sábado, 14 de junho de 2014

A MENINA DESPERTA


Ao acordar a menina vai à janela e a abre lentamente

Apenas uma luz opaca ilumina

O vento frio bate-lhe de cheio no rosto

Ela o recebe como um bom sinal

Depois sorri e prende os cabelos esvoaçados


A rua está molhada e o cheiro do sereno revoa

Do outro lado, as casas estão fechadas

Parece que tudo se retrai

Mesmo as raquíticas flores dos jardins recolhem-se

E, como uma pássaro, a menina se põe a cantar
 
Elói Alves
 

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sexta-feira, 13 de junho de 2014

PASSANDO POR DRUMMOND E RENATO RUSSO

Mundo, mundo...
Eu também não tenho uma solução

Mas a pergunta é férrea, corrosiva
Não quer parar antes que toque o fundo
Cortando sempre por dentro
Muito além das partes ocas
Desnudando sempre a contra-gosto
Parte sob parte
Devolvendo sempre a pergunta
Que país é este?
Elói Alves

 
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quinta-feira, 12 de junho de 2014

OH, MEU BRASIL

Quando foste achado e conquistado
Por espada e cruz dos lusitanos,
Repletos e em perfeito estado
Estavam tua flora fauna e tantos.

Num átimo, tua riqueza foi levada,
Primeiro a madeira de teu nome,
Depois o teu ouro e tua prata
E com quase tudo teu o luso some.

Com um mártir na história,
Impérios luxo e muita fome
E a escravidão tão vexatória,
Esse teu passado me consome!

Liberdade, presidencialismo esperança,
Vem o sonho, sempre com a utopia;
E a república do café com leite avança,
Mas acaba, porque Getúlio aí surgia.

Por um tempo ideais e otimismo,
Todo o povo trabalha com euforia,
E o governo se fixou com o populismo,
Mas era ditadura e renuncia.

Em teus quinhentos anos lembro Caminha,
Aqui “em se plantando tudo dá”;
Entretanto para grande tristeza minha,
Corrupção e ignorância são o quê há!



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MÚSICA MONÓTONA


Há uma monotonia rítmica na música deste tempo

Talvez nem mesmo haja música,

Mas sons indistintos que nada dizem

Que redobram, ecoam, espalham-se

Que se impregnam numa poluição insistente



Não há musas que cantem o tempo a seus homens

Os poetas sofrem continuamente uma redução auditiva

Como à voz das Sereias ensurdeceram os companheiros de Ulisses



Talvez houvesse choro ao invés de canto

Mas as vistas estão empedernidas

E nem sequer podem umedecer-se


A lamentação é menos uma saída que um debater-se no nada

Não é possível um espírito como o de Jeremias

Sua lamentação era o reflexo da alma de um povo humilhado

Mas nestes dias não há alma que se reflita

Há apenas um massa que não se espelha

Que nem sob a opressão se percebe
 
Elói Alves

(Este texto comporá meu próximo livro)

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segunda-feira, 19 de maio de 2014

UM CÃO PARA CADA HOMEM - conto

       Entre meus cinco e doze anos morei em mais de uma dezena de casas. Como não tínhamos casa própria e éramos muito pobres, mudávamos sempre que o preço do aluguel ficava mais alto ou quando meu pai encontrava uma casa com valor mais em conta.
      Passado o tempo, foi-se também de minha memória a maioria das coisas que me ocorreram por aquela época. Realmente, nada por aquelas paragens me instigavam vivências nem curiosidades. Mas houve, em um dos lugares para onde nos mudamos nos meus nove anos, uma série de acontecimentos extraordinários que nunca saíram de minha cabeça. Esse lugar, de que sempre me lembrei a propósito de coisas muito estranhas, era conhecido como o Beco dos cachorros.
        De fato, eram tantos cachorros que sempre achava haver ali mais cachorros do que gente. E como era mania ali manterem-se todos a solta, perambulando pelas ruas ao mesmo tempo, tinha-se a impressão que a população de cachorros sempre crescia volumosamente, sobrepondo-se mais e mais à quantidade de homens, numa versão complexa das progressões malthusianas entre as papulações dos habitantes daquele lugar.
        Mas a coisa mais estranha que nunca se desapegou de minha memória quando penso no que aconteceu naquele lugar é a imagem de João Vitorino. Era um sujeito estranho e de pouca simpatia, mas tolerável. De poucas palavras, de voz baixa e riso raro, parecia, apesar de tudo, incapaz de ofender a qualquer pessoa. João Vitorino era, ali,- na definição malandra da boca do povo – o protetor dos cachorros: o São Vitorino.
        Às seis horas da manhã já se via Vitorino pela rua. Ou melhor, via-se uma porção de cachorros dispostos em roda, e entre eles o nosso homem, que distribuía pão e restos de comida ao canil alvoroçado e faminto. A mesma cena era vista às vezes à tarde ou ao cair da noite. Quando alguém, para lhe encarecer o trabalho ou mesmo para causar riso dele, lhe acentuava a enorme quantidade de cachorros que ia pelas ruas, ele dizia apenas:
         -Há um cachorro para cada homem.
        Certa vez – e não aconteceu outra - houve um grande tumulto. O caminhão da carrocinha apareceu de surpresa. Um sujeito alto e magricela, alteando um laço na mão, corria para todos os lados atrás dos cachorros, que debandavam apavorados. João vitorino apareceu logo. Abriu o portão de sua casa e apressou-se a tutelar os bichos, que entravam atropelando-se estonteados.
        Seguido pelo caminhão, comprido e escuro, o homem do laço foi bater ao portão de Vitorino. Este pôs-se de guarda, firme e decidido a qualquer coisa. A confusão aumentava. O homem do laço fazia grande esforço para levar a cabo sua tarefa, agora ladeado pelo motorista do caminhão que lhe viera ao encontro. Os cachorros, com repentina confiança, latiam todos de dentro do quintal, enraivecidos pela perseguição de que foram vítimas. O povo, por sua vez, saindo às pressas das casas, fazia aumentar a algazarra. Todos eram agora por Vitorino e pelos cachorros. Diante das circunstâncias e da iminência de não se sabe o quê que estaria por vir de pior, o homem do laço, seguido agora por seu companheiro, correu para o caminhão – tão apavorado como os cachorros de quem até há pouco ele era o perseguidor– e ambos desapareceram, sem nunca mais porem seus pés na vila.
          Eis que um dia os cachorros começam a morrer. Parecia surgir uma praga mortífera como outrora no Egito antigo. De começo a morte não surpreendera nem assustava. Morria um por semana. Vitorino, geralmente acompanhado por alguém simpático à causa ou mesmo por algum curioso ou desocupado, levava o féretro até os matos dos terrenos baldios. Cavava o buraco e fazia o enterro. Embora sob os protestos de muita vozes, ao fim de tudo, ele fincava uma cruz sobre a terra fofa e retornava sombrio como tinha ido.
         Com o seguir dos dias, as visitas da morte foram se sucedendo amplamente. As ocorrências tornavam-se o assunto de maior interesse popular. No bar, nas rodas de gente nas esquinas, nas conversas das casas e à mesa de cartas e do dominó. A ideia de que os acontecimentos seguidos escondiam a presença de uma maldição ia de boca a boca. Os uivos noturnos ouvidos por muita gente era certamente, para muitos deles, a certeza de algum agouro, um presságio do que poderia vir de pior. Algumas pessoas passaram, diante dos fatos, a defender a necessidade de se expulsar da Vila os cachorros que ainda restavam, e que já não eram muitos, e assim sossegaria tudo de uma vez.
         O último cachorro morreu finalmente. Sangrou pela boca como alguns outros. Morrera numa sexta feira treze de céu nublado.. Muitas pessoas perguntavam se a maldição terminara ou se estava apenas começando. João Vitorino, agora sozinho, foi enterrar o último cão exatamente como fizera ao primeiro. Sem drama, terminou o serviço e voltou para casa.
          No outro dia cedo a rua estava vazia. Vitorino não aparecera. Ninguém o vira também pela tarde. No segundo dia, pela manhã, foram lhe bater à porta. Não havia tranca. As janelas também estavam abertas. Um menino adiantou-se e entrou na casa. Tudo estava vazio. Nem João Vitorino nem coisa alguma importante. Encontraram muita sujeira espalhada pelos cantos, e também, escondido em sacos dentro de um caixote velho, muito veneno para matar cachorro.
Elói Alves
 
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quinta-feira, 8 de maio de 2014

DILMA DIZ QUE É A MUDANÇA, SERÁ? - Perguntero

       As recentes inserções da propaganda petista na tv trouxe a “Dilma da mudança”. O motivo da nova estratégia dos marqueteiros do partido é a queda nas últimas pesquisas da candidata à reeleição, seguida da subida de seus adversários.
        A questão não é tão simples porque, se seguir com esta nova tática, terá que mostrar qual é essa mudança e terá que dizer com que ela vai romper e que tipo de mudança ela quer representar.
       Será que seu grupo irá insistir que são eles a mudança em relação ao governo anterior ao petista que se foi há doze anos e esconder todo o período de seus dois governos com seus três mandatos?
       Mais ainda, será que Dilma ousaria mudar em relação ao seu próprio grupo com quem tem ela ligação tão íntima? Seria ela capaz de romper com seus indicados para estatais, como a Petrobras, seguidamente sob suspeição devido a seguidos desmandos que remontam ao governo de Lula, onde Dilma fora ministra? Romperia ela com seu próprio conselheiro e padrinho, a quem jura fidelidade constante e dele a recebe?
        Um outra questão delicada é a da economia, cujo modelo Dilma vem mantendo desde o início de seu mandato, com um regime que favorece o descontrole inflacionário e baixo crescimento com consequente empobrecimento dos assalariados, mas com incoerente aumento da arrecadação tributária, será que Dilma representa também a mudança  do modelo econômico que insistentemente vem mantendo sob o comando de seu guru Mantega?
        A questão não deixa de ser complica para os próprios marqueteiros de sua propaganda na campanha - que já está aí. Será que dirão que Dilma será a mudança da própria Dilma? Será?
 
Zé Nefasto Perguntero
 
Livros de Elói Alves

terça-feira, 6 de maio de 2014

O MAGNÍFICO ENTERRO DE PELEZINHO

        Falo de uma notícia velha. Há alguns meses, faz quase um ano, os jornais deram a notícia acima, não exatamente com estas palavras do título. Falavam, cada qual com seu enfoque, do atropelamento e do enterro de um menino que limpava vidros de carros no centro da cidade, perto de onde trabalho.
        Estava por ali já algum tempo, eu mesmo o vira algumas vezes. Tinha menos dez anos, baixo, sempre descalço e com calção e camiseta muito sujos. Quando os carros paravam, com o sinal que se fechava, levantava-se da guia e oferecia seu trabalho.
       -Posso limpar, moço?
        “Sim” e “Não”, “sim” e “NÃO!!!” e “não” e “NÃO!”, ia, assim, guardando suas moedas.
         Mas um dia, depois de um “sim” ou de um “não”, não sei bem, entre os carros, veio, muito rapidamente, uma moto, que, jogando-o ao chão, fê-lo bater com a cabeça e morrer ali mesmo.
         O agente de tráfego isolou o corpo e colou uma faixa, liberando a outra pista; mas os outros meninos iniciaram logo o barulho. Fecharam a outra pista com sacos de lixo e colocaram fogo em pneus. A polícia não demorou a aparecer, chamaram também a tropa de choque; mas antes de que houvesse bombas, balas de borracha e cassetetes, veio a imprensa que seguia a comitiva do governador, em campanha à reeleição.
         Depois da imprensa e dos correligionários, com bandeiras do partido e camisas com a foto do candidato estampada, apareceu o próprio governador, que, informado do caso, mandou que levassem o menino em um helicóptero. Mas como os policiais o informaram que já estava morto, encarregou a seus assessores que cuidassem junto à família da liberação do corpo e que fizessem o enterro com toda a dignidade possível.
        Ainda no local, questionado sobre a péssima condição social em que vivia o menino, o governador afirmou ser inaceitável deixar que esses meninos vivam pelas ruas, longe da escola, sem o mínimo para que vivam com dignidade, que é  o básico que o Estado deve prover, e que ele mesmo tomaria sobre seus ombros essa responsabilidade, elaborando, com todos os seus esforços, em seu novo mandato, se Deus o quiser o povo assim o escolher, um grande projeto de inclusão social que tiraria de vez todo esses meninos da rua.
        -Um projeto de carência zero!- concluiu o político.
 
         O enterro foi concorrido. Houve muitas flores, um caixão bonito e coroas enviadas por deputados candidatos também a novos mandatos. Chegaram também flores enviadas por dois candidatos que concorriam com o governador. Além das autoridades políticas, a imprensa entrevistou também os religiosos presentes que acordaram um culto ecumênico pela triste passagem do garoto
                                                           
                                                 ***
         Passado o tempo, não se falou mais no caso, e eu mesmo não me lembrava dele. Por um acaso, hoje cedo, veio-me tudo à lembrança. Pela hora do almoço, tendo que ir ao interior do Estado às pressas, resolvi comer apenas um lanche e nem mesmo quis me sentar. À porta do bar, enquanto meu lanche cozia na chapa, virei para a calçada e notei um garoto que riscava a calçada com um pedaço de rodo, como se se desenhasse algo no chão. Pareceu-me muito conhecido, mas minha memória não o ligava a nada. Ao seu lado tinha um pequeno balde. Ele notou que eu o examinava e abaixou mais a cabeça.
         -Não aceita um lanche, menino? E fiz sinal para que viesse.
        Veio logo, mas andando vagarosamente, com os pés nus sobre o chão de concreto.
         Dei a ele o lanche que o chapeiro me entregava e pedi que me fizesse outro. Quando o menino ergueu a cabeça, tudo me ficou repentinamente muito claro.
         -Você não conheceu um menino que vivia aqui pela rua? - arrisquei, mas ele não respondeu nada.
         -Que limpava os carros e que morreu, o pelezinho?
        O menino afastou-se de mim, com a cabeça baixa e disse já um pouco de longe e sem se voltar:
        -Era meu irmão.
 
Elói Alves

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http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html

sexta-feira, 2 de maio de 2014

SOBRE A ÉTICA E MORAL NO BRASIL

     Atualmente vivemos, certamnete, uma crise de exemplos ruins ou, talvez, isso tenha tido apenas maior destaque, sobretudo com o poder de controle da informação muito afetado pela disseminação dos meios de comunicação entre pessoas não submetidas a corporações, vínculos emprecatícios ou ligadas a organizações político-partidárias, que hoje compartilham informações e fazem suas críticas e questionamentos pela internet.
      Sem dúvida temos um problema que os bons exemplos nos faltam, no pais em que a corrupção é tida por muitos como cultural. No entando não se trata de modelos a serem seguidos, de ídolos ou líderes. Os servidores, sem distinção, não têm o dever de ser "modelo"; têm pela natureza do ofício", o dever de serem corretos e agirem estrita e restritamente como diz a lei, como lhes impõe o Direito Público - nem um passo a mais, nem um a menos. O cidadão, por sua vez, não tem desculpa por agir de modo que descumpra com suas obrigações; embora as boas ações podem servir de modelo, sua ausência não desobriga a ninguém de agir de maneira legal, de cumprir com suas obrigações cívicas e civis.
       O problema é que no país as Instituições estão à beira da desestruturação total; a corrupção institucional faz com que os Poderes da República não funcionem, incluída aí a Justiça, que estejam comprometidos, viciados e incapazes de fazer o país andar de acordo com seus princípios Constitucionais, de fazê-los valer, de cumprir o seu dever. Assim a coisa descaminha para a casa de ninguém e, na contra mão de tudo que seja razoável - para não pouca gente - até os bandidos viram heróis.
Elói Alves

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