Resumo: O
presente artigo trata do instituto da Colaboração premiada, demonstrando suas
especificidades como negócio jurídico processual penal. Destaca sua evolução no
tempo e o combate ao crime organizado; ainda, o papel e objetivo das partes, a
liberdade de contratar, nos limites da lei, o interesse público e a atuação da
autoridade judiciária; além da crítica que se tem feito ao instituto e à
atuação da acusação na construção dos acordos. Metodologicamente, recorreu-se à
legislação processual, à jurisprudência e à doutrina especializada, sem empregar,
contudo, linguagem pouco acessível ao público geral, dado ao amplo interesse social
do tema.
Palavras-chave:
Colaboração premiada; Ministério Público, Negócio Jurídico Processual; Crime
Organizado.
Elói Alves
1.
Introdução
A colaboração
premiada, popularmente chamada “delação”, tornou-se conhecida pela população brasileira no contexto da
chama Operação Lava Jato, comandada pela Polícia Federal, que investigou crimes
envolvendo desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro, cujos suspeitos
eram ligados a grandes empreiteiras, em conjunto com agentes políticos, sendo
parte dos ilícitos operada por diretores indicados por partidos políticos para
diretorias da Petrobras.
No campo jurídico os debates também foram
empolgantes, com amplas discussões sobre a importância para solução de crimes
complexos, de que a colaboração de partícipes neles é fundamental, e a
legalidade de ações determinadas pela justiça, a visibilidade ou
espetacularização de operações, ações coercitivas impostas a investigados, e
além da legalidade das delações de investigados presos preventivamente, tidas
por criminalistas como meios cujo fim era unicamente obter provas e confissão
de acusações as quais o Ministério Público não poderia reunir sem recorrer a meios
coercitivos, como a prisão preventiva.
A colabora premiada,
inicialmente aplicada aos crimes hediondos, pela Lei 8.072, de 1990, obteve importante regulamentação em 2013, na Lei do Crime
Organizado, 12.850, classificando-se como instituto jurídico processual, sendo
meio de obtenção de prova, que figura em rol ao lado de outras medidas, como
ação controlada, infiltração
de policiais, em atividade de investigação de infrações penais. O instituto
tem, assim, aplicação em investigações criminais que envolvam pluralidade de
agentes criminosos; as organizações criminosas são, pois, classificadas como modalidade de concurso de pessoas para a prática de crimes.
Mesmo soando como
novidade diante da efervescência do contexto sócio-político recente, a colaboração
já existia no ordenamento jurídico pátrio. Existiu, aliás, anteriormente ao
regime republicano, e mesmo anterior ao império, como informa Ana Paula Gadelha
Mendonça, em importante artigo sobre o tema[1].
2.
Conceito
O instituto da Colaboração Premiada é definido em
lei como um negócio jurídico processual pelo artigo 3º-A, inserido pela Lei
13.964, em 2019, com escopo de obtenção de prova e pressupondo-se utilidade e
interesse públicos.
A classificação do instituto como negócio jurídico
processual implica na cooperação entre o acusado e o Ministério Público, com
vistas a se alcançar o interesse da sociedade na elucidação de condutas
criminosas, a cuja efetividade não se poderia chegar sem tal cooperação por
parte do indivíduo acusado.
Para Ana Paula Gadelha Mendonça, em “A
aplicabilidade da delação premiada na nova lei de crime organizado, p. 07.”, a
colaboração pode ser conceituada como:
[...]
denunciar, revelar, denunciar como culpado, denunciar-se como culpado. Como se
vê, a delação premiada, prevista no processo penal brasileiro em diversos
diplomas, tem o mesmo significado que traz o dicionário, o réu delator é aquele
que denuncia os comparsas, revela onde está o produto ou vítima do crime, e, ao
mesmo tempo confessa ter participado do evento criminoso.[2]
Segundo definição do Manual de Colaboração
Premiada, elaborado pelo ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e
a Lavagem de Dinheiro, o instituto é definido como:
A
colaboração premiada é meio de obtenção de prova sustentada na cooperação de
pessoa suspeita de envolvimento nos fatos investigados, buscando levar ao
conhecimento das autoridades responsáveis pela investigação informações sobre
organização criminosa ou atividades delituosas, sendo que essa atitude visa à
amenizar da punição, em vista da relevância e eficácia das informações
voluntariamente prestadas.[3]
A colaboração premiada pode ser admitida em
qualquer fase da persecução penal com objetivo de se obter provas de condutas
ilegais, como se observa no artigo 3º, caput, da Lei 12.850/2013.
Como negócio jurídico processual, a colaboração
premiada envolve partes, objeto lícito, forma e requer a autonomia da vontade e
impõe confidencialidade e boa-fé, assemelhando-se, pois, à clássica definição
do direito civil. Peculiarmente ao negócio jurídico processual penal, o
colaborador deve narrar, no acordo, todos os fatos
ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos
investigados (art. 3º -C, § 4º ), sob risco de invalidação ou não homologação
do acordo.
Com o acordo, o colaborador busca
atenuação das penalidades ou até perdão das infrações cometidas. De outra mão,
os órgãos responsáveis pela investigação e apuração dos crimes buscam, com o
acordo, solucionar crimes e punir outros responsáveis dos grupos criminosos
cujo alcance não seria possível sem o acordo de colaboração com algum dos partícipes.
Para obter sucesso no acordo, deve o
colaborador também fornecer os anexos com os fatos adequadamente descritos, com
todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de
corroboração.
Segundo o
art. 3º-B, o recebimento da proposta para
formalização de acordo de colaboração demarca o começo das negociações e
constitui ainda marco de confidencialidade, configurando-se, pois, violação de
sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas
iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por
decisão judicial.
O início das tratativas, inclusive a
assinatura do Termo de Confidencialidade, não implica necessariamente a
suspensão da investigação. Também a instrução poderá preceder o acordo de
colaboração premiada na medida em que haja necessidade de identificação ou
complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica,
relevância, utilidade e interesse público.
3.
Benefícios
do acordo para o colaborador
A lei elenca uma série de concessões que poderão
ser determinadas pelo juiz ao colaborador, dependendo do grau de efetividade de
sua colaboração com a justiça.
Desse modo, é possível à autoridade judiciária
conceder redução de até dois terços da pena privativa de liberdade ou
determinar sua substituição por restritiva de direitos do colaborador, desde
que essa colaboração tenha proporcionado resultados efetivos para as
investigações e para o processo criminal e que a colaboração tenha se dado voluntariamente.
Além desses benefícios, o juiz poderá conceder perdão judicial ao colaborador,
dependendo dos resultados da colaboração.
O artigo 4º, da Lei em comento, traz rol de
possíveis resultados que orientam a decisão do magistrado para concessão dos benefícios
ao colaborador, nos incisos de I a V:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas
da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades
da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das
infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física
preservada.
A colaboração com a justiça para obtenção de
benefícios judiciais poderá ainda ser realizada após a sentença
condenatória. Nessa hipótese, no entanto, os benefícios pela colaboração não
poderão alcançar os mesmos resultados. Assim, na colaboração acordada após
sentença penal condenatória, a pena poderá ser reduzida somente até a metade,
além de se permitir a progressão de regime, mesmo que estejam ausentes os
requisitos objetivos, como se observa do artigo 4º, § 5º, da Lei 12.850/2013.
Nesse tipo de
colaboração, de certo modo retardatária, deve-se revisar os resultados
verificando a adequação às exigências ou resultados mínimos presentes nos
incisos I, II, III, IV, V, do artigo 4º, citados anteriormente.
Ainda na
colaboração pactuada após a sentença, caso o colaborador tenha estado, ou ainda
esteja, sob efeito de medidas cautelares, deverá ser analisada pelo juiz a
voluntariedade da manifestação da vontade.
A pactuação da
colaboração e seu momento de realização pode ter implicação decisiva nos
trâmites e no curso do processo. Uma das hipóteses se dá pela previsão legal que
incluiu, em 2019, o parágrafo 10-A, artigo 4, que garante ao réu delatado
durante a colaboração a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo
concedido ao réu que o delatou.
A referida ordem
das manifestações chegou ao STF e ensejou divergências entre os ministros do
Tribunal Supremo, diante de questões levantadas (HABEAS CORPUS 166.373), por
réus condenados na 13ª Vara Criminal Federal em
Curitiba. No debate, “o relator, ministro Edson Fachin, defendeu que a lei não
definiu a "imposição de ordem de colheita das argumentações de cada
defesa, tampouco potencializou para esse escopo eventual adoção ou não de
postura colaborativa"[4].
Segundo o
ministro Fachin:
O legítimo manejo de meio atinente a ampla defesa não autoriza,
a meu ver, distinção entre as manifestações defensivas igualmente asseguradas
aos colaboradores e não colaboradores, sob pena de indevida categorização
cerceadora do devido processo legal. Ou seja, adoção de certa estratégia
defensiva não funciona como causa determinante da ordem de manifestação
processual de cada acusado[5].
O entendimento
do ministro relator foi seguido por Roberto Barroso e Luiz Fux. Para Roberto
Barroso. "No Código de Processo Penal não há nenhuma distinção entre
réu colaborador e réu delatado. Além disso, o CPP diz que nenhum réu pode ser
assistente de acusação. O réu é parte da defesa, colaborador ou não
colaborador”[6].
Em divergência de entendimento de Fux, Barroso
e Fachin, o ministro Alexandre de Moraes afirmou:
[...] que o delatado tem o direito de falar por último.
"O devido processo legal não é 'firula jurídica', o devido processo
não atrapalha o combate à corrupção. Nada custa ao Estado respeitar o devido
processo legal, o contraditório e ampla defesa. Nenhum corrupto deixará de ser
condenado porque o Estado respeitou o devido processo legal, a ampla defesa e o
contraditório[7].
Por maioria de
votos, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, em processo penal em que haja
colaboração de réus, o partícipe delatado tem direito a apresentar suas
alegações finais depois daqueles que firmaram acordo para colaborar com a
justiça, direito que, segundo a decisão do Supremo, garante o direito
fundamental à ampla defesa mediante o conflito de interesses dos corréus,
delatado e colaborador[8].
4.
O Ministério Público na colaboração premiada
O Mistério
Público tem fundamental participação nos acordos de colaboração premiada, mas
não está obrigado a concluir pelo acordo, caso não haja efetividade da
colaboração
Devido a
relevância do acordo o Mistério Público poderá requerer ao juiz a concessão de
perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido
previsto inicialmente no acordo firmado.
Na hipótese de que o Ministério Público tenha
conhecimento prévio dos fatos constitutivos da proposta de acordo colaborativo,
feita pelo partícipe de organização criminosa, fica esvaziado o acordo, sendo
inócuo para a sociedade a concessão de benefícios judiciais ao infrator.
Caso não haja conhecimento prévio pelo órgão
público dos fatos delitivos apresentados pelo colaborador
o Ministério Público poderá deixar de oferecer
denúncia. No entanto, há vedação da lei à conclusão do acordo quando o colaborador
for líder da organização criminosa ou caso sua proposta de colaboração já tenha
sido oferecida anteriormente por outro componente da organização sob
investigação.
O ministério Público e autoridade
policial atuam de modo coordenado em casos cuja solução pode se dar pela ajuda
efetiva de colaboração. Nestes casos, cabe à autoridade policial comunicar o
Mistério Público sobre suas operações, prisões e interrogatórios de integrantes
de organização criminosa.
Segundo o Manual de Colaboração
Premiada da ENCCLA, p. 03:
Nas hipóteses de cumprimento de mandados de prisão provisória ou
condução coercitiva para tomada de depoimentos, quando as circunstâncias,
natureza e espécie da infração indicarem que há possibilidade de colaboração,
especialmente em operações de grande porte, recomenda-se que seja dada ciência
prévia do dia e da hora do cumprimento do mandado ao Ministério Público, para,
querendo, o seu representante se faça presente à inquirição. Quando as
declarações não forem tomadas em uma única oportunidade, deve a autoridade
policial designar novas datas para a continuidade do ato, informando-as ao
Ministério Público, o qual, querendo, poderá participar das oitivas ou ouvir o
colaborador[9].
Portanto, a participação integrada da
autoridade policial com os membros do Ministério Público tende a tornar as
investigações mais efetivas, possibilitando um alcance maior no combate aos
grupos criminosos, que podem ser atingidos de forma decisiva com a participação
nas investigações por um dos envolvidos nas práticas criminosas, que, desde uma
perspectiva interna à organização, passa a colaborar com as investigações com
objetivo de ter suas penas reduzidas ou perdoadas pela justiça.
5.
A atuação
do juiz
A participação da autoridade judiciária é decisiva
para a efetivação dos resultados objetivados pelo acordo de colaboração
premiada, acontecendo em dois momentos-chave. Primeiramente, a participação do
juiz se dá por ocasião da homologação do acordo de colaboração premiada.
Depois, em sua participação final, o juiz aplicará
as medidas adequadas ao acordo, numa coerência com a efetiva colaboração da
pessoa réu colaborador e as possíveis medidas concessivas aplicáveis ao caso.
No entanto, a decisão do juiz não está vinculada
apenas aos atos de homologação e aplicação do acordo, sumariamente. Pode a autoridade
judiciária indeferir a homologação, até mesmo de modo sumário, desde que não se
verifique o interesse público e a efetiva colaboração do acordo.
Nessa hipótese, o juiz fica vinculado a
fundamentação, expondo suas razões para o indeferimento e cientificando o
interessado no acordo, em cumprimento ao exposto no parágrafo primeiro do
artigo 3-A, da Lei 12.850.
No ato da
homologação o juiz verificará a sua legalidade, regularidade e adequação dos
benefícios pactuados às exigências legais que contornam sua efetividade. No
acordo, são nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime de
cumprimento de pena do artigo 33, do Código Penal.
Outro requisito a
que se deve atentar o juiz na homologação do acordo de colaboração é a
verificação da voluntariedade da manifestação do colaborador, nos casos em que
não haja imposição de medidas cautelares e, mais ainda, quando o réu estiver
submetido a elas.
Como dito introdutoriamente,
uma das razões para críticas ao instituto da colaboração premiada,
principalmente por criminalistas, se dá pela opção de investigados pelo
instituto quando estão submetidos a cautelares, sobretudo a prisão preventiva.
Para muitos
advogados que se manifestaram na imprensa por ocasião das coberturas
jornalísticas às operações da Polícia Federal e do Ministério público no âmbito
da Lava Jato, as prisões foram utilizadas com meio coercitivos de levar seus
clientes a fecharem os acordos de colaboração.
6.
Conclusão.
O
Instituto da colaboração premiada tem sido, como visto, aprimorado na
legislação brasileira e vem se tornando um mecanismo de processo penal cada
vez mais utilizado, haja vista sua notoriedade na chama Operação Lava Jato.
Como
negócio processual penal tem sido vantajoso para a sociedade na medida em que
os órgãos de investigação do Estado conseguem levar, com peculiar perspectiva
interior aos atos delituosos, uma denúncia à justiça respaldada por provas
factuais, sem as quais seria impossível a persecução penal a organizações
criminosas cujas técnicas e práticas delitivas também se aperfeiçoam.
Portanto,
em que pese às justas reclamações, que devem ser consideras e atendidas, ou lamentações
próprias do jus espeniandi criminalístico,
o instituto deve ser considerado positivo e aperfeiçoado, sobretudo diante de
condutas de grupos de criminosos organizados que destroem as bases sociais,
corrompem valores sociais e democráticos e aprofundam as distâncias e
desigualdades econômicas e sociais entre as pessoas.
Referências
bibliográficas.
Oliveira, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal 13ª ed.
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2010.
[1] “A
delação premiada não é recente no Brasil, vindo a remontar desde o Brasil
Colônia, época em que vigia as Ordenações Filipinas,
tendo nessa época uma legislação
rígida, já que a pena de morte e o degredo eram
permitidos. Assim como era permitido
Nobre AMIGO,
ResponderExcluirEscrever é um trabalho dos mais duros e dos mais difíceis, não são todas as pessoas que têm coragem suficiente para enfrentar esse tipo de empreitada.
Parabéns!
RC
Precioso e Dileto Amigo, muito grato por sua gentil leitura e por suas palavras, tão ricas e motivadoras, abraço
ExcluirMeus parabéns nobre amigo escritor, e Dr.Eloi,Esse é o caminha das pedras onde às ondas marítimas batem,batem,Até que a pedra seja furadas,Assim é as ampliações em manter o ato na tonicidade dupla nos aspectos semântico.
ResponderExcluirGrato, Precioso Paulino, abraços, Amigo.
Excluir