sábado, 2 de novembro de 2019

QUESTÃO DE VÍRGULA OU MORTE

Uma historieta jocosa, que desliza sob a oleosidade dos séculos, chegou-me aos ouvidos no final de minha adolescência, à sombra saborosa do círculo teológico do saudoso Mestre Natanael Lopes, pelo, hoje, octogenário e sempre empreendedor Jorge Ribeiro.

Segundo essa anedota, certo soberano, cujo povo via a sagrada paz ameaçada por guerreiros gigantes, recebeu o mensageiro que enviara a consultar o sucesso da inadiável peleja:
-Vai não morrerás- transmitiu-lhe.

Findo o renhido combate, que ao nosso valoroso rei custara a vida, seus ministros vieram cobrá-la à pitonisa, que lhe dera palavras trocáveis. À face dos irresolutos interrogadores, respondeu a advinha que assim fora dito ao incauto mensageiro: “Vai não, morrerás”.

Em algumas versões (não referidas por Ribeiro), que constam de manuscrito antigo cuja autenticidade o arqueólogo Jorge de Souza confirma, a culpa recai sobre o infeliz do portador das novas, lançado a feras famintas. Noutra, culpa-se a pitonisa, por induzir o majestoso à mortífera má interpretação.
Numa mais rara peça arqueológica, escrita em fragmento de cedro do Líbano, retirada à cheia do Nilo, cuja autenticidade ainda se estuda, sentenciam-se à morte tanto o mensageiro como o emissor, por faltarem à vital clareza de tal mensagem e perigoso desconhecimento de seu código.
Bem, nada de mais mortes, vamos ao ponto final, que, sem trocadilhos, é também um bom modo de pôr fim ao texto e com o qual poupam-se os olhos do estimado leitor.
Elói Alves

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