domingo, 28 de setembro de 2014

POESIA CINZA - ANÁLISE DE SOB UM CÉU CINZENTO, POR PAULA NOGUEIRA

       Abaixo postei a análise do livro Sob um céu cinzento feita pela  professora de literatura brasileira e escritora Paula Nogueira

     A propósito de seus textos, em Sob um céu cinzento: haveria palavras para mensurar a sensibilidade neles? Diante dessa pergunta, serei bem simplória em relação ao que eu não consigo expressar. Adoro a forma como você trabalha o cotidiano urbano, cheio de lirismo, cheio de poesia. Poderia classificar, se me permite, como poesia cinza, poesia de pedra, pois embora sendo plenamente sensível, sua poesia traz o cotidiano pesado a que nos submetemos sem alternativa. O resultado para nós, obviamente, é como essa voz grita: “Perdido, disforme, no contra-fluxo / Sem arranjo possível” (Enigma e angústias).
       Aliás, não poderia deixar de compartilhar o que leio: a poesia nasce em suas palavras, pois já nasceu antes em você, em mim, ao redor, no deixar-se sentir, no que esparge “do sangue que cai da pena da vida” (Onde se faz a poesia). Dói como se fosse física, nascendo como flores delicadas na paisagem feita de cimento, rompendo pele e quebrando pedra vão colorindo com cores que não podemos ver; sua composição nos invade, florescendo no preto e branco aos olhos de dentro e de fora, conforme visita-nos – admito que seu texto foi quem me visitou e não o contrário – a obra composta por 68 poemas que integram esse sentimento urbano impresso. Dói. E é na linguagem ora impregnada de formalismo, sem pedantismo, ora desconsolada informalidade que confirmamos esses aspectos conflitantes que só quem está sob o céu cinzento poderia compreender.
       Há de se considerar que as vozes transeuntes desses poemas, não deixam de nos caracterizar enquanto indivíduos citadinos petrificados nas ruas geladas, confundidos com os espaços. São vozes que guardam a denúncia da nossa metamorfose que ainda não podemos, nem sabemos nomear. Eu lírico é uma denominação limitada e corajosa pra tais vozes, vai além. Afirmo que é a representação de todas as vozes ocas, da periferia ao centro, misturadas murmurando perdidas no tempo e no espaço. É por meio dessa – ou dessas vozes - que respiramos impregnado de uma fumaça densa o lirismo a que nos leva seu texto, acabamos por mergulhar nessa imensa petrificação, sentindo o peso das antíteses que emerge dos conflitos da nossa era.
   Muitos mereceriam, mas necessito destacar aqui Nômade, de uma subjetividade acentuada, mas representante do coletivo abrigado nas tendas frágeis da geada e do vento frio. No tocante ao deslocamento, asseguro que somos todos nômades em nós mesmos. Em A Morte da Vidente, a banalidade da morte, que assombra cotidianamente escondida em cada esquina das perspectivas que carregamos. Enigma e Angústias, Pães e Tempos, Casa de Relógios e Música Monótona – o tempo. Cada indivíduo busca, inventa, aumenta, seleciona, perde-se em função do tempo. Facetas do tempo de correr atrás do tempo que continua nos escapando, perdido neste exato instante e que continuamos a perder. E perdemos para o tempo sob o manto invisível do vazio – Vazio oposto. Não poderia deixar de citar, ainda, Coragem de Menino e o medo de não saber o que é a cidade sem tristeza. Um eu lírico com tal inocência que não conhece outra paisagem, apenas a da cidade com o seu sofrimento. Estas suas pinceladas poéticas estão entre muitas outras belíssimas e únicas integrantes do cenário que você remata com sucesso memorável.
    Para selar, diante da imensidão dessa questão urbana, eu deixo uma pergunta ao leitor mais questionador: Estamos nos transformando em homens feitos de cimento ou o ambiente está tomando a forma que alimentamos dentro de nós? Após Sob um céu cinzento, não consegui ainda respondê-la.
Paula Nogueira
O autor Elói Alves com a professora de literatura  e escritora Paula Nogueira em noite de autógrafo do livro Sob um céu cinzento, em São Paulo


6 comentários:

  1. Obrigada pelo carinho e pela poesia, amigo Elói. Abraços

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    1. Muitíssimo grato, Paula Nogueira. Fico feliz por dedicar a sua tão eficiente e bela escrita à análise de meu livro, amiga querida! Seu texto tem um olhar diferenciado, iluminador, olhar de uma intérprete literária capaz de imersão, de ver longe e ver bem; pena somente que não chegou a tempo de sair como prefácio, teria certamente ajudado a muitos leitores, num diálogo com eles sobre as nuances poéticas, com a subjetividade em suas matizes que permeiam os textos; espero saia numa segunda edição, entanto. Eternamente grato, amiga preciosa e muitíssimo distinta colega!

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  2. Fantástica análise destes preciosos versos! Amo a poesia de Eloi, ela nos toca no âmago causa enlevo e por vezes labirintos de emoções. Quanto a pergunta, acredito que exterioriza nossos sentimentos e portanto vem de dentro!

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    1. Ira, amiga querida, muito grato por seu lindo comentário ao texto da Paula; suas palavras, seus gestos são estímulos, são tocantes; bjos gratos, minha muito especial amiga.

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  3. Orgulho de ser sua leitora assídua e de ter ,como a Paula, sensibilidade para senti-lo de maneira profunda!

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