segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

UM INGLÊS PEDINTE NO CENTRO DE SÃO PAULO

Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.
Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Alvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
-Pois, não?
-Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, Do you speak English?
-Bad (mal), respondi e ele se riu um pouco.
Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me peguntavam se falava inglês. A princípo, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta.
Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
-I don`t have money (No tenho dinheiro).
Ele deu-me o seu “thanks”, e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro, que fora casado por uns anos com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
Elói Alves do Nascimento

3 comentários:

  1. Usou certa a palavra "Ascendi" ao tratar de sua função na adolescência nobre amigo, por que através destas ricas experiências construistes sua bela formação intelectual e emocional!
    Quanto ao mendigo ingles, muito provavelmente eu teria dado minhas moedas a ele, por não lhe saber dar a negativa, teria que usar todo o meu recurso de conhecimento da língua: lhe diria... ok! rs
    Parabéns pela crônica!

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  2. Está entre aspas, amiga Ira. Era vida de muita luta e..., mas era uma ascensão de algum modo; ia me dando alguma consciência do mundo. Obrigado, Ira! Ah, Ira, ex-marido da mulher da agência era inglês, poderia até ser esse, quem pode duvidar do elevador da vida capitalista...? abraço

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  3. Emocionou-me sua resposta! Quem o pode garantir mesmo! Admiro tua sensibilidade, a mesma que o faz um escritor, em minha concepção "ímpar"
    Abraço fraterno amigo/irmão.

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