quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

DEUS E O DIABO NO IMPÉRIO DO SILÊNCIO

          Outro dia, depois de assistir a um jogo nos Jardins suspensos de Parque Antártica, fomos eu e um amigo comer em uma lanchonete da Pompéia. Comemos pouco, bebemos muito. Já tarde fomos para sua casa, dormir um pouco, na Marechal, próximo ao elevado. Mal encostei no sofá, entrei em sono profundo. Logo Deus veio ter comigo, ou fui eu que lá andei a encontrá-lo. Estava com as barbas crescidas, brancas, forte e envergando o tronco. Estava pacifico como um deus sem testamento, nem antigo nem moderno, sem a quem deixar como herdeiro seu. Repousou-se os olhos num Jardim e encostou seu cajado, que, na falta de ovelhas, usava para se sustentar os passos curtos. Parou frente a umas flores e sorriu sereno para um beijaflor, que lhe pousou no cajado suavemente e logo foi-se embora beijar flores. Sentou-se numa pedra lentamente e tirou um livro do jaquetão; era o Cândido, de Voltaire.
         Eu ia sentar-me com ele, quando tropecei nas próprias pernas. Fui levantando aos poucos, tentando me achar, às apalpadelas, até que encontrei o interruptor na parede. Calcei os chinelos e fui esvaziar a bexiga. Voltei do banheiro sonolento, escorando-me como cegobêbado.
Dormi.
Um som forte de música incompreensível derrepente me perturbava, um vento forte encheu toda a casa. Uns gemidos se misturaram ao vento e ao barulho em forma de música. Era o diabo! Reconheci-o pelas orelhas que se metamorfeseavam em chifres sujos e enormes, que nasciam do início do pescoço, indo para trás como chifres de cabra. Não era tudo. Arrepiei-me mais pelas formas do nariz, pontudo como um nabocanivete com três buracos na ponta, que esticava-se e diminuia seu tamanho conforme respirava. Estava acompanhado pela diaba, muito redonda e baixa, a cabeça e os pés sumiam-se e só lhe aparecia a voz arrepiante, gritando provérbios de repreensão moral religiosa. O diabo era austero e rígido, todo de preto, num manto litúrgico.
       Era o virar da tarde, quando ele com uma grande borracha nas mãos, auxiliado pela diaba que pisava o pescoço dum diabinho, pequeno e orelhudo como o pai, ministrava uma seção com toda sua capacidade e poder. O diabinho teve a camisa rasgada pela borracha, que lhe bateu firme nas costas. A mulher agora esticava mais as estrofes dos provérbios, como se fosse mudar de adágio para música, mas terminava em gritos finos e longos, como um sapo eufórico num coral de brejo.
           De repente, a borracha partiu-se e foi ferir a diaba com uma ponta de arame, cortando-a na testa. Ela, num instante em que eu abri e fechei os olhos, tinha voado ao pescoço do diabo, como que para lhe chupar seu sangue.
          -Tecaia, gritou o diabo.
          Neste pequeno espaço de tempo, o pequeno escapou, com um pulo, sumindo-se na escuridão. Eu, querendo segui-lo, dei um giro de cento e oitenta graus como um raio que some do oriente e aparece no ocidente num instante, num átimo, e dei uma trombada num poste onde o diabo pendurava sua borracha.
         A dor foi me despertando. Logo me peguei virando-me no sofá incomodado. Briguei ainda com o travesseiro, me virando sobre ele e me revirando sem chegar a consenso. Era o estômago reclamando certamente meus hábitos alimentares. Fui de novo ao banheiro, depois à janela. Estava uma madrugada fria. Fiquei ali olhando a noite. Um vazio penetrou em mim com o frio, com o frio veio uma sensação de tristeza. Lá embaixo na rua o silêncio era também triste, a metrópole do barulho sob o império do silêncio. Meu vazio aumentava mais com aquela temperatura baixa, faltava-me Deus talvez. Pensei ainda no Diabo, na borracha, na diaba sangue-suga... Olhei para rua outra vez. Lá de cima, do 13ºandar, via apenas vultos e neblina. Os vultos me lembraram crimes dispersos na escuridão da hisória. Na escuridão qualquer um pode ser um criminoso, pensei. E se eu também cometesse um crime? Olhei os céus, a neblina, a rua silenciosa, mais escura agora, como a escuridão onde o diabinho se metera, escapando aos guilhoes dos diabos. Intuitivamente levei uma mão ao parapeito e me aproximei mais da janela, que estava aberta, depois apalpei a barriga, quando senti um enorme frio, parecia que me ia congelando. O meu vazio era já um grande vácuo, talvez uma alma impreenchível. Virei-me um pouco para traz e vi de longe a geladeira. Corri para dentro e fui assaltá-la. Improvisei misturando presunto e queijo com pão de forma, que levei ao microondas. Saciado, fui prcurar água e achei vinho tinto. Dormi tranquilo e não sonhei mais nada.
        Às nove horas fui acordado por um aroma delicioso, que me chegava ao olfato como incenso sagrado. Era o cheiro do café que vinha da cozinha. Levantei e fui anunciar que um assalto ocorrera de noite, à geladeira, e seria preciso comprar mais frios.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ausência e lembrança: uma homenagem

       IN MEMORIAN: O prof. Natanael e sua obra

       Viverá, ainda, o inenarrável mestre, mesmo sob aparente sombra em último instante e privado à derradeira hora de seu locus sacro, dos templos, em cujos altares tão imensurável obra pôde erguer, pelo seu ensino e por sua palavra, de que foi mestre impar? Locus sacro, onde seus prediletos cânticos, em voz uníssona de coral de amigos, com quem conviveu duradouramente, como família verdadeira que idealizara, se ouviria mais vivamente?
Para quem ama, mortos estão os passageiros vermes e não aquele, de Viva Imagem, cujo símbolo material restante os pequenos monstros familiares roem. E como são, amiúde, tão próximos os vermes. Roem e rerroem e ainda querem roer. Mas não roem e jamais poderão, nem em pensamento, roerem a imagem majestosa de um grande homem, de um imenso soldado, um Aquiles a serviço do bem e da vida.
         O REVERENDO _como era respeitosamente chamado, quase um cognome_ foi tudo isso. Chamaram-no também certa vez, no Rio de Janeiro, de Gamaliel do século XX.
         De feito. No ensino foi mestre quase inigualável. Fora capaz, como poucos grandes mestres, de, do alto de sua elevada cultura, ensinar com simplicidade franca. Ensinou a milhares. Há por aí homens nas maiores universidades do mundo que passaram por suas mãos. Foi amigo de muitas autoridades públicas sem nunca se deixar ambicionar pela mesquinhez do poder.
         Como orador sacro passou por quase todo o país, juntando em sua pregação, de um modo raro, a clareza, o saber e a eloqüência. É frase sua haver “ o missionário de fato e o de asfalto”.Um, o de asfalto, prega somente nos melhores lugares; o outro, o de fato, pregava em quaisquer lugares a onde o chamavam: ao frio e ao sol, à chuva e ao barro.
         Aí exatamente se encontrava o REVERENDO como pregador: nunca exigiu nada para levar sua clara e calma, inspirada e sábia palavra. Certa vez rasgou o sertão da Bahia ao lado de um conhecido missionário de Diadema em SP. Foi lá que fez, como tantos, um maravilhoso sermão.”De quem é este segundo carro”, dizia ele, referindo-se a José do Egito. A inspiração trazia seu bom humor e a observação, pois baseava-se em dois jegues que vira naquele sertão (esta pregação para alegria dos paulistanos fora repetida em Vila Nova Cachoeirinha, em reunião coordenada pela grande líder Estelita Timóteo Peixoto.
         Que diremos, pois, os amigos que vivemos sob teto igual, a ouvir os preceitos de sua mestria e a admirar suas histórias, em narração clássica? Nós que ouvíamos ao anoitecer seu peculiar ressonar, muitas vezes introduzido por leituras de amigos? Vivíamos, pois, felizes.
        O que está erigido é obra a qual os ventos impetuantes não podem levar ao chão. Nenhuma intriga intestina, nenhum desarranjo conhecido, nenhuma desconsideração mais íntima poderá derribá-la, ou sequer abalá-la. As instituições que fundou e dirigiu cumpriram o seu papel, segundo seu propósito. Os por ele educados e instruídos levam agora, em mãos firmes, a bandeira de sua ética e de sua fé viva e pura.
       Como homem foi plenamente realizado. Amou plenamente as coisas que fez. Viajou, conheceu, ensinou, fez grandes amigos, comeu de tudo enquanto pode, sorriu como criança e viveu feliz. Bonam pugnam pugnaui, combati o bom combate, diz o Grande Pregador-Reverendo, em metro heróico, com o maior dos apóstolos.
       Estive com ele no hospital, mais de hora, na tarde do último domingo que passara aqui. Era dia dos pais. Estava absolutamente lúcido e iluminado. Sentou-se a minha frente. Eu aos seus pés como um discípulo. Relembramos em colóquio fraterno nossas velhas histórias; rimos muito, até mesmo dos dois jegues do sertão. Afastei-me definitivamente na hora derradeira para viver na solidão dos meus sentimentos a sinceridade de minha consciência, e assim afastar-me do reino social da nefasta hipocrisia, tão combatida por ele. Ademais, assim agindo, associava-me a ausência de muitos ex-condiscípulos que o amaram com a alma e sendo inocentes e ignotos de sua partida.
        O REVERENDO viverá ainda, ad aeternum. O monopólio petulante dos microorganismos, cujas mazelas afetam o espírito, dura menos que um instante. O que persiste é a vida da memória, uita memoriae, num dizer de Cícero. Sinto agora um sereno vento que envolve o meu peito, dizendo com voz de profeta que a este rudimentar discurso memorialista se somaram coros diversos. Força nenhuma os calarão, alçarão do alto de seus púlpitos as grandes homenagens que lhe não puderam dar, junto a altar sacro, em uma despedida solene. Sua memória congregará, na lembrança de seu honrado nome, muitos dispersos que o amaram. Mas não haverá, por Deus, nem tristeza nem histerias. PAX AD AETERNITATEM
Elói Alves
(Discurso epidídico, escrito e pronunciado em São Paulo  por ocasião do passamento do renomado mestre Professor Natanael L. França- de quem fui aluno e secretário- lembra agora (2009) o terceiro ano de sua sentida ausência.)
A querida mestra Estelita, citado no texto, faleceu em 2010.

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

DO QUE MAIS GOSTO EM VOCÊ?

Do que mais gosto em você:
De seu olhar, sereno e calmo,
De suas palavras soando como salmo,
No seu singelo jeito de dizer?

Como se pode, então, priorizar,
Se se divide, diversa, sua beleza,
Numa amplitude de toda natureza,
Afastando-se e juntando-se de para em par?

Se seus pés são belos,
Seus olhos são singelos,
Formando tudo uma mesma inteireza.

Come se poderá assim escolher,
Se a parte eleita é a própria incerteza?
Porque a certeza é inteira: é você!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O VAGABUNDO E OLHAR DE LANCETA

O antitipo da formiga, já na antigüidade, fora evocado para reforçar o ideal rítmico-social premente. No texto bíblico, além da condição sui generis de supremo-valor da inspiração, o texto ganha a condição do observador que extrai da natureza um correlato para aquilo que quer exprimir. A questão sabe-se pedagógica, porém mais corretiva do que profiláctica. É sobretudo moral. Em suma: não se toleram preguiçosos. A sociedade moderna, em condições rígidas de produção e consumo, leva isso tanto ou mais a sério que outras em tempos idos. Há, pode-se dizer, em alguns lugares e em certas épocas, como no Brasil no século XIX, uma maquinização do homem, em função da engrenagem do sistema, primeiramente dos escravos, depois de todos os trabalhadores, como migrantes e imigrantes. Mas haverá sempre, aí mesmo, aqueles que não se encaixam (ou não se deixam encaixar) nessa grande forma social. Temos aqui o vagabundo – o vadio – uma questão, por enquanto, de conceito do campo moral que se lhe impõe; mas que, depois, no auge do regime da CLT, seria uma questão de polícia.
Desde o início, já em Gregório, nossa literatura veio refletindo questões em torno desse assunto. Aparecem, depois, com Memórias de um sargento de milícias e outros, varias obras onde há personagens que se tocam, de leve ou de todo, culminando com Macunaíma, interpretadas muitas vezes como proprietárias do “ethos do povo brasileiro” O tema é , pois, um lugar comum. O que o salva é o tratamento artístico que recebe nos grandes autores na história da literatura brasileira. Talvez mais que isso seja a peculiaridade, a propriedade da natureza dessas personagens nesses autores, a profundidade que escapa ao tipo. Assim é que nos vemos diante de Custódio de “O EMPRÉSTIMO”, de Machado de Assis. Não fosse a profundidade da caracterização deste e de Vaz Nunes, o conto não só escorregaria para indignidade da autoria machadiana, mas, para além disso, reservaria-se a uma anedota, distante da semântica do narrador, desprovida de atributos literários, e a intenção de salvá-lo, se houvesse, levaria-o ao ridículo.
As duas personagens importam mais que o caso do empréstimo – isto, entrementes, ficou dito, mas com franqueza: Custódio e Vaz Nunes são tudo. Um deles está num momento pedinte, a implorar ao outro algum dinheiro com que ir vivendo, “um jantar” ao menos; logo desfaz-se esta condição, fica o general: “na rua, andando, sem almoço sem vintém, parecia levar após si um exército.”
Catilina, general de fato, na urbe romana, insubmisso à ordem estabelecida, como esse, descrito por Salústio “Corpus patiens inediae, algoris, uigilae”(Um corpo capaz de suportar a fome, o frio e o sono). E o que dizer do outro? “Era um dos homens mais perspicazes do século. (...) tinha um olhar de lanceta, cortante e agudo”. Vê-se que o narrador nada economiza, enclina-se ao “honesto tabelião” e vê mesmo, sobre ele, vestígios de sombra de onisciência; nota uma eficácia perscrutadora, admira-a e a exalta: “conhecia a alma de um testador” e “farejava as manhas secretas e os pensamentos mais reservados”. Ora, se um chega a divino, insondável portanto, o outro é enigmático e, logo, foge à simplicidade aparente da história.
Lima Barreto legou nos no início do século passado um conto que dialoga com o de Machado, já falecido. Um conto fantástico sem fantasticidade alguma: fluente, belo e muitíssimo digno. E o que é exatamente? É “o homem que sabia javanês” e chega a cônsul; escreve artigo sobre esse idioma ou sobre Java, vai a congresso internacional de lingüística, como representante oficial do país sem, no entanto, conhecer bem o alfabeto da língua que viera a ensinar; ofício, aliás, o qual lhe conferiu prestígio, dinheiro e, diga-se tudo, renomada inveja. As doutrinações sociais, em seus vários tipos, ingênuas por vezes, intolerantes sempre, não prevêem (e se o fazem não concedem) as diversidades, antes trabalham rigidamente para uma formatação rígida do homem em sua função social. O professor de javanês, que viera vindo de pensão em pensão como Custódio, igual a este, é um exemplo exuberante da limitação e vulnerabilidade do sistema. Poder-se-ia atribuir-lhe o famigerado “jeitinho brasileiro ”.
Conta-se que no Apenino, onde outrora estivera aquele general romano, em meados do século XX, em missão internacional, trabalhavam juntos soldados brasileiros e americanos. Como o frio era intenso, os soldados iam morrendo aos poucos. Percebeu-se logo que morriam mais americanos que brasileiros. Não, não eram estes Catilinas, não! Os americanos, altamente disciplinados e cujos ouvidos, antes de tudo, inclinavam-se à voz do comando, esperavam orientação superior. Os brasileiros, por sua vez, iam se arranjando, antes, com jornais nas botas; e iam vivendo. Eis aí algo claro na brasilidade que a doutrinação condena, mas não pode evitar, ainda bem.
Aristóteles entendia o homem como um animal cívico. E este, para esse filósofo, agindo em coerência com a natureza, devia “bastar-se a si mesmo”. Custódio, o nosso general-pedinte, ia, via reversa, vivendo do alheio, do que lhe davam: “um dez, outro cinco, outro vinte mil-réis, e de tais espórtulas é que ele principalmente tirava o albergue e a comida”. É sabido que, tanto na Cidade-Estado daquele autor clássico como no Rio de Machado, as classes dominantes viviam e gozavam à custa do suor, do sangue e da vida alheios (claro que o escravo não era alheio, como propriedade legalizada ).
Aristóteles justificava a servidão como algo próprio à natureza. O narrador de “O EMPRÉRSTIMO” não vê outra coisa, mas agora a favor do inferior. “Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho”. Isso posto, como impingir-lhe um tratamento moral de subvalorização, ou, mais que isso, precipuamente, dada a essência, como submetê-lo ao enquadramento comum de produção e consumo, o qual sustenta e rege esta sociedade e sua civilização como um todo. Aliás, a própria ruptura do esquema de produção fundado na exploração e na posse dos negros, deu-se sabidamente por necessidade de mercados consumidores e de mão-de-obra qualificada, e não por questões humanitárias, ocorrendo, no seu fazer-se, ipso facto, à revelia da Corte.
Como pretenso general, Custódio tem também pretensões a estratégias; embora sua alma romântica e supersticiosa se entregue ao regime do eventual. A própria ida ao cartório de Vaz Nunes dá-se no espaço do adventício. Mas não se pode subestimá-lo. Aos quarenta anos, vai indo e até ostentando, ainda que sem posses e, a gosto de si, à margem do trabalho. Ademais, o embate é que não lhe fora favorável à altura das pretensões de sua alma. Fechadas as outras portas, entra confiante pela do Tabelião. Este, por seu lado, tinha o poder de dominar as situações. O olhar desse homem era de lanceta, como ficou dito, cortante e agudo. Faz lembrar a antiga espada de dois fios, penetrante até a divisão da alma. Custódio nada pôde, a não ser receber a nota de cinco mil-réis, para o jantar, que o perspicaz proprietário lhe dá, assentando assim os ânimos e a poeira. Cinco e cinco, bom para ambos. Olhe que lá vai o general.

Este texto, na forma de ensaio crítico, foi escrito para disciplina de Literatura brasileira IV da FFLCH-USP, 2005, Obtendo nota máxima.

terça-feira, 14 de julho de 2009

OH, MEU BRASIL!!!

Quando foste achado e conquistado
Por espada e cruz dos lusitanos,
Repletos e em perfeito estado
Estavam tua flora fauna e tantos.

Num átimo, tua riqueza foi levada,
Primeiro a madeira de teu nome,
Depois o teu ouro e tua prata
E com quase tudo teu o luso some.

Com um mártir na história,
Impérios luxo e muita fome
E a escravidão tão vexatória,
Esse teu passado me consome!

Liberdade, presidencialismo esperança,
Vem o sonho, sempre com a utopia;
E a república do café com leite avança,
Mas acaba, porque Getúlio aí surgia.

Por um tempo ideais e otimismo,
Todo o povo trabalha com euforia,
E o governo se fixou com o populismo,
Mas era ditadura e renuncia.

(...)

Em teus quinhentos anos lembro Caminha,
Aqui “em se plantando tudo dá”;
Entretanto para grande tristeza minha,
Corrupção e ignorância são o quê há!

Escrito para um concurso à epoca do aniversário dos 500 anos, o poema acima é já velho, mas anda muito novo, não???

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segunda-feira, 29 de junho de 2009

APAIXONADO PELA SOGRA

       Confesso a você que nunca fui fã de minha sogra. No início até que tentei. Fiz vários discursos, todos retórica e politicamente corretos; beijei-lhe as faces, carinhosa e demoradamente; dei-lhe presentes diversos, todos escolhidos cuidadosamente, conforme seus gostos e segundo suas necessidades; elogiei-a com muitas lisonjas, quase sempre publicamente, ao som dos aplausos já combinados; e lembro-me ainda hoje do soneto que lhe fiz e lhe recitei no dia da oficialização de meu noivado, cujos versos rimavam e adequavam-se genuinamente entre si, em seus quartetos e tercetos, valorizando e enobrecendo, ritmicamente, as supostas boas qualidades que como esperto e habilidoso genro quis eu lhe atribuir ali.
       Mas depois do casamento, ocorrido pouquíssimo tempo depois da cerimônia mencionada acima, não me ocorreram mais aquelas motivações; e já não lhe fiz mais discursos, já não lhe dei mais presentes e nem lhe beijei mas as faces, nem mesmo rapidamente. E talvez pense você que isto tenha se dado pelo fato de ter eu já me casado, mas deixe-me continuar.
      Minha esposa, Fátima, filha única, é como uma bela e delicada flor e se parece com uma rara e preciosa jóia, que precisa ser cuidada, protegida e carinhosamente zelada. E disso tratamos nós, ainda com o noivado em flor, que seria eu, e só eu, o seu amante, zelador, conselheiro, sua outra metade, seu anjo-de-amores... Mas para a mãe de Fátima não era bem assim. “Mãe uma vez,” dizia ela, “é mãe sempre, e filho tem sempre que lhe obedecer”.
         Veja você. No dia em que nos casamos, fomos passar uma semana num hotel fazenda, num lugar distante, no interior do interior. Demoramos horas para chegar lá. Em caminho, por uma estrada de terra batida, faziam- nos companhia os pássaros, às sombras das árvores frutíferas, e os raios do sol, que regiam aquela tarde linda. As borboletas vestidas lindamente em cores iam e vinham sobre nosso carro, trazendo à noiva os cumprimentos da bondosa natureza. Tudo era só natureza. E entramos no hotel, felizes como quem entra num paraíso, abraçados à felicidade.
         De imediato, a recepcionista, sorrindo, passou às mãos de minha esposa algumas folhas de papel. Eram recados de minha sogra e continham instruções de comida que deveríamos comer, roupas que sua filha deviria usar para dormir, citações bíblicas e provérbios populares referentes ao casamento, nomes de filmes indicados para se ser feliz no matrimônio, lista de literaturas não indicadas para pessoas recém-casadas e até o horário recomendado para se dormir. Eu e Fátima rimos sem entender como ela descobriu nosso destino, se nem nós sabíamos direito onde estávamos.
        E assim foram-se os anos, como minha sogra sempre exortando, mas nem Fátima queria ser sua ouvinte. Porém, ao contrário desses rumores e tremores familiares, de um certo tempo para cá, venho mudando radicalmente de opinião a cada dia que passa. E confesso que fiz muitas, mas não lhe faço mais críticas; já não a acho mais inoportuna, indelicada, incoerente, intrometida, insensata; e declaro também que agora amo a minha sogra, e esse amor vem crescendo rápida, enorme e assustadoramente desde o dia em que ela morreu.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Elói Alves 

segunda-feira, 22 de junho de 2009

À ex-ficante, num ano bissexto

      Cara ex-ficante:

      Como havia recebido de sua parte por ocasião de meu aniversário uma lembrança estimável, vi-me na obrigação de lhe retribuir de algum modo.
Como não me lembrava, ao certo, o dia de seu natalício, tendo certeza apenas de que era pelo mês de fevereiro, deliberei comigo dizendo:
      -Vou felicitá-la hoje, já que é este o último dia do mês.
Há-de dizer-me certamente, e com suas razões, que não as aceita, pois minhas congratulações já vão lá por demais atrasadas e, portanto em tempo inoportuno. Mas minha réplica, em contrário, lhe mostrará que há também razões frágeis e outras sem razão. Sendo hoje dia 29 de fevereiro, portanto ano bissexto, dia raro e especial por sua eventualidade, toda sua glória e todo o seu peso devem ser repartidos entre os que nascem neste mês. Assim, fazendo bem as contas, esta data, ainda que em pequena parte, também é sua e, logo, estou perfeitamente na ordem do dia com minhas felicitações, independente do dia deste mês em que você aniversaria.
       Minha primeira decisão foi a de devolver-lhe a Angustia. Mas meu grande apego a Graciliano, e também devido a meus sintomas de bibliofilia ou, dependendo do analista, bibliomania, fiquei impedido de fazê-lo, e cumprir assim um ato de ruptura moral ou sócio-cultural.
      Como provavelmente não receberei lembrança alguma de sua parte em meus próximos aniversários, e como é certo também que nem todo ano é bissexto, deixo aqui, neste muito mal escrito texto, minhas felicitações por todos os anos de sua vida, desejando que sua existência seja longa e bela!
      Pensando um pouco, porém, coisa que me é rara, não sei se me expresso bem, votando-lhe a sua vida, ao mesmo tempo, beleza e longevidade, pois há aí mais que uma contradição entre estas palavras. Uma pessoa vivendo muito, talvez a beleza se canse dela e vá procurar outras paragens onde repousar um pouco seu fastio, do mesmo modo que procuramos para nossos olhos ora o mar ora o campo ou outro lugar qualquer. E se indo a beleza, com a vida longa, não há negar que virão ocupar o espaço ocioso outras novas moradoras, quem sabe as rugas, só ou com as estrias, ou as varizes com outras primas suas etc.
     Tudo é escolher.
Que direi então?
     -Que tenha saúde, muita, e não me queira mal!
     Beijos!
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
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Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

Adquirir o livro:http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html 

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