sábado, 16 de fevereiro de 2013

O CHINÊS, O CARIOCA E UM ACREANO NA PAULICEIA DEGRADADA

       Almoçando no chinês barateiro – que referi em Sob o ceu da cidade – observei um movimento de ir-e-vir de duplas policiais. Estranhei.
       -Estão policiando o calçadão da São João?
       O moço Faz-tudo do restaurante terminou de me servir e foi à porta.
       -Estão procurando mercadorias de camelô para prender - disse-me com um sorrizinho maroto.
       Terminei o almoço e desci o calçadão, cortando pelo Vale do Anhangabaú. Nada de novo debaixo deste cinzento céu paulistano. Forravam o imenso vale bêbados e drogados, contorcendo-se pelo chão como minhocas urbanas. Lá e cá, fumegavam o cheiro de droga mesclado a outras excrementícies. Além dos assaltos aos passantes com que já vou me habituando, aos vizinhos de prédio e conhecidos, deparo-me com os pedintes de um real, “para a comida”, que vão logo almoçar nos restaurantes gratuitos da Prefeitura ou comer a sopa das ONGs, guardando devidamente o dinheiro dos traficantes, que não gratuitizam seus produtos.
       Em casa, tomo meu café quando o Márcio bate à porta. O carioca se diz ladrilheiro, mas está a reformar todo meu apartamento, redefinindo espaços e modernizando tubos, exceto a elétrica, que deixa para o gentil e culto sogro acreano e me diz rindo:
       -Com fio eu me borro.
       Pego a marreta enquanto ele suga seu trigésimo cigarro com a cara branca de pó da maquita. Quebro com o ponteiro, marreteando nas partes mais fáceis e deixo o concreto denso para ele.
        -Aqui no centro você não consegue ajudante - me diz, livrando-se da bituca. Acham que lucram muito mais perambulando atoa pela ruas.
Eloi Alves
 
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
 
 

8 comentários:

  1. Quisera esta sua narrativa fosse apenas obra de um aguçado autor de ficção! mas não! este é o retrato deprimente de nossos tempos.
    Ainda assim, dou-lhe todos os méritos pelo seu literalismo!

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    1. Verdade Ira
      Quem dera fosse apenas ficção.
      Esta obra é a descrita completa de fatos que conhecemos bem...
      Elis

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    2. Muitíssimo grato, queridas Ira e Elisabeth, abraços, amigas e atentíssimas leitoras

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    3. Muitíssimo grato, querida Ira por sua preciosa leitura e atento comentário, amiga!

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  2. Eloi
    Parabéns pelo riquíssimo texto, sempre surpreendente.
    É tão conhecida esta situação, não aceitar o trabalho por acreditar que o pagamento é baixo, comos e andar a nada fazer seja algo de maior lucro...
    Elisabeth

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  3. Os cenários usados em suas narrativas são na maioria a cidade de São Paulo,uma cidade que exerce uma influência nacional e internacional,no entanto,os problemas acompanhados nos noticiários e os mencionados na sua narrativa,tornam-se comuns em outras cidades de estados bem menores.A falta de emprego é um problema que a maio
    ria das cidades enfrenta,mas a falta dos que não querem se ocupar tem crescido assustadoramente,ocupam sim as ruas fazendo delas palco de cenas degradantes que somos obrigados a presenciar a todo custo.Quem sabe não seria o caso
    de importar uma mão-de-obra para o ramo,Elói!Abraços ,amigo!

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    1. Muito grato, MArilene, por sua leitura e lúcido comentário, amiga!

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  4. A propósito Marilene Ribeiro, tem crescido assustadoramente os desocupado e em sua grande maioria jovens! Recentemente fui à Brasilândia para uma apresentação no CEU e deparei-me com centenas deles em plema tarde (14h00) preocupante

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