tanto pode ser escolhido ou aceito pelas partes, para auxiliá-las, estimulando a identificação e desenvolvimento de soluções da controvérsia por meio do consenso.
O objetivo, assim, é a busca do diálogo entre as partes, implementada pelo mediador, sem decidir por elas, como se faz na jurisdição estatal, estimulando a busca de solução da controvérsia. Para isso, prescreve-se o preparo técnico da atividade do mediador, que se rege por princípios que norteiam e fundamentam a Mediação o exercício de suas atividades.
A mediação, bem como outros métodos de solução de conflito, deve ser estimulada não somente pelas autoridades judiciárias. Ainda, o ordenamento jurídico impõe esse dever a outros profissionais que atuam junto ao judiciário, p. ex., a advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público (Art. 3º, § 3º, CPC).
Além disso, destina-se o instituto da mediação a proporcionar ambiente favorável à autocomposição (art. 166, §§ 3º, e 4º, CPC). Ressalta ainda o texto legal o princípio da autonomia das partes, pelo qual se regem, na mediação e conciliação, os interesses das partes, “inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais” (§ 4º). Recebida a petição inicial, cabe ao juiz designar a audiência de mediação ou conciliação, segundo art. 334 do Código.

Princípios da Mediação

Segundo a lei 13.140, a mediação deve ser orientada por uma sólida base principiológica. Em seu artigo 2º enumera-se um rol com oito princípios, a saber: (I) - imparcialidade do mediador; (II ) isonomia entre as partes; (III) oralidade; (IV)  informalidade; (V)  autonomia da vontade das partes; (VI)  busca do consenso; (VII)  confidencialidade; (VIII)  boa-fé.
São princípios que, em geral, regem o próprio direito privado, como a boa-fé e autonomia das partes, para que possam livremente pactuar os modos e resultados de seus acordos, inerentemente ao Direito Contratual, exigindo-se, onde couber, algum requisito de forma, como a Escritura Pública, para imóveis.
A isonomia das partes, consagrada já pela Constituição, em seu art. 5º, Caput, é alçada à condição de princípio regente da atividade, instrumentalizando a atuação de cada uma das partes, que deve ser zelada pela própria função do mediador, como condutor imparcial da mediação. Também a confidencialidade impera como motor do desenvolvimento das atividades, uma vez que questões que digam respeito, p. ex., à intimidade devem ser protegidas e vedadas a quem não tenha assento à mesa.
Além do consenso, elemento estrutural e princípio-base da mediação, a oralidade e informalidade compõem a base e o próprio espírito do instituto da Mediação, proporcionando às atividades da mediação celeridade, simplicidade, leveza e liberdade, inclusive de rito ou prazos, para a condução dos trabalhos, pelo mediador, e facilitação das negociações pelas partes.

Conflito de interesse.

Para Liebman, a função do Direito é “ordenar a convivência dos homens e de compor os conflitos” (Manual de D. Processual Civil, p. 23). Ainda o processualista italiano, referindo definição de Carnelutti, afirma que é no direito que se dá a composição da lide, entendida esta como “qualquer conflito de interesses” (Op. cit., p. 25)
Para Carnelutti, na Lide dá se o conflito de interesses “qualificado por uma pretensão resistida” (Dinamarco, Instituições I, p.120). No entanto, tal definição é avessa aos métodos de solução consensual de conflitos, porque neles as partes não disputam um único bem, num jogo de “tudo ou nada”. Na mesa da resolução consensual há uma distensão devido exatamente a despolarização, que há no processo em juiz decide por um dos lados. Aí aparece uma imagem não negativa, porque do “conflito podem surgir mudanças e resultados positivos, quando entendido como oportunidade de despolarização" (Manual de Mediação Judicial, pp. 49,  50. CNJ, 2016).

A arte de distensão dos conflitos familiares

As enormes transformações que se impuseram à sociedade moderna e contemporânea ao longo do século XX , e nas duas décadas iniciais deste, refletiram decisivamente na estrutura familiar e também na escalada do teor conflitivo das relações. Estas mudanças estruturais por que passa a sociedade geram um descompasso entre as demandas que delas surgem e a capacidade do Estado e da própria sociedade de resolvê-las, devido a sua compartimentação e à fragmentação de perspectivas do novo e das soluções para novas demandas, de que as respostas tradicionais não dão conta.
Desse modo, impõe-se um esforço da (à) sociedade no sentido de construção de solução dos novos conflitos e a compreensão deque não cabe mais um modelo único para todas as demandas, que acabam por levar a imposição de decisões que não dissolvem os conflitos, pondo em xeque o Direito, a Jurisdição e, logo, a estabilidade social e a harmonia entre as pessoas, inclusive nos anseios de uma vida digna, para qual haja sentido, e pela qual se possa lutar.
Neste contexto de transformações, possibilita-se o surgimento de novas estratégias para tratar das novas situações conflitivas, alternativas e coexistentes aos métodos jurisdicionais tradicionais, que, aliás, se beneficiam de seu potencial e eficiência, reduzindo-se sua sobrecarga, mas que não pode dar conta de anseios pessoais cuja solução só é possível pela aproximação das partes e pela promoção do diálogo, afastando-se a ideia de culpa e razão pessoal, com foco numa solução construída pelas próprias partes, sob mediação de terceiro auxiliador.
Essas transformações, com sua nova cultura de compreensão, diante dos conflitos familiares que envolvam o divórcio, para Fabiana Marion Spengler pressupõe um novo tempo:

[..] a invenção de um tempo conjugal mais permanente, apesar e além da separação, e a instalação de um tempo parental mais aberto, flexível e plural, devido à recomposição familiar que terá ocorrido com frequência. [...] o tempo conjugal mais permanente, ainda que separados os cônjuges, pode ser traduzido por um novo modelo parental que garanta à criança a responsabilização de ambos os genitores em sua criação e educação”
 [...] acreditando que é possível divorciar-se do cônjuge e não divorciar-se dos filhos. Inversamente, tornar o tempo parental aberto e plural significa inventar as figuras da pluriparentalidade, correspondente às novas constelações familiares entre as quais a criança circula doravante” (Direito das Famílias, p. 286)
           
Portanto, há aí o restabelecimento da comunicação na relação parental, num “tempo aberto e plural”, diluindo conflitos entre pais e filhos, em Mediação, distendendo a relação perturbada pelo espiral conflitivo. Um meio hábil, sutil e flexível com o qual se costura, com mestria de artesão, e que se vai reatando, lá e cá, os fios caídos e soltos, a passos sem métrica, livre da rigidez de ponteiros de relógio ou tempestividade estatal, sem casaca e sem ritualística, e que vai despindo-se de formalismos e de controle de máquina, contornando o desenho de seus interesses com a escolha das cores que melhor os enfeitem e lhes contentem.
A perspectiva da Mediação como uma arte é compartilhada por Spengler, que vê, no método, “uma cadência temporal própria” (Op. cit., 281). Nesse sentido, recorremos à lição das narrativas artísticas, onde, muito peculiarmente, a ideia de tempo foge à ciência de Cronos – o prestigiado deus do tempo que tudo devora - tendo as ações ali uma coerência interna, não decodificada por leituras cartesianas ou cientificistas, sobretudo se observada pelo tempo subjetivo. Um tempo próprio da dinâmica das relações interpessoais, recorrentemente regido por desejos, emoções e dores.

Conclusão

Para que essa leitura seja possível, isto é, a compreensão das dinâmicas dos novos conflitos em nossa sociedade e a solução que possibilite a pacificação das pessoas ante a situação conflitiva, será preciso que haja um olhar humanístico, de sensibilidade poética, multidisciplinar, no campo do tratamento científico dado aos conflitos interpessoais e grupos sociais como a família, de que a Ciência jurídica, sobretudo numa perspectiva de Direito puro como quereria Hans Kelsen, não pode dar conta.
Desse modo, os meios consensuais pelos quais se podem solucionar os conflitos entre pessoas, impulsionado pelas Instituições e pela sociedade, podem, gradativamente, se dissolver pelas estruturas e camadas sociais, de que a família é base, tornando-se, doravante, um componente cultural de compreensão, tolerância, ou mediania e temperança, bom senso e civilidade, privilegiando-se uma salutar convivência em harmonia, com a consciência de que esta se constrói, não com retóricas sofisticadas, mas com o bom senso que se faz mutuamente.

Bibliografia

Aristóteles. Ética a Nicômaco. Edipro – Edições Profissionais Ltda, São Paulo, 2002.
Dinamarco, Instituições De Direito Processual Civil I, 7ª ed. São Paulo, 2003.
Alves, Elói. O olhar de lanceta: ensaios críticos sobre literatura e sociedade. APMC, São Paulo, 2015.
Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Armenio Amado – Editor, Coimbra, 1974.
Lliebman, EnricoTullio. Manual de Direito Processual Civil V. I. Intelectus Editora, Tocantins, 2003..
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