Hoje fui ver o vizinho moribundo
Não
sei se me notou
Entrei no
quarto sozinho
Olhei-o
por um tempo
Para ele
talvez um tempo inútil
Para mim
uma eternidade triste e impotente
Perguntei como se sentia
Não
disse nada
Os olhos
embranquecidos e aguados
A cabeça
imóvel virada para o teto
Pode ser
que não se sentisse
E sequer
pudesse me ouvir
Aproximei
mais e apalpei-o de leve
Apertei-o
Estava
duro como cimento envelhecido
A pele
gasta e ressequida cobria-lhe os ossos salientes
Depois de
uma contemplação extensa
Me virei e
sai calado
Era a
extensão de minha comunicação com ele
Na saída,
que dava para uma viela suja e estreita
Tropecei e
pisei o rabo de um vira-lata que fugiu
Na rua uma
algazarra febril festejava um jogo
Entrei em
casa ainda roendo o meu silêncio frio
Elói Alves
Primeiro capítulo do romance As pílulas do santo Cristo:
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