sábado, 9 de julho de 2016

A IGNORÂNCIA COMO PROJETO DE DOMINAÇÃO NACIONAL



A ignorância e a má educação sistêmica no Brasil não é- e nunca foi- consequência da ausência do Governo em sua gestão; pelo contrário, é exatamente o seu grande projeto juntamente com os donos do poder cujo plano, infelizmente bem sucedido, consiste em acumular para si toda a riqueza do país, mantendo as camadas inferiores, que produzem essa riqueza com seu trabalho, afastadas dos benefícios dele pela inconsciência de sua exploração e satisfeitas com migalhas que lhes devolvem e iludidas com o circo montado para lhes entreter.
Esse projeto nacional, prioritário para o governo e para a elite econômica a quem os governantes servem, não é algo novo, apesar de todos os problemas que vemos aparecer a cada dia; ele vem da dominação colonial escravocrata, do voto restrito a minorias proprietárias dos latifúndios onde se produzia o açúcar e, depois, o café para exportação. Com a industrialização, as lutas dos trabalhadores por garantias de direitos, melhores salários, melhor saúde e melhor educação, sempre foram tratadas como coisa a ser combatida com uso da força, para cuja tarefa o primeiro instrumento sempre foi a polícia, como hoje, equipada com balas de borracha e outros instrumentos para frear as lutas sociais.
O grande projeto do governo,  e dos governos, para manter as classes oprimidas "pacificadas", isto é em ordem e fazendo a ecomomia progredir, como definia a máxima positivista "ordem e progresso", se dá de um modo mais sutil, como se diz em diplomacia: "soft power", uma dominação suave, um poder sutil ou "doce". Esse projeto histórico e perverso aparece, aliás, como uma aparente ineficiência dos governos em educar o povo, em gerir bem os programas essenciais da sociedade. No entanto, essa ineficiência é algo enganoso; o projeto para manter a maioria dos trabalhadores que produzem a riqueza dos país fora dos resultados dele é muito bem sucedido, ele se concretiza na perpetuação da ignorância, do fornecimento de noções básicas para a classe trabalhadora se inserir no sitema de produção, sem, entretanto, entender bem os mecanismos de exploração de seu próprio trabalho.
A má educação que se tem no Brasil não é, portanto, algo que surge de uma má administração do sistema educacional, ela é um projeto meticuloso que consegue manter milhões de pessoas afastadas da riqueza que ela mesma produz sem que se aperceba de como de se dão as coisas. Tragicamente para a maioria da apopulação e projeto tem sido algo contínuo, cruel e duradouro no Brasil.
Elói Alves

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A POLÍTICA E O AMOR ENTRE PAI E FILHO



Domingo, à espera do almoço, pai e filho conversam ao sofá da sala. O pai tenta costurar os rumos da conversa:
         -Basta de amores! Troquemos de assunto!
         -Mas estou curioso desses seus namoros antigos, pai.
 -Realmente, são coisas antigas. Falemos de política, que a grande rainha, que é tua mãe, vem chegando...
 -Mas política...?
 -Melhor! Falemos de políticos, mas dos grandes, dos maiores.
 -Não sabia deste teu interesse...
 -Sim, interessam-me os grandes, os grandes homens. E onde será, senão na política, que os teremos? Sim, na política, como ciência e como vocação.
         -É Weber, não é?
-Sim! Weber emergiu de uma época política esplendorosa, a magnífica transição do século que deu à luz à ciência política para o século da tecnologia, para o saber avançado, para o entendimento entre os homens.
-Entendimento...? Mas justo aí, a guerra...
         -Sim! A primeira grande guerra deu-se nesse tempo e coube aos seus grandes homens a condução do mundo que herdamos, cheio de progressos. Mas deixa-me ir adiante, lembrando de alguns nomes...
-Claro!- fez o rapaz com um gesto para que o pai prosseguisse.
-Veja que mente teve o grande estrategista político que foi Maquiavel! Que visão de mundo! Que amplitude de percepção! Sem ele certamente a Itália não seria hoje a Itália que conhecemos, unificada e sólida. Todos seus sucessores - e não só em sua terra - grandes e pequenos, beberam em sua fonte: O Príncipe. Veja também D. Sebastião...
-O português? Mas o pai fala assim só dos antigos...
         -Sim. Este rei das conquistas sobre os mouros, de tantas glórias, de tantas vitórias, deixou também o legado da esperança de sua volta, que é também a esperança de felicidades para os homens.
-Um mito, um ideal...
         -Sim. E está aí a outra face de sua força. Como o sangue de Caim, que, depois de morto, clama aos céus desde a terra.
         -Mito e transcendência...
-Ambos dentro da política, que é a realidade. Sem política não há sonho - e ela já é sonho – sem sonho não há esperança e não há transcendência. A transcendência só pode surgir da política e do sonho, que é a realidade e a esperança de mãos dadas. Da realidade junta com a esperança transcende-se para um novo mundo.
         -Não sei... não consigo ver isso assim no meu tempo...
         -Fiquemos um pouco em terra lusa. Quem senão a esperança sebastiana para gerar as conquistas e glória de seu povo? A expansão de seu reino e de sua política para civilizar tantos povos, para levar a ciência e propiciar a transição dos novos mundos para a prosperidade nunca imaginada, para um salto tão amplo em tempo tão curto, surgindo a ciência e a felicidade no reino e no seio da política.
         -Mas a história também está manchada de sangue; as disputas desiguais, o extermínio do vencidos...
         -Sim! Mas veja, disputas passageiras de dois mundos que se cruzam em um breve tempo. O que chega, faz breve sombra ao que se vai, e que se demora ainda, a contemplar o noviço e esplendoroso que o substitui. É a vida! A vida saudada pelo seu tempo, viçoso e jovem, esbelto e risonho.
         O pai ergue-se um pouco e pega um cigarro em cima da cômoda, o filho vai à janela e vê a mãe saindo, e logo volta-se a ouvir o pai, que continua:
-E a morte, no derradeiro minuto, no último instante do velho edifício que tomba e se vai; vai-se, para o encontrar de seus iguais, que já se foram e o chamam para o lado de si, para um sono único.
O filho, desviando-se da fumaça, interrompe de novo a fala do pai:
-Já podemos voltar a falar dos seus amores, pai, que a mãe saiu para os lados da feira.
O pai, apagando o cigarro, volta à história de seus amores antigos, com a mesma paixão e saudade com que há pouco falava de política antiga, como se esta fosse nada mais que uma imagem ou metáfora de alguma deusa escondida em sua época juvenil.
Elói Alves

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