segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O ANTICRISTO NA FILA DO BANCO

      Hoje cedo, na fila de um banco, onde fui pagar uma conta, que só se recebia ali, fui vítima de uma situação inacreditável ou ao menos inverossímil e que me atrevo, todavia, a contar.
    Sendo eu o último de uma fila que contava uns dez, com apenas um caixa, lia, sossegadamente, um livrinho antigo de Petrônio, escrito na Roma decadente, que saquei do bolso. De repente, um sujeito, que me pareceu estranho, beliscou o meu ombro. Olhei e ele indagou:
      -A fila está demorando?
   Respondi com um gesto que podia ser qualquer coisa e ia voltando ao livro quando o homem continuou.
    -Isso aqui ta um caos, para pagarmos temos problemas, se não pagamos temos dobrado. O que não temos nunca é um pouco de respeito.
    Respondi de novo qualquer coisa que parecesse uma amistosa concordância, fitando-o de lado e voltando para o livro, como se tivesse um olho no gato e o outro na carne. Mas o sujeito fez um sinal que achei estranho e me intimou em seguida à exclusividade:
     -Olho no olho!
   Olhei-o, como ele pedia, e comecei a estudá-lo, vagarosamente. Que tipo seria aquele? Seria alguma daquelas curiosas figuras estudadas pelo nosso alienista em sua Casa verde, aquela inacabável habitação onde não entrava o juízo e que parecia tão real e insana quanto este nosso mundo? Mas como, se ainda andava acertando as contas com este mesmo mundo? Antes que eu o sondasse mais a fundo, ele iniciou um discurso embaralhado e espantoso, sempre disputando se me falava mais com os braços ou com a boca.
    -Eu não pertenço ao anticristo. Não tenho pacto com o tinhoso, é o mundo que não me entende. Minha família também não me entende. Se eu fosse o anticristo já tinha arrumado esse mundo, porque ele deve ter muito poder. Começava por essa corja de políticos vadios, obrigava todos a trabalhar, e na risca. Porque o anticristo deve ter poder nos infernos e não deve deixar seus demônios chupando sangue sem fazer nada
     Nessa altura, chegou a minha vez e eu corri ao caixa como quem foge de uma encrenca das grandes, paguei a conta rapidamente e saí do banco sem olhar para trás.
Elói Alves

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