segunda-feira, 29 de junho de 2009

APAIXONADO PELA SOGRA

       Confesso a você que nunca fui fã de minha sogra. No início até que tentei. Fiz vários discursos, todos retórica e politicamente corretos; beijei-lhe as faces, carinhosa e demoradamente; dei-lhe presentes diversos, todos escolhidos cuidadosamente, conforme seus gostos e segundo suas necessidades; elogiei-a com muitas lisonjas, quase sempre publicamente, ao som dos aplausos já combinados; e lembro-me ainda hoje do soneto que lhe fiz e lhe recitei no dia da oficialização de meu noivado, cujos versos rimavam e adequavam-se genuinamente entre si, em seus quartetos e tercetos, valorizando e enobrecendo, ritmicamente, as supostas boas qualidades que como esperto e habilidoso genro quis eu lhe atribuir ali.
       Mas depois do casamento, ocorrido pouquíssimo tempo depois da cerimônia mencionada acima, não me ocorreram mais aquelas motivações; e já não lhe fiz mais discursos, já não lhe dei mais presentes e nem lhe beijei mas as faces, nem mesmo rapidamente. E talvez pense você que isto tenha se dado pelo fato de ter eu já me casado, mas deixe-me continuar.
      Minha esposa, Fátima, filha única, é como uma bela e delicada flor e se parece com uma rara e preciosa jóia, que precisa ser cuidada, protegida e carinhosamente zelada. E disso tratamos nós, ainda com o noivado em flor, que seria eu, e só eu, o seu amante, zelador, conselheiro, sua outra metade, seu anjo-de-amores... Mas para a mãe de Fátima não era bem assim. “Mãe uma vez,” dizia ela, “é mãe sempre, e filho tem sempre que lhe obedecer”.
         Veja você. No dia em que nos casamos, fomos passar uma semana num hotel fazenda, num lugar distante, no interior do interior. Demoramos horas para chegar lá. Em caminho, por uma estrada de terra batida, faziam- nos companhia os pássaros, às sombras das árvores frutíferas, e os raios do sol, que regiam aquela tarde linda. As borboletas vestidas lindamente em cores iam e vinham sobre nosso carro, trazendo à noiva os cumprimentos da bondosa natureza. Tudo era só natureza. E entramos no hotel, felizes como quem entra num paraíso, abraçados à felicidade.
         De imediato, a recepcionista, sorrindo, passou às mãos de minha esposa algumas folhas de papel. Eram recados de minha sogra e continham instruções de comida que deveríamos comer, roupas que sua filha deviria usar para dormir, citações bíblicas e provérbios populares referentes ao casamento, nomes de filmes indicados para se ser feliz no matrimônio, lista de literaturas não indicadas para pessoas recém-casadas e até o horário recomendado para se dormir. Eu e Fátima rimos sem entender como ela descobriu nosso destino, se nem nós sabíamos direito onde estávamos.
        E assim foram-se os anos, como minha sogra sempre exortando, mas nem Fátima queria ser sua ouvinte. Porém, ao contrário desses rumores e tremores familiares, de um certo tempo para cá, venho mudando radicalmente de opinião a cada dia que passa. E confesso que fiz muitas, mas não lhe faço mais críticas; já não a acho mais inoportuna, indelicada, incoerente, intrometida, insensata; e declaro também que agora amo a minha sogra, e esse amor vem crescendo rápida, enorme e assustadoramente desde o dia em que ela morreu.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Elói Alves 

3 comentários:

  1. ANÁLISE: Esse texto, postado em Real com Arte, um monólogo que se pode encaixar no gênero crônica, apresenta características marcadamente românticas, no sentido que o sujeito que se expressa nele deixa transparecer sua alma, embora tenha pretensão a estrategista, na conquista da simpatia de sua sogra. Há também certo louvor da natureza e deslumbramento da personagem que reforça esse aspecto. A arquitetura textual, por sua vez, mostra que o texto se constrói numa preparação para seu final irônico, que, por isso mesmo, ao contrário do amor afirmado, procura mostrar o lado grotesco da sogra.

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  2. Eloi
    Que sogra maravilhosa hein?
    Deve ser parente de "Sogra MAdrasta" que postei no Poetas Mortos tempos atrás.
    VAleu
    Elisabeth Lorena

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    1. Verdade, Beth, a família tem ramos e sub-ramos. Muito grato!

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