terça-feira, 17 de junho de 2014

A CONDIÇÃO DE UM MORIBUNDO


Hoje fui ver o vizinho moribundo

Não sei se me notou

Entrei no quarto sozinho

Olhei-o por um tempo

Para ele talvez um tempo inútil

Para mim uma eternidade triste e impotente


Perguntei como se sentia

Não disse nada

Os olhos embranquecidos e aguados

A cabeça imóvel virada para o teto

Pode ser que não se sentisse

E sequer pudesse me ouvir


Aproximei mais e apalpei-o de leve

Apertei-o

Estava duro como cimento envelhecido

A pele gasta e ressequida cobria-lhe os ossos salientes



Depois de uma contemplação extensa

Me virei e sai calado

Era a extensão de minha comunicação com ele


Na saída, que dava para uma viela suja e estreita

Tropecei e pisei o rabo de um vira-lata que fugiu

Na rua uma algazarra febril festejava um jogo

Entrei em casa ainda roendo o meu silêncio frio
 
Elói Alves


Primeiro capítulo do romance As pílulas do santo Cristo:


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