Hoje cedo,
na fila de um banco, onde fui pagar uma conta, que só se
recebia ali, fui vítima de uma situação
inacreditável ou ao menos inverossímil e que me
atrevo, todavia, a contar.
Sendo eu o último de uma fila que contava uns dez, com apenas um
caixa, lia, sossegadamente, um livrinho antigo de Petrônio,
escrito na Roma decadente, que saquei do bolso. De repente, um
sujeito, que me pareceu estranho, beliscou o meu ombro. Olhei e ele
indagou:
-A
fila está demorando?
Respondi
com um gesto que podia ser qualquer coisa e ia voltando ao livro
quando o homem continuou.
-Isso
aqui ta um caos, para pagarmos temos problemas, se não pagamos
temos dobrado. O que não temos nunca é um pouco de
respeito.
Respondi
de novo qualquer coisa que parecesse uma amistosa concordância,
fitando-o de lado e voltando para o livro, como se tivesse um olho no
gato e o outro na carne. Mas o sujeito fez um sinal que achei estranho
e me intimou em seguida à exclusividade:
-Olho
no olho!
Olhei-o, como ele pedia, e comecei a estudá-lo, vagarosamente. Que tipo seria aquele? Seria
alguma daquelas curiosas figuras estudadas pelo nosso alienista em
sua Casa verde, aquela inacabável habitação onde não entrava o juízo e que parecia tão real e insana quanto este nosso mundo? Mas como, se ainda andava acertando as contas com este mesmo mundo? Antes que eu o sondasse mais a fundo, ele iniciou um
discurso embaralhado e espantoso, sempre disputando se me falava mais com os braços ou com a boca.
-Eu
não pertenço ao anticristo. Não tenho pacto com
o tinhoso, é o mundo que não me entende. Minha família
também não me entende. Se eu fosse o anticristo já
tinha arrumado esse mundo, porque ele deve ter muito poder. Começava
por essa corja de políticos vadios, obrigava todos a
trabalhar, e na risca. Porque o anticristo deve ter poder nos
infernos e não deve deixar seus demônios chupando sangue
sem fazer nada
Nessa
altura, chegou a minha vez e eu corri ao caixa como quem foge de uma
encrenca das grandes, paguei a conta rapidamente e saí do
banco sem olhar para trás.
Elói Alves
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