segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

SOBRE O ENGANO DOS DADOS

         Numa universidade, cujos números colocam, hoje, como a primeira da América Latina, um professor doutor já próximo da aposentadoria compulsória intercalou às historietas com que preenchia suas aulas noturnas de Fonética a explicação de que “não trabalhava em cima dos dados, e sim com estes à sua frente. Isso mostra um pouco da nossa idolatria pelos dados estatísticos.
        A esse modo, os políticos e seus tecnocratas afirmam todos os dias que o “número de homicídios caiu”, que o índices de mortos nas estradas tendem a reduzir-se” e que ''os cálculos mostram que a economia tem crescido e a curva no gráfico evidenciam a tendência de melhorias para o setor X ou Y.
       Independentemente dos critérios e interpretações que cada um tem em relação aos dados que utiliza - além dos interesses intrínsecos - esses instrumentos não podem medir a realidade da vida das pessoas, porque não podem penetrá-la. Os Governos e seus técnicos não podem ainda medir sua própria incapacidade e ignorância e mesmo sua irresponsabilidade, pois estas são já imensuráveis e restam-lhes apenas o recurso da força retórica dos dados, que impressiona profundamente uma sociedade fragilizada, ingênua e romanticamente incapaz de quaisquer tipos de reflexão sobre seus problemas históricos e culturais que lhe faça enxergar e superar seus vícios estruturais e suas fragilidades sistêmicas.
       Os dados colocam hoje este país entre as economias mais prósperas do planeta e é, ao mesmo tempo, incapaz de quantificar e iluminar nossa profunda miséria real: a ignorância cultural da classe política, da perigosa fragilidade das instituições do Estado e o estado mórbido do organismo social impossibilitado de reagir ao seu coma cultural e cívico, sua morbidez racional.
      Os dados jogados na mesa dos intelectuais e dos tecnocratas políticos, à frente ou em cima dos quais trabalham, fazem-me apenas lembrar dos dados jogados pelos videntes da sorte alheia que espalham-se pelo Viaduto do Chá ou atendem em lugares mais cultuados pelo grande número de freqüentadores.
Elói Alves
 
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
 

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