O livro Contos Paulistanos, antologia organizada pelo escritor Elói Alves para o Instituto Letrófilo, em parceria com a Editora APMC, será lançado no fim deste ano e está em fase de seleção e organização dos textos. Participam da antologia diversos escritores de imenso saber literário e capacidade criativa. O projeto foi idealizado a partir debates literários e apresentações autorais periódicos, organizados pelo Instituto Letrófilo em São Paulo.
segunda-feira, 20 de julho de 2015
OS RATOS E OS REIS DO BRASIL
O Brasil não tem monarquia, já há mais de cem anos, mas tem reis, diversíssimos, inumeráveis. E como um rei não vive com pouco, dito antigo de Rabelais, é preciso vesti-los, a cada canto e por todo o corpo, com a mais esplêndida gastança.
Nem sempre se há de querer rei com pompa em toda potestade ou o sonho com a volta dos que se foram, como o imortal e desaparecido D Sebastião. Na Suécia mesmo dá-se outra coisa que em Roma e numa outra república abaixo dos trópicos. Lá, se o rato roer a roupa do primeiro ministro, este terá de costurá-la, pois não dispõe de mil servos para servi-lo à cama sempre que o queira, e a todo canto, a tempo e hora:
-A comida do rei!
-O vinho do rei!
-As calças do rei!
-O avião do rei!
-As diversões do rei!
-As diversões do rei!
Mas abaixo da linha do equador não há pecado, já se dizia no período da colonização. Ausência de títulos hierárquicos ou nobiliárquicos não os desautoriza a vida que exigem e que lhes dão; ao contrário, autoriza-os muito maior disposição ao preito e à realeza, mesmo despido de toda nobreza. Assim, o deputado reina com toda grandeza; o vereador, com toda imponência; os ministros, com toda gastança, convictos da grande tolerância das leis flexíveis e da bajulação dos que se lhes curvam como a um trono, tendo o país um rei para cada parte, mesmo que se reúnam todos em só um canto, para juntos melhor roerem o que o trabalho alheio, o suor e a exploração ajuntaram.
Elói Alves
domingo, 19 de julho de 2015
A ÚLTIMA MORADA DA SABEDORIA
É bom ter amigos. Principalmente amigos
gentis. Eu guardo alguns e algumas em uma lista de coração, digo, de cor, que
dá no mesmo, pelo latim, uma língua considerada morta por muitos. Lembrei-me
disto a propósito de uma crônica onde um amigo achou algo que nomeou como:
Sabedoria. Agradeci a gentileza, que julgo própria daquela alma pura que
adoçou-me a vida no período da faculdade, corrido e extenuante. Não lhe pedi
mais análises filosóficas ou semânticas, nem literárias. Infelizmente, hoje a
Sabedoria não está assim tão à mão ou tão aos olhos - nesta era de miopia de
alma.
A
Sabedoria era em outro tempo muito encontradiça. Houve quem lhe contou mil
casas numa certa cidade antiga, onde repousava. Ali reunia-se com sua irmã mais
próxima, que chamava-se Prudência, guardiã da Discrição.
Além de suas casas, vivia nas de seus amigos, onde era
querida e sempre bem vinda. Em Somos, viveu um tempo grande com Pitágoras. A
pesar de evitar uma ágora onde houvessem sofistas, gostava de deixar-se pelas
praças e pelas ruas. Conta dessa época sua amizade com Diógenes – o cínico.
Sua afinidade com tais homens fez surgir os filósofos – que
eram os amigos da Sabedoria. Depois surgiram homens que não a conheciam e
chamavam a si mesmos de sábios.
Mas os impérios se fortaleceram. A Soberba e Impiedade
foram então honradas nos palácios e nas praças, condecoradas com moedas de
ouro.
E a Sabedoria exilou-se em lugares longínquos.
Contam uns manuscritos históricos, resgatados por
arqueólogos, que nos tempos da idade média, um ermitão que fugira para as
grandes florestas da Escócia ali conviveu com ela. Era uma vida impar. Grandes
cavaleiros o foram encontrar, perdendo-se pelas florestas e morrendo nelas.
Dizem que eram assassinados pela Ganância. É dessa época o desaparecimento de
muitos cavaleiros da távola redonda. Mas Ricardo Coração de Leão com seu grande
amigo Ivanhoé, quando se refugiaram naquelas florestas, no exílio pela libertação de seu povo, encontraram o ermitão.
Este lhes salvou a vida, com abundantes vinhos e carne de javali. Mas a
sabedoria - contou o ermitão aos nobres cavaleiros - morrera dias antes de
solidão e tristeza.
Meu amigo deixou-me
curioso de saber se há por aí ainda alguma pequena notícia da Sabedoria.
Quereria saber ao menos onde está sua última casa, para passar por lá, com
algumas flores, neste dia de finados.
Elói Alves
do livro Contos Humanos
Assinar:
Postagens (Atom)
Postagens populares (letrófilo 2 anos 22/6)
-
Riquíssima em possibilidades interpretativas e uma das músicas mais marcantes que retrataram as terríveis ações do regime ditatoria...
-
Entre meus cinco e doze anos morei em mais de uma dezena de casas. Como não tínhamos casa própria e éramos muito pobres, mudávamos ...
-
O Brasil não tem monarquia, já há mais de cem anos, mas tem reis, diversíssimos, inumeráveis. E como um rei não vive com pouc...
-
Falo de uma notícia velha. Há alguns meses, faz quase um ano, os jornais deram a notícia acima, não exatamente com estas palavras...
-
Teresa e o namorado tinham ido ao cinema assistir Tudo vai bem na República de Eldorado. Quando saíram do estacionamento do shoppin...
-
Há dias que me nutre uma angústia, Poros adentro, formigando sutilmente Potência se fazendo pela ausência De tudo, de nada, de mim mesmo ...
-
"Um rei, longe de proprcionar subsistência a seus súditos, tira deles a sua" Rousseau, Contrato Social Acabo de vir...
-
Confesso a você que nunca fui fã de minha sogra. No início até que tentei. Fiz vários discursos, todos retórica e politicamente corr...
-
Prefácio para o livro Contos e Causos Notariais , de Arthur Del Guércio Neto, professor e jurista O presen...
-
Dona Maria morreu numa tarde em que as flores da primavera se abriam no imenso jardim das terras que ela herdara de seus antepassados e ...