quinta-feira, 28 de março de 2013

O BRASIL, OS BRICS E A BRECA

       As desigualdades econômicas têm aumentado entre os países nas últimas décadas, apontando para questões problemáticas na estrutura do modelo econômico da atual ordem mundial. E a mesma desigualdade se verifica internamente, praticamente em todos os paises no estágio atual da economia global. Mesmo os paises que há algumas décadas atrás contribuiram para uma sociedade nacional economicamente mais igualitária, como aqueles que sustentavam uma política de bem estar social ( Welfare state)numa pequenina parte da Europa, já tiveram esses modelos modificados e substituídos.
       O caso do Brasil é curioso: um país de PIB (Produto Interno Bruto) absoluto enorme, que esteve nas últimas décadas sempre entre as quinze economias mais produtivas, mas que apresenta muitas incoerências e enganos, se olhados apenas os dados considerados positivos e explorados pela propaganda politica.
De uma outra ótica, quando se observa a renda “per capta”, que aponta para a má distribuição de renda do país, o baixíssimo nível de desenvolvimento humano (IDH), confirmado por diversos organismos internacionais, as consideráveis deficiências dos serviços públicos básicos, a má formação educacional da ampla maioria das pessoas etc, verifica-se como é contraditório o discurso segundo o qual o Brasil está a caminho de ocupar um lugar entre as nações ricas e desenvolvidas.
        A grande questão está na profundidade do problema, o qual, como apontara Celso Furtado, está na estrutura da formação histórica da economia do país, no tipo de “Formação Econômica do Brasil”. Desse modo, verifica-se, para corroborá-la, a produção econômica nacional liderada por produtos do gêneros das “commodities”, por produtos primários, cujos mercados o governo esforça-se para ampliar através de diversas parcerias e acordos pelo mundo, seja em bloco, seja em organismos internacionais ou bilateralmente, que é uma alternativa que lhe cabe assegurar, já que não possui meios de competir em outros setores mais vantajosos.
       Outro problema é a instabilidade do crescimento econômico brasileiro ao longo das últimas décadas (o atual é praticamente nulo), além do gravíssimo problema da volta da inflação que está às portas trazendo à memória os tempos terríveis da híper inflação. Ao contrário da China, que tem crescido de forma linear e praticamente estável nos últimos trinta anos, os demais países dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul, inserida depois) não demonstram o mesmo tipo de crescimento histórico. Além disso, as perspectivas de que, segundo vários analistas como os economistas da Goldman & Sachs, os países desse grupo iriam liderar a economia e ocupar os lugares dos países desenvolvidos por volta de 2040 são bastante duvidosas a partir de uma análise das estruturas internas dessas mesmas economias.
       Exceto a Rússia com algumas peculiaridades, todos os demais membros dos BRICs apresentam enormes dificuldades estrtuturais em suas economias, no âmbito interno. Índia, Brasil e China são países praticamente continentais, de enormes populações que vivem à margem de seu crescimento econômico; a África do Sul é um Brasil piorado, como nos motraram seus gravíssimos problemas sociais durante a copa do mundo que realizaram. Ou seja, nesses países a riqueza não engloba o povo, cujos integrantes, em muitos casos, estão jogados à miséria, à breca, e mesmo a classe média vive uma vida descuidada de uma boa educação, excluídas de uma interatividade profunda com a cultura, sem consciência cívica, carente de adequado sistema de saúde pública e desprovida de uma ampla consciência dos fundamentos históricos de seus problemas mais básicos e mais rudimentares. Por outros termos: estão todos a mercê dos chamados ciclos econômicos, que amenizam, para os de cima, os efeitos das crises, cada vez mais sérias, e propocianam poder e riqueza a uns e, no outro extremo, medo, miséria e submissão aos demais.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria cujo lançamento será dia 27/11, no Restaurante Rose Velt, pça Roosevelt, 124, das 19:00 às 21:30 h.:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

quarta-feira, 27 de março de 2013

O BATE-E-ASSOPRA DOS PREÇOS DO GOVERNO

        Quando me mudei, há cerca de um ano, para minha atual casa, um pequeno apartamento no centro cidade, minhas contas de luz vinham com o valor de R$ 19, .. R$ 20, .. R$21, .. Explico que moro sozinho, trabalho fora e fora como a maioria das vezes, além usar roupas que dispensam o ferro, por pouco apego a este e fazer pouco uso de máquinas elétricas. Quando a conta trazia fixado um valor inferior a R$ 20, .., determinava-se também, nela, que só fosse paga no mês seguinte, e que o "sr. caixa fizesse o favor de não a receber.
           Mas passados alguns meses o valor das contas alterou-se, para mais. Óbvio? R$ 25,.., R$ 26,.. por aí foram as últimas.
               Estranhei, naturalmente, mas como não entendo a cabeça nem as contas dos economistas do governo, nem as economias dos governos, paguei as contas, porque não queria viver em trevas maiores que as próprias de nossa época.
           No entanto, amigos, eis que recebo neste mês a conta nos valores fixados pelos R$ 23,.. e, essa generosa redução, atribuem ao governo. Será que é mesmo uma redução em relação aos R$1 9,... e R$ 20,.. anteriores de um ano atrás? Lembrando que - parecendo pouco - de dezenove para vinte e seis vão, por baixo, uns 30%, absolutamnete acima de qualquer índice de inflação atual, mesmo sabendo que essa execrável doença antiga vem se reerguendo e cheira-me mais uma tremenda infração, sem falar nas danificações de aparelhos elétricos devido aos apagões contínuos em todo o país, inclusive em Brasília, e as abruptas interrupções de  energia devido as chuvas.
             Isto me lembrou uma velha tática do "bate e assopra". Em vários setores das diversas administrações públicas é comum a existência de uma burocracia infernal para se fazer qualquer coisa dentro da legalidade. Impostos, taxas, tarifas, papeis, vistorias, assinaturas, comprovantes e a coisa não sai do lugar em anos. Mas logo aparece alguém com o poder de dar um "arranjinho" com alguma contribuição por fora e logo tudo se ajeita e passa a funcionar, mesmo que não haja condições e segurança para clientes ou usuaários de serviços.
            A isso chamam também, oficiosamente, de criar burocracia para vender facilidade e, no caso de se baixar preços antes absurdamente majorados, passa-se, para o público, como o grande benfeitor (a) da nacionalidade.
Elói Alves

Leia o prefácio do romance "As pílulas do Santo Cristo" de Elói Alves
Primeito capítulo:
Segundo Capítulo

 
 
 
 
 
 
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

ALÉM DO LIMITE: tortura e sadismo em "Escaras", de Edu Moreira

(Escrevi este ensaio a convite do escritor Edu Moreira, para Escaras, seu novo livro, cujo prefácio é de LIndolfo Nascimento)





1



         Eis-nos diante de um novo livro de Edu Moreira: Escaras. Nele, sua pena esquiva-se do sublime e do belo e escorrega, via reversa, pelo tortuoso e pelo grotesco, sangrando, letra a letra, os horrores de uma sociedade dilacerada por turbilhões de sensações negativas, onde, em sua representação, a tortura alça-se a graus terríveis de racionalização doentia, onde as cores de uma beleza ternamente humana se torna opaca e monótona.
          Ao iniciar a leitura percebemos um leve incômodo que perde-se na caracterização e em sua configuração apenas iniciais e que se remetem a infinitas possibilidades entre os desajustes sociais e psíquicos dos homens de nosso tempo. Logo a coceira amplia-se e, num átimo, forma-se ante os olhos do leitor essa chaga horripilante – escara - difícil de fixar sem arredar alguma vez os olhos.

2
 
 
          Há algum tempo, notadamente nos meandros da literatura moderna, as narrativas mais agudas têm se declinado a buscar no cotiano algo menos momentâneo e fugaz da vida dos homens, que aponte para o essencial em sua existência. Neste sentido, elas desviaram-se das grandiosidades dos heróis homéricos, do aspecto épico e elevado daqueles heróis antigos, superiores a nós, como lemos nas poéticas clássicas, para penetrar na baixeza de seus homens, em sua dignidade simples, menos nos elementos soltos de uma heroicidade eventual ou (e) forjada e mais na cotidianidade das fraquezas e fracassos humanos – sejam quais forem suas estaturas e classes sociais. Já em Cervantes temos um Quixote andarilho e aventureiro e, por aqui, um Brás Cubas rico materialmente, mas completamente desprovido de espírito, cuja consciência tenaz e corrosiva só lhe aparece nas memórias de um “defunto autor”, isto é, só lhe é possível com a morte.

3

         Mas “o sentimento do mundo” em Edu - parafraseando Drummond – não se associa às sátiras de Cervantes e de Machado de Assis. O fidalgo ensandecido e o burguês vazio compõem estilos que compreendem a crítica pelo viés do riso, da ironia na própria estrutura de seu realismo. Em Escaras, a essência do real não se nos chega por meio de um riso contestador nem se utiliza da desconstrução pelo humor. A narrativa pede nervos de aço ao leitor a cada passo em que se descortina, ao mesmo tempo em que este não quer adiá-la, de olhos atentos na decomposição contínua de um morto-vivo. Em Escaras, mesmo o lado poético de Moreira aparece enxuto e completamente alheio a quaisquer aspectos que se remetam ao piegas e a sentimentalidades medianas.
         A junção do verso e da prosa com a qual o autor tece sua Libélula pré-histórica, a segunda narrativa que compõe o livro, remete-nos à antiga sátira menipeia, com seu gênero híbrido, que se originou com os antigos gregos, com Luciano de Samósata, antecedido por Menipo, e foi depois à Roma de Juvenal e de Sêneca, com sua monumental Apocoloquintose do divino Cláudio, cujos versos, tão perfeitamente metrificados, com seus hexâmetros datílicos, jâmbicos e metros líricos, mesclam-se à sua prosa hibridamente jocosa e, acidamente, crítica, e dos quais se formou a conhecida tradição luciânica, com satiristas da grandeza de um Erasmo, de um Voltaire de um Suift e entre os quais se inclui o nosso autor de Memórias póstumas de Brás Cucas e do Alienista.
        Mas em Edu, o tom, a perspectiva desviam-se por um caminho reverso do viés corrosivo daqueles antigos, sem o seu humor satírico e cáustico, passando distante do riso pedagógico tão presente nas sátiras romanas. Aliás, em Edu acha-se menos o humor, menos o elemento cômico disciplinador, e muito mais o trágico, por assim dizer, naturalizado em seu realismo.


4

 
         Na segunda parte do livro, na narrativa da “Libélula...”, surge um EU que se debate, exercendo o seu jus sperniandi. Este Eu se afigura apenas por seu estado de ânimo, mas sem vida plena, sem outra perspectiva senão de expor-se flagelado e fragmentariamente diante de um moribundo que não pode julgá-lo nem fraternizar-se com estes restos de vida impotente, expelidos como vômito.
       Na incontida efervescência da enorme cidade, a subjetividade também se arrefece e se apaga, em meio a massa que se forma, grossa e grotesca, compondo um quadro terrível com o concreto insensível e soberano que encurta todos os horizontes, numa mesma paralisia que engloba a montoeira infinita de carros aprisionados nas ruas irrespiráveis, onde os homens permanecem enlatados. A própria cidade, o locus existencial dos citadinos, é já uma grande lata onde a carga de homens se ajeita, tomando uma forma humanamente deformada.

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Suas personagens também são sintéticas em seus caracteres humanos. A densidade, quando se nos mostra, está na desumanização verificada na barbárie, tantas vezes reiterada na história dos homens, em sua luta pela conquista e manutenção do poder – como tão bem mostrou Maquiavel – e que se acentuou tão gravemente na “Era dos extremos”, termo cunhado pelo extraordinário historiador Eric Hobsbawm, que há pouco nos deixou.
        No entanto, essas personagens não se filiam às fileiras dos tipos, não são caricatas, tão-pouco se lhes podem impingir a falta de atributos de um títere. O que lhes falta é a diversidade positiva de uma vida plenamente humana, visto que são existências marcadas e afetadas por uma época, pertencentes a um espaço, onde essas virtudes rareiam, deixando explodir o vício, penetrando a negatividade na própria estrutura da vida, onde a existência despe-se do sublime, do simbólico, para incorporar a insipidez e naturalizar o horror, atenuando-o, todavia, na teoria e nas incursões do Direito, acomodando-o na organização social.

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        Não é da totalidade que Edu tenta dar conta. Fixa-se em um punhado restrito e estrito de personagens moribundas, que estão à margem das benesses do poder econômico, da acumulação do capital, da vida exitosa. Ilumina-as, deixando-as minguar diante de nossos olhos, até que sequem suas últimas forças, explodindo no ar como bexigas secas ou misturando-se à terra como estrume pisado.
         O autor filia-se assim a linhagem dos “historiadores da angústia”, de que nos fala Alfredo Bosi em seu livro “Céu, inferno”. O escritor desloca-se da pessoa gentil e meiga, de conversa amena, quando nos expõe a mais vil degradação humana, a contemplação chocante de carne humana desmanchando-se sob um processo organizado de tortura física e psicológica que prepara um espetáculo de prazer insano, num evidente comportamento em que domina o sadismo.
        Difícil é manter o foco, mesmo para um leitor cuja história se construiu na experiência do sofrimento e conhecedor da literatura humanista. A pausa para respiração se faz necessária e, quem sabe, uma suspensão momentânea da leitura.
          É exposta a situação-limite de uma opressão que além de rasgar a carne quer humilhar a alma até que se produza a indigência, onde o humano se extingue, deixando de ser, para dar origem a uma massa disforme que se debate como bicho decapitado que ainda se mexe sob olhos indiferentes que formam uma ordem social estupida em que o valor e a visibilidade ligam-se apenas ao ter e ao possuir, ao poder da moeda que tudo rebaixa e coisifica como mercadoria.

7

        Foucault, em Vigiar e punir, organizou um importante documento que forma a história do suplício, dos “rituais de execução capital” promovido pelo Estado em países como França e Inglaterra que mostra o elevado grau de elaboração racional e técnica na promoção do “ato de punir”.
         A velha forca foi substituída pela guilhotina em 1792, às portas da revolução, em que seu uso foi intensificado. Ela foi tida, como nos lembra Foucault, “a mecânica adequada a tais princípios (matar diminuindo o sofrimento). A morte é então reduzida a um acontecimento visível, mas instantâneo. Entre a lei, ou aqueles que a executam, e o corpo do criminoso, o contacto é reduzido a duração de um raio. Já não ocorrem as afrontas físicas; o carrasco só tem que se comportar como um relojoeiro meticuloso. (...) Quase sem tocar o corpo, a guilhotina suprime a vida, tal como a prisão suprime a liberdade, ou uma multa tira os bens”.
         A inserção de Escaras no tempo histórico torna-se mais evidente quando a comparamos com estudos como os referidos acima. As elaboradas máquinas de matar, construídas com alto grau de racionalização, aparecem na narrativa de Edu como espelho de fatos históricos medievais e contemporâneos.
         O uso de máquinas de tortura aperfeiçoadas pelo personagem parricida de Escaras, análogas às utilizadas pela Inquisição religiosa medieval e pelo Estado brasileiro nas torturas e assassinatos ocorridos durante a ditadura militar de 1964, põe a nu as deficiências e limitações da religião, da ciência e do Estado e mostra exatamente essa negatividade da razão, essa profunda contradição da sociedade na sua relação com o valor da vida e de seu compromisso com as garantias dos direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana, direitos que lhe são essenciais e, por isso, intocáveis, embora sejam constantemente tocados.

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         Edu Moreira não é exatamente um inovador no campo temático. Sua obra não se faz sem a observação. É pois um ficcionista ligado à realidade histórica. Sua literatura associa-se tematicamente à qüestão das patologias sociais e psíquicas, como a loucura, tão presente na literatura ocidental, de que faz parte o que por aqui se produz.
        Machado de Assis deu-nos uma porção rica do tema em sua produção, em que O Alienista é talvez sua obra máxima no espaço dado ao tratamento literário reservado à psiquiatria. Adjacente a este, ou aí mesmo, está o sadismo, um caro tema explorado por Machado e que figura densamente em Escaras.
         O sadismo apareceu originariamente nas novelas do Marquês de Sade, na transição do século dezoito para o dezenove. Daí a origem do termo cunhado. Em suas narrativas, o prazer estava, reiteradamente, ligado à prática de relações sexuais violentas. Vários patologistas inclinaram-se aos estudos de casos de sadismo desde que surgiram aquelas novelas e o termo passou, depois, a ser aplicado a quaisquer atos em que se obtém o prazer através da dor e sofrimento do outro.
          Um caso que parece muito óbvio ao leitor está no conto A causa secreta, de Machado de Assis, publicado 1885. Fortunato contemplava a dor alheia com “um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, como nos diz o narrador do conto”. No organizado e terrível modo que elaborou para matar o rato do conto, esse personagem machadiano não sentia “Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética”.
       Ainda em Machado achamos o coronel de “O enfermeiro”, conto publicado em A gazeta de notícias, em 1884. O coronel, que “padecia de aneurisma, de reumatismo e de três ou quatro afecções menores”, não parava com enfermeiros: “a dois deles quebrou a cara” e, além disso, “era também mau, deleitava-se com a dor e a humilhação dos outros”. Temos, por aí, como em Fortunato, a figura completa de um sádico.
        Em Escaras dá-se exatamente a aproximação do prazer estético, das artes visuais, ao prazer advindo da tortura do “homem-alce”. No entanto, aqui não nos vemos diante de um rato decepado ou de um doente, cujas moléstias potencializam a má educação e o temperamento agressivo, mas que não conduzem ao crime premeditado.
        Embora evidente uma frieza racional e o prazer explícito no ato do flagelo do animal por Fortunato, difícil de presenciar, trata-se ainda de um rato, um bicho que nos causa nojo, um roedor próprio dos esgotos que nos traz doenças e que, desde cedo, elegemos como inimigo de nossa espécie e para quem a indústria produz toda espécie de produto prontamente letal e que utilizamos sem peso na consciência – embora também a indústria produza toda espécie de armas perniciosas para os humanos – humanoratizados - inclusive para sua destruição em massa, e cujas conseqüências, ainda que os exterminem, proliferam-se ainda com a destruição contínua da natureza.

 
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        Escaras mostra-nos algo muito mais complexo do ponto de vista da insanidade psíquica e social. A racionalização dos meios de tortura humana alça-se a níveis que superam atos de violência que atribuímos normalmente à maldade própria dos desvios de caráter, ao temperamento violento e a agressões praticadas sem prévia intenção.
        Trata-se de um parricídio, mas não súbito. Aqui vemos o assassinato do próprio pai por meio cruel de uma insuportável tortura, gradual e lenta. Crime agravado pela exploração comercial de seu ato, o que amplia ainda mais a já inconcebível vilania, que se consuma no interior de uma organização criminosa complexa e encadeada cujo fim é o lucro financeiro.
         Edu é, pois um autor consciente do tempo histórico. Sua obra reflete os homens que estão a sua volta. O autor não atenua a realidade de sua época, capta-a no instante preciso em que escreve, sem, no entanto, perder a conexão com aquilo que se produziu anteriormente, no campo literário, cultural e histórico: a história dos homens precedentes e sua representação artística, mas com o olhar fixo na densidade específica da barbárie de seus dias que quer reproduzir em seu texto. Escaras é, portanto, um efetivo retrato documental de seu tempo, da sociedade de sua época, enfim, de seus homens com toda a sua insanidade.
Elói Alves
 



Leia Prefácio do romance "As pílulas do Santo Cristo" de Elói Alves
Primeito capítulo:
Segundo Capítulo:






quarta-feira, 13 de março de 2013

A BREVIDADE DOS PAPAS

       Nada contra, mas pensei que escolheriam um papa mais novo. Que Franscico I, o argentino, seja eterno, mas o que saiu não tinha sentido a idade, o coração, a falta de forças diante das tantas e intermináveis tarefas...?
     Estava convicto de que haveria mais sabedoria nesse chamamento divino para seu representante na Terra, sobretudo pensando na recente história dos pontificados, que contrasta o longo e bem sucedido governo do Estado do Vaticano, e de seus fieis pelo mundo, por João Paulo II e a - permitam-me - pífia e breve estadia de Bento XVI à frente do poder político religioso desse poderoso Estado-igreja, com sua renúncia.
      Que os brasileiros se deem bem nessa relação vicária e até idolatrem o papa argentino e que este seja bem sucedido independentemente do tempo que governe, apesar de que o rei em seu país, acredito, será ainda o popular e irreverente Maradona.
Elói Alves
 
Leia Prefácio do romance "As pílulas do Santo Cristo" de Elói Alves
Primeito capítulo:
Segundo Capítulo:
 
 

sábado, 9 de março de 2013

A COISA PRIVADA OU A ODISSEIA DE UMA PORTA

         Os apologistas da iniciativa privada me desculpem, mas os resultados desta nem sempre nos satisfazem, ou ao menos nos aliviam a nossa vida, quando não nos esgotam totalmente ao fim de um esforço e, revoltados, ficamos com o humor ressecado.
       Primeiramente foi a janela de alumínio preto: medida, comprada, paga e, depois de um mês, não a tendo ainda recebido, informaram-me que estava agora sendo pintada. Pela demora, imaginei que seria extraída de alguma prospecção em minas nos confins do norte da Escandinava.
     Depois, uma porta de madeira, igualmente comprada e paga com antecedência. Uma semana para montar e entregar, mas na data: nada. Chegou, finalmente, depois de alguns telefonemas e mais quinze dias.
    Olho-a e estranho o desenho na madeira entre os batentes. Os entregadores, da portaria do prédio, desapareceram rapidamente. O Márcio, depois que subimos pelo elevador de serviço, pergunta-me de novo sobre o lado para o qual abriria. Confirmo: “o direito”. Ele olha o lado do desenho, passa a mão sobre a porta e diz:
      -Está montada do lado errado.
     Ligo imediatamente para a loja. É sábado, o relógio marca uma hora da tarde; na loja me informam que o problema é com outro departamento. Faço a chamada, a pessoa que resolveria o problema já se foi.
     -Ligue na segunda feira. Bom fim de semana!
    Os entusiastas do mercado livre e da economia liberal não se cansam de apregoar que o Estado não deve intervir e a economia deve-se auto-regular, seguindo unilateralmente a lei da oferta e da procura.
    Huerta de Soto, um economista muito badalado na atualidade, ocupou horas e horas da televisão espanhola afirmando apaixonadamente que a intervenção do Estado era sempre prejudicial à economia e que o “mercado possui seus próprios mecanismos que detectam seus erros durante o período de crise e os saneia na etapa imediata”. Que “as quebras e o fechamento de vagas de emprego são já um sinal da recuperação”. No entanto, na própria Espanha, com o dia-a-dia desmentindo a teoria, a crise prolonga-se indefinidamente e os empresários e banqueiros socorreram-se com recursos públicos pedidos ao governo e o Estado, para evitar maiores danos, tratou de impor medidas restritivas, controles ficais entre outras medidas.
     Os desajustes da economia, a questão dos ciclos econômicos não está na intervenção do Estado, mas passa pelo modo como o seus agentes atuam. O controle e a fiscalização dos abusos do setor privado pelo poder público são indispensáveis e o problema está, entre outros, na “venda de facilidades”, na facilitação ilegal, na corrupção que favorece o funcionamento de empresas ineficientes e irresponsáveis.
     A coisa privada funcionando sem olhares vigilantes e atentos, que a fiscalizem seriamente e inibam seus abusos, começa a exalar odores que são, realmente, difíceis de se respirar.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Adquirir o livro:http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html
 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O EU E A FLOR

1
     Perco-me na confusão do horizonte incerto
     Os tempos não me levam à distração
     Agito-me na agitação frenética que há em mim
 
2
 
     Sossego diante de uma flor - tão tênue
     Que exala-se, desmanchando-se no mundo como eu
 
        Elói Alves



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O GOVERNO E OS VICIADOS

     
       Um homem que alugou meus ouvidos em uma fila em que aguardava para pagar conta, hoje à tarde, disse-me, interrompendo minha leitura, "que dar dinheiro aos políticos na forma de impostos ou em quaisquer outras formas é como dar uma farmácia para um viciado tomar conta".
       Não quis concordar com ele, mas também não iria discordar; achei que tão-somente bastava fazer uns grunhidos ininteligíveis e olhá-lo de soslaio e concentrar-me na minha leitura bocageana.
         Mas achei muito injusta a danada da comparação, pois seriam mesmo os políticos um bando de viciados em dinheiro? E, como se doesse pouco, viciados em dinheiro alheio? Fruto de suor  derramado de gente, de  humanos?
       Acho também que este maluco não terá o apoio do povo nesse seu pensamento insano nem achará, nestas terras a nenhuma outra igualáveis, alguém que apoiará tão injusto raciocínio.
       O povo, embora reclame aqui e acolá, com seu charme de quem acorda maldormido, não tem sempre estado com o governo e com os governos? Desde sempre não está ele até mesmo louvando seus pais magnânimos e os construtores de sua verdadeira felicidade nacional? O futuro grandioso que ninguém nunca antes lhe dera? Não é o governo o único regedor das maravilhosas alegrias cantadas em todos seus discursos heroicos? Não há mesmo quem nos seja capaz de esmurrar-nos se ao menos ousarmos tocar levemente no sagrado nome de seus paizinhos políticos?
       Pois bem, deixe-me, seu louco, com o meu Bocage porque eu e nem povo lhe daremos quaisquer ouvidos.

Zé Nesfasto Perguntero


 


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O RÍDICULO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

       Os escandalosos tumultos que estão marcando a passagem da blogueira cubana,Yoani Sánchez, pelo Brasil é típico de nossa estrutura política desorganizada e pueril e de nossa formação cultural e educacional tão problemática, mas não é só isso, infelizmente.
      No Brasil ainda se confunde liberdade de expressão com a intolerância ao direto de pensar diferente, de caminhar por caminho alternativo. A tentativa de impedir a cubana, que se opõe ao regime que vigora em Cuba a cerca de meio século, de visitar este país mostra exatamente as tendências totalitárias que ainda permanecem em nossa sociedade e no comportamento político de suas organizações partidárias e do sectarismo político cego, aderente somente a interesses de grupos.
       Agitações dessa estirpe mostram ainda a incapacidade de se conviver com ideias diferentes e a face ditatorial de quem se fecha à crítica, como na frase histórica do "ame-o ou deixe-o" que se pode traduzir em cale-se ou mude-se de país. Este comportamento insensato apenas dá à blogueira um espaço na mídia que sem alarde ela não conseguiria e sua visita seria bem mais discreta.
       Quanto ao regime dos irmãos Castro, não se trata de negar suas grandes conquistas, em relação aos desmandos de Fulgêncio Batista, quando a Ilha era apenas "um parque de diversão para os turistas e para os interesses norte-americano. A questão primordial é - e isto diminui seus acertos - que o regime de Fidel e Raul tornou-se cruel para todo cidadão cubano que pretenda pensar diferente, a quem, se o fizer, terá certamente como inimigo todo o aparato daquele Estado.
Elói Alves
 


 
 

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