segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A CRACOLÂNDIA, EM SÃO PAULO, E A IDADE DAS TREVAS DOS HISTORIADORES

       Os grandes historiadores, pelo menos a maioria deles, gostam de atribuir à, assim chamada, Idade Média, o epíteto de “Idade das Trevas”. Entre os vários defeitos da época, que mostram seu “quadro escuro e obscuro”, estão as sujeiras das ruas da Europa medieval. Tudo bem que é comum atribuir aos europeus a preguiça com o banho frequente, cuja lição mais efetiva no tema obtiveram dos “não-civilizados” que habitavam a América que conquistaram. Mas as maiores imundícies públicas do velho continente surgiram no período da Revolução Industrial, sobretudo na Inglaterra.
      No entando, hoje em dia não ficamos para trás_ até porque é ainda muito sedutor o gosto de ser europeu e civilizado. A cidade de São Paulo está também imunda como a Europa dos historiadores. Mesmo com os carros-pipa que passam diariamente pelas ruas, com seus potentes jatos de água e com os varredores em marcha contínua pelas ruas, o horrendo cheiro de dejetos impregnam o ar da cidade.
      Além disso, a chamada população de rua aumenta mais do que previam os cálculos de Maltus, que via, abismado, o crescimento populacional de seu tempo. Há uma explosão demográfica pelas ruas. Formando-a, há gentes de todos os tipos. Desde os indivíduos isolados, acompanhados de um cachorrinho, a grupos de pessoas que montam barracas para nelas dormirem, passando pelos grupos de bebuns que formam comunidades solidárias em torno de uma garrafa de cachaça. E todos, em plena igualdade iluminista, a pedir dinheiro, a quem quer que pedrestreie, sem por o amor de Deus no meio - não é racional separar Deus dos negócios? - e apenas com a exigência de que a cessão financeira, em espécie, que não é esmola, seja acima de um real, porque, meus amigos, a inflação monetária já está nas ruas, mais forte que o vento previsto na “ marolinha” especulativa do ex-presidente discursero.
      No entanto, o problema não é respirado ainda nas “camadas mais limpas” - seja de Brasília ou de outros palácios mais próximos, e até a recente operação da polícia de São Paulo, na Cracolândia do centro da cidade, apenas fez espalhar e "socializar" pelas ruas centrais os viciados que consumiam lá as suas drogas, concentrados e atemorizando, mas se sabia pelo menos onde o perigo estava.
       -Por obséquio, alguém ai tem luz?
Zé Nefasto Perguntero



 
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Elói Alves

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

TRAGÉDIA NO NATAL

        Era natal. A cidade reluzia na beleza de todos os seus enfeites. O principal viaduto da cidade fora adornado com luzes e flores natalinas. Do fundo do vale, sob o qual passavam os carros, eregiam-se enormes eucaliptos esplendidamente iluminados, indo competir, em seu ápice, com os postes do charmoso viaduto.
       À frente do moderno edifício da Prefeitura, papai noel agigantado recebia as crianças que subiam nos trenós, onde os pais as fotografavam com as renas. As moças faziam pose para as fotos e os namorados beijavam-se embebidos da paixão e da alegria. Do outro lado do viaduto, o enorme shopping, de frente para o enorme templo da música clássica em cujo lado estava o teatro, explendoroso em sua bela arquitetura barroca, enfeitava a cidade com suas cortinas vermelhas envoltas em fitas verdes, perfiladas em suas infindáveis janelas.
       De repente, ouviu-se um barulho estranho. Algumas pessoas olhavam para baixo do viaduto. Era um infeliz que dera cabo à sua vida. Havia pouco estava absorto, perto da enorme árvore de natal. Uma criança, que corria, tropeçou em suas pernas, frias e duras, sem que o homem desse com nada. Apenas continuou parado.
Estava ali há algum tempo e na verdade andava já em outro mundo.
        Havia saído de casa fazia dias, quando leu no celular da mulher as mensagens do amante. Pegou algumas vezes na faca, mas seu filho estava sempre por perto. Saiu, então, para rua e instalou-se em um hotel no centro. Nesses dias pouco comeu e nada trabalhou. Passara horas no quarto do hotel e às vezes saia à rua, como agora, olhando o nada.
         Da árvore de natal foi caminhando em direção ao shopping. Sempre lento, como se não houvesse se movido, olhando para o infinito de si mesmo. Estacou-se, de repente, no meio do viaduto. Apaupou a mureta e mirou o longe, como se olhasse ao alto, onde a bandeira, hasteada na escuridão, dizia-lhe: "ORDEM E PROGRESSO".
         Logo voltou de si, como se tivesse saído da amargura. Levou a mão direita à camisa amassada e tirou do bolso uma foto. Beijou-a com um beijo gélido: era um menino loiro. Depois subiu a mureta e saltou para encontrar o fundo do vale.
        No mesmo instante, das janelas do shopping, um coral de crianças órfãs encheu a cidade com seu lindo canto natalino
Elói Alves


Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e doutor em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Adquirir exemplar do livro:http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

UM INGLÊS PEDINTE NO CENTRO DE SÃO PAULO

Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.
Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Alvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
-Pois, não?
-Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, Do you speak English?
-Bad (mal), respondi e ele se riu um pouco.
Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me peguntavam se falava inglês. A princípo, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta.
Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
-I don`t have money (No tenho dinheiro).
Ele deu-me o seu “thanks”, e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro, que fora casado por uns anos com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
Elói Alves do Nascimento

domingo, 4 de dezembro de 2011

OLHARES E PASSADAS PELA CIDADE

(Do livro "Sob o céu da cidade", ed. Moderna)

       Um mendigo de São Paulo resolveu adotar uma rua do Ipiranga, onde fica a minha casa, como sua. Há já mais de dois anos que por ali fica. Seja porque os vizinhos são bons para ele ou porque sente-se seguro por ali; o certo é que foi ficando e lá está, mais que muitos moradores, que saem cedo e voltam tarde à casa. Comida, água, e até algum dinheiro para o cigarro, que não lhe falta, e para a cachaça e o café no bar do seu Manoel.
       Mas às vezes o mendigo some. Uma semana inteira. Às vezes mais. Não é a saudade que marca firme a sua ausência, não serei hipócrita nem mais cristão do que sou. É certamente o descanso, o alívio de não ter a campainha sendo apertada a toda hora, a qualquer horário, da noite ou do dia, desconcentrando-me do trabalho, das leituras, das correções, de traduções ou de cuidados do corpo ou da casa, despertando-me mais cedo com o esquivo relógio da rua para ir atender à porta, dizer que ainda não se fez o café.
       Um dia, em uma andança minha, encontrei-o no centro da cidade, próximo à praça da Sé. Não me viu, parece-me. Eu ia às pressas, na outra calçada, pegando-me à Caixa Cultural. Ia ao cartório na rua 15 de Novembro; já entardecendo, próximo às quatro, firmei os passos e segui caminho. Depois, mês adiante, vi-o junto à Praça da República. Cigarro à boca, ar despreocupado, ia observando e seguindo, vagarosamente, um protesto de professores, que enfiava-se pela Barão de Itapetininga indo para os lados do Teatro Municipal. Depois dessa, que foi há mais de ano, já o vi mais vezes, perambulando pelas ruas centrais, desde o Parque Dom Pedro às ruas da Luz ou pela Avenida Ipiranga.
       Somos, pois, dois andarilhos nesta cidade. Ele talvez sem o meu estresse, sem a minha pressa, sem os meus cuidados, sem minhas vigilâncias a cada passo, livre da ditadura dos velhos ponteiros do relógio da estação da Luz, que me pedem para não demorar mais a passada. Eu, sem o seu olhar abstrato e vago, olhando firme e atento a cada instante, esquivando-me da fumaça dos que fumam nas filas com a agilidade dos pés e das mãos, reparando o estado da cidade, sentindo-me feliz e infeliz com o que sinto e vejo a cada canto, à esquerda e à direita, ao chão e nas fachadas dos prédios, fixando os olhos nos muitos números do impostômetro e correndo ao banco para não pagar juros.
         Passantes, caminhantes, corredores, passeadores e andarilhos: São Paulo é uma cidade de movimento, de movimentos intensos. Os ritmos mudam, certamente, mas o movimento não pára.
São Paulo é uma cidade de atletas. Velocistas que correm contra o tempo que lhes parece quase sempre contrário. Não só paulistanos de nascimento, mas todos que adotam a cidade para nela morar, estudar, trabalhar, negociar ou passear. Há também os paulistanos de passagem que cruzam a cidade ou passam por ela todos os dias dirigindo-se às cidades adjacentes. Também os atletas do Ibirapuera, do Museu Paulista, da USP, das academias que correm em ambientes mais adequados ou apenas caminham para o bem de sua saúde. Mas parece impossível passar pela cidade sem senti-la, absolutamente incólume.
        Há ainda os que correm nos carros ou nas motos, pelas grandes vias, pelas vias menores que servem de acesso àquelas. Pois São Paulo é uma cidade que se conecta, que se entrecruza, integrando pontos longínquos e diminuindo suas distâncias. Marginais, Elevado, avenidas, Radial, alamedas, túneis, viadutos, pontes etc, uma rede complexa de vias que proporcionam seus movimentos na diversidade inconstante de sua velocidade.
       São Paulo é uma cidade em movimento. De alma pujante, de coração pulsante, cujo tamanho, cujo trabalho e cujos desafios são sempre novos e maiores. A demanda é sempre maior, por mais e pelo melhor: mais metrô, melhor transporte. E também a demanda pelo menor como meio de solução: menos trânsito, menos poluição. A pujança e a pulsação desta alma paulistana são típicas e inconfundíveis.
       Nossa cidade não é um desafio apenas para quem a administra, até porque essa função deve ser coletiva. O compromisso com o voto e a confiança do povo a que se submete o prefeito, sua preocupação com a boa avaliação não deve ser maior que o compromisso dos moradores da cidade, por ser esta sua casa, lugar onde se desenrola sua vida, seu trabalho, onde põem e repõem suas energias. A consciência de que a qualidade de vida do cidadão passa obrigatoriamente pela qualidade da cidade é busca renovável e contínua para o citadino. Na verdade, a vida da cidade reflete o modo de ser, em todos os seus sentidos, daqueles que a habitam.
        Eu continuo andando. De metrô, de trem, de ônibus, muitas vezes lotados, de carro e a pé. Gosto muito de andar a pé. De andar e ver tudo que há na cidade. Na última Virada Cultural andei boa parte da madrugada. Foi a primeira vez que andei a pé a essas horas. Fui da feirinha de livros da biblioteca Mário de Andrade ao Páteo do Colégio no outro lado do centro velho, que era o espaço da música clássica, parando em vários palcos para ver a arte em sua diversidade. Na era do orkut, do MSN e do facebook, fui reencontrar no Vale do Anhangabau, entre os milhares de espectadores do Stand up comedy, amigos da faculdade que já não via a tempo, sem termos marcado nada. A arte estava em toda parte. E para mim, o vai e vem das pessoas era parte de tudo, era parte da arte, se não já o fosse. A cidade repelia sua suposta existência autônoma, indo exatamente no ritmo das pessoas, no clima de seus habitantes.
       Em abril passado me ocorreu um convite sui generis na Praça Ramos de Azevedo, onde existiu o Mappim. Enquanto cruzava a praça, entrando pela Xavier de Toledo, em direção ao restaurante de um chinês barateiro, onde sempre como, vi um movimento mais ou menos organizado na escadaria do teatro. Um pouco mais de cinquenta pessoas, vestidas com camisetas amarelas, com faixas e cartazes, ouviam um homem que falava através de um microfone sem potência, alguns degraus acima. Era já noite, umas nove horas, e na correria do dia só fui lembrar ali que era o dia do nascimento de Monteiro Lobato, o dezoito de Abril. “Pena”, pensei, “isto me escapara”. Entrei no meio do grupo e ouvi .que falava da literatura infantil, do Sítio do pica pau amarelo e depois das atividades de Lobato na Velha Academia do Largo de São Francisco .e resolvi perguntar para o rapaz do panfleto se era algum professor. Não era! O homem era um guia turístico, liderava um grupo de pessoas que andava pelo centro, visitando lugares famosos e prédios históricos. Dali iriam a biblioteca Monteiro Lobato. Passeio turístico pelo centro de São Paulo? Fiquei pensativo, mas lembrei do restaurante do chinês e rejeitei o convite, prometendo ir ao próximo encontro .
       Não fui ao próximo, nem os vi mais em parte alguma da cidade depois disto. Continuei fazendo minhas andanças quase sempre solitárias e sem planejamento prévio. Ontem mesmo tive que ir à galeria do Conjunto Nacional. Saindo de lá, lembrei-me de que era sábado, e sendo já final de tarde convinha-me dar cordas às pernas. Dei-lhes cordas, e imagina quais foram que quando dei por mim já havia andado metade da Avenida Paulista, passado pelo Masp e ia cruzando a Brigadeiro. Bom, estando ali, agora era esticar até o Centro Cultural São Paulo, que fica na estação Vergueiro. Bem, para hoje não tenho nada programado, mas deixa eu ir à porta, que estão tocando a campainha.

Elói Alves
(Esta crônica foi uma das vencedoras do concurso literário Valeu Professor 2011, da Prefeitura de São Paulo)

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira:
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O MENINO QUE NÃO CONSEGUIA ATRAVESSAR A AVENIDA

     Genoveva tinha acordado com a pá virada, como ela mesma dizia. Na verdade andava mais amarga do que de costume. Às sete horas pegou o menino que não se animava a passar pela porta e deu lhe um puxão para fora.
      -Vamos, traste, senão você perde a hora da escola!
     A casa ficava a dez minutos da escola, e eles estavam bem dentro do horário; mas a mãe tinha pressa para tocar a vida.
O cachorro como sempre esperou que dobrassem a esquina, com medo de ser enxotado pela dona, e só depois se decidiu a sair às carreiras pela estreita viela. Na calçada da avenida, Genoveva puxou mais firme a mão do menino, para que ele não tardarsse mais o caminho, esperando parado na faixa. O cachorro, que se aproximava, percebeu o carro que vinha já perto e sentou-se a esperar que passasse. Mas o carro parou, com o sinal que fechava, e o cachorro levantou-se agora sem pressa.
      Do outro lado, Genoveva continuava a puxar pela mão do menino, que parecia agora um pano levado ao vento. Nunca se animava a atravessar aquela avenida, e a mãe o vencia empregando o seu jeito. Nos primeiros dias de aula, ele marchava para escola contente; mas desde o dia em que vira aquele acidente não tinha mais ânimo para transpor a travessia, por isso a mãe o fazia seguir à força.
       A rua da escola estava cheia de gente. Alguns carros passavam devagar, levando outros alunos. Uma perua escolar parou antes de vencer a lombada, esperando passar uns meninos que atravessaram na frente. A rua estava toda azul com o uniforme que vestiam os alunos. Naquele friozinho da manhã, a camiseta branca escondia-se sob a blusa fechada com zíper. Algumas crianças traziam cores diferentes na toca, fazendo-se destoar à cabeça. Genoveva aproveitou a passagem deixada pelo carro e foi levar o menino lá dentro. Com o filho entrando, ela estaria livre para o trabalho.
Na tarde desse dia a mãe não apareceu ao portão para buscar o menino. Tinha ligado explicando o problema na fábrica de roupas e que fizessem o favor de deixá-lo na casa da avó, que só a custo saia à rua, por causa das escadas. Tia Maria, que servia a merenda, pegou-lhe pelo braço franzino. Ele sentiu uma leveza meiga naquela mão calejada e deixou-se levar sem dizer palavras.
      A avenida estava a essa hora mais movimentada. Carros circulavam pelas duas mãos e alguns ciclistas iam pedalando pelas suas margens. Na calçada, crianças e adultos fabricavam um burburinho bastante sonoro. Tia Maria andava agora com uns passos frouxos, gozando a liberdade da rua depois do estafante trabalho na apertada cantina, tendo que ouvir ainda tanto grito da criançada. E o menino não dava por nada. Vinha apontando as guias e balbuciando números. Às vezes chegava aos cem, mas logo perdia algum número ou esquecia uma guia. Voltava então ao zero, como se fosse o próximo algarismo. E continuava a contagem sempre.
       De repente percebeu que tinham parado e ele voltou de si com surpresa. Estavam parados na faixa. Era a travessia da avenida. O menino sentiu a mão quente que o segurava. O sinal abriu e algumas pessoas se adiantaram. Tia Maria percebeu que o menino não vinha. Deu ainda o segundo passo e virou para insistir que atravessassem, mas o menino escapou-lhe da mão correndo de volta pela calçada.
      Não havia meios. Nem gritos nem gestos adiantavam. A sua voz rouca e cansada não chegava aos ouvidos do menino. Logo ele tinha sumido de suas vistas, dobrando pelo caminho que ia em direção à escola. Tia Maria fez o caminho de volta. Parou ainda a perguntar se o tinham visto na esquina. O segurança o vira ao portão, correndo de volta à escola. Certamente esquecia alguma coisa. Não era esquecimento de algo. Estava sentado a um canto do pátio, tremendo e chorando. Mas ninguém entendeu nada e menos ainda o menino explicava. Era forçoso esperar pela mãe para levá-lo para casa.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
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Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

AS PRAGAS DA IGREJA E DA CIVILIZAÇÃO

Em nome de Deus e de El Rei, espanhois e portugueses, entre conquistadores e missionários jesuítas, saíram dos mares nas costas do Brasil para submeter os silvícolas à civilização e salvar suas almas do pecado. Esse povo pecador, que andava sem roupa, que vivia no regime da vadiagem, pescando e caçando, nadando e amando-se em redes balançadas pelo vento, recebeu espantado aquele povo “amigo” que subia do mar, como deuses, trazendo presentes em forma de caixinhas, onde podiam se ver, mais nítido que nas profundezas das límpidas águas dos seus rios e dos mares, onde nadavam e navegavam em canoas de tábua.
Eram feios, todavia! Traziam as roupas sujas e a pele manchada pelas doenças dos navios. Contavam que muitos haviam morrido em caminho, sugados pelos escorbutos, e entregues a Deus, primeiramente, e logo às águas fúnebres.
Depois dos banhos e de lavarem-se os vestidos, melhorou-lhes a aparência e tornou-se mais agradável o cheiro. Aos silvícolas, apesar de estranhos nos costumes, não se podia negar-lhes o esplendor da beleza. A altura, a cor, a pele, a agiliddae, a saúde. Mas eram, ainda assim, selvagens cujo maior bem que se lhes podia fazer era-lhes salvar as almas da promiscuidade, mais vil, mais adâmica, mais anticristã.
Depois de uns tempos, a amizade arrefeceu-se. Os índios não eram amigos de dominação. Viviam sua liberdade, sem ajuntar, nem guardar para o amanhã. Não se encaixavam no regime da racionalização colonial, nem da desciplina de uma vida atribulada na terra para ganhar um dia o paraíso. O paraiso era, para eles, a liberdade das matas, onde soava amigo o canto dos pássaros, dos rios transparentes, da bravura e do amor livre.
Muitos deles morreram em combate travado, em disputa desigual, entre a flecha e o canhão, entre o arco e as armas de fogo. No duelo das táticas tribais dos silvícolas e a experiência dos conquistadores, acumuladas em tantas cruzadas e dominações pelo oriente, exterminaram-se aquelas.
Do trabalho racional e organizado da colonização para fragmentação e divisão das tribos houve efeitos vários: Muitos fugiram para o mais fundo interior das matas, que é hoje a Amazônia; outros, desiludidos de sua braveza e orgulho, entregaram se à morte, estendidos em suas redes, do modo que só os indígenas o sabiam fazer; o resto, ocioso e perdido, tornou-se presa fácil, do ardil missionário, do poder dos colonos ou do encanto das novas bugigangas europeias.
Desses, alguns indígenas passaram a servir como remadores pelos rios que conheciam bem, como guias pelas matas onde nasceram e viveram seus pais, ou viraram arqueiros na luta contra franceses, holandeses e contra os Tapuias, índios que jamais aceitaram quaisquer pactos ou tipos de dominação. Outros se integraram nas missões jesuíticas, produzindo bens para a empresa de Deus, comandada pelos padres, cujo trabalho era mediar entre o índio e o colono. Muitas índias serviram como braço e pernas para o cultivo e para o divertimento inigualável dos brancos e para “encher e multiplicar” a nova terra, vindo daí os mamelucos, legítimos brasileiros, do cruzamento das filhas da terra com o europeu invasor.
Mas a tarefa de salvar era mais árdua que a de dominar_ seria mais fácil dominar o bravo e selvagem tapuia, comedor de gentes, que salvar sua alma ou domar sua mente. Os jesuítas reuniram, para isso, os índios dispersos de suas antigas tribos em missões, que eram as reduções. Mas os sacerdotes jesuítas não puderam salvá-los desse mdo: reunidos aos milhares, os indígenas foram vitimados por epidemias causadas por doenças trazidas nos corpos dos europeus, contra as quais o inocente organismo dos índios não possuia imunidade alguma. Morreram mais de suas pragas que dos canhões ou da exploração colonial. Na Bahia do século XVI, “uma só epidemia matou 40 mil índios”, reunidos pelos jesuítas com intuito de salvar suas almas (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, 52).
A autoridade da civilização, porém, representada pela Igreja e pela Coroa, não permitiu aos eurpeus nenhum aprendizado nos contatos com os novos povos. O confronto genocida e etnocida exterminou diversas culturas e várias raças. A igreja só enxergou o pecado, de que era forçoso livrar, e o colono só achou vadios, que era preciso integrar no mundo da produção e do consumo. A beleza, a arte, a sociedade sem classes, a simplicidade e solidariedade, o amor ao seu modo, a liberdade sem extravios, a integração à natureza e a suprema lição da higiene e do banho, nada pode aprender o europeu.
Hoje Espanha e Portugal se diminuem cada vez mais no mundo. Portugal, considerado por outros europeus como um pequeno quintal do já minúsculo continente da Europa, vive terrível crise econômica. Igualmente se afunda a Espanha: longe de uma Alemanha, que lidera largamente, mesmo destruída em duas grandes guerras eurocidas, os espanhois, soberbos outrora, possuem apenas, como seu parceiro ibérico, apenas um passado de histórias e de riquezas mal conduzidas, como também a igreja há muito já não domina, como antes, as condutas e as consciências.

Elói Alves do Nascimento

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

JÚRI POPULAR ABSOLVE PM NO CASO DO MENINO ASSASSINADO NO RIO

Ex-PM acusado de matar menino João Roberto é absolvido no Rio nesta noite de 5ª feira. Elias Gonçalves acusou outro ex-policial e se disse inocente.
Em 2008, o garoto de 3 anos foi morto a tiros dentro do carro que era conduzido pela mãe. Ela parou o carro para dar passagem aos policiais. Neste momento o carro foi alvejado por tiros, vinte e um (21) tiros atingiram o carro, três alvejaram o menino.
A decisão foi dada pelo júri popular, em sessão iniciada nesta tarde.
João Roberto foi morto a tiros dentro do carro em que estava com a mãe, na Tijuca, Zona Norte do Rio. A Promotoria afirma que os tiros partiram dos policias envolvidos no caso. O ex-PM absolvido disse no julgamento que os disparos foram feitos por um outro policial. O tribunal do Júri sempre foi um desejo e uma esperança para as pessoas comuns diante de crimes de homicídios que envolviam policiais e eram julgados pelos Tribunais Militares, onde eram constantemente absolvidos ou pegavam penas brandas ou advertências. Esta decisão de um júri popular vai contra essa esperança. Nos tribunais militares as cartas estavam marcadas, mas não causavam surpresas. O Estado reconheceu o erro de seus policiais indenizando a família do menino assassinado. Mas o dinheiro público é modo de penalizar a sociedade duas vezes. A indenização de crimes cometidos por indivíduos deveria sair do próprio bolso deles e suas famílias. Esse caso de algum modo põe em dúvida a capacidade da sociedade brasileira de repensar soluções eficazes para suas mazelas. Pode ser que alguém vá abraçar Copacabana vestido com uma camisetinha branca.
Elói Alves do Nascimento

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

HEFESTO, O DEUS DO FOGO, E OS DILEMAS DO HOMEM E O MUNDO MODERNO

Alguém já disse que, se vivesse na antiguidade e tivesse que louvar a um dos deuses antigos, louvaria a Hefesto: o deus do fogo. Hefesto é hoje inconsciente e constantemente invocado como único meio de purificar amplamente o homem. O velho pacto incluiu a purificação da espécie humana pela água, mas o dilúvio foi logo rejeitado como meio satisfatório e eficaz. Sodoma e Gomorra surgiram depois, e o meio de depuração da corrupção dessas cidades foi sabidamente hefestiano. O dilúvio assusta mas não causa mudança. A inundação de Nova Orleans assustou certamente, mas não levou os americanos a um comportamento muito melhor diante da situação ambiental. Mesmo a premiada pregação de All Gore, em sua "Verdade Inconveniente", vinda depois, ecoou no vazio; nem o autor poderia, como se pertencesse à linhagem de um João Batista, oferecer a cabeça por sua verdade. Uma das destrezas de Hefesto está no seu poder de eliminação da memória, e o homem moderno tem prezado esse esquecimento. Os Estados Unidos têm horror particular pela história, mas esse atributo está disseminado na humanidade. Uma humanidade cada vez mais fragmentada, centrada no imediato.
A idéia de que o tempo é cada vez mais escasso e precioso inclui a objetividade que impõe a superficialidade e rapidez no quotidiano. Mesmo num curso de literatura, muita gente se assusta quando um grupo de jovens aparentemente lúcidos e inteligentes resolve se dedicar ao estudo do latim. Não é preciso dizer que o número deles é sempre reduzido e sempre redutível ainda. Além de um saber impenetrável para quase a totalidade dos homens de hoje, a língua latina é considerada morta. Como as chamas de Hefesto que não se contentam e não podem ser saciadas, o homem moderno aspira à condição e a qualidades totalizantes de um ser divino, através do domínio da razão. Assim ele adquiriu aquela insaciedade eterna e, não sendo de fato um deus, sentou-se à mesa do consumismo para saciar o seu vazio com coisas vazias. Esse vazio é o vazio da própria existência na vida moderna.
Entre as inquietudes do homem, entre os dilemas de dor e prazer do dia-a-dia, surge a questão da finitude da vida humana. E não é nova a idéia de se estender a vida para a eternidade, que expressa o desejo de imortalidade. De fato o homem sempre almejou ampliar os seus dias. O anseio de uma vida eterna já aparecia na antiguidade. Viver apenas algumas décadas nunca pareceu o suficiente. Certos autores da Antiguidade Clássica se propuseram a imortalidade pela produção de grandes obras, obras que seriam capazes de vencer o próprio tempo. Igualmente na versão do Gênesis, a assustadora longevidade dos primeiros homens aponta para o fantástico...(...)
Este texto tem um pouco mais de dez páginas e continua no link "OS DILEMAS DO HOMEM E O MUNDO - ENSAIO CRÍTICO, que encontra-se na parte superior deste blog, ou colando este link: http://realcomarte.blogspot.com/p/os-dilemas-do-homem-e-o-mundo-ensaio.html

Elói Alves do Nascimento

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