É bom ter amigos. Principalmente amigos
gentis. Eu guardo alguns e algumas em uma lista de coração, digo, de cor, que
dá no mesmo, pelo latim, uma língua considerada morta por muitos. Lembrei-me
disto a propósito de uma crônica onde um amigo achou algo que nomeou como:
Sabedoria. Agradeci a gentileza, que julgo própria daquela alma pura que
adoçou-me a vida no período da faculdade, corrido e extenuante. Não lhe pedi
mais análises filosóficas ou semânticas, nem literárias. Infelizmente, hoje a
Sabedoria não está assim tão à mão ou tão aos olhos - nesta era de miopia de
alma.
A
Sabedoria era em outro tempo muito encontradiça. Houve quem lhe contou mil
casas numa certa cidade antiga, onde repousava. Ali reunia-se com sua irmã mais
próxima, que chamava-se Prudência, guardiã da Discrição.
Além de suas casas, vivia nas de seus amigos, onde era
querida e sempre bem vinda. Em Somos, viveu um tempo grande com Pitágoras. A
pesar de evitar uma ágora onde houvessem sofistas, gostava de deixar-se pelas
praças e pelas ruas. Conta dessa época sua amizade com Diógenes – o cínico.
Sua afinidade com tais homens fez surgir os filósofos – que
eram os amigos da Sabedoria. Depois surgiram homens que não a conheciam e
chamavam a si mesmos de sábios.
Mas os impérios se fortaleceram. A Soberba e Impiedade
foram então honradas nos palácios e nas praças, condecoradas com moedas de
ouro.
E a Sabedoria exilou-se em lugares longínquos.
Contam uns manuscritos históricos, resgatados por
arqueólogos, que nos tempos da idade média, um ermitão que fugira para as
grandes florestas da Escócia ali conviveu com ela. Era uma vida impar. Grandes
cavaleiros o foram encontrar, perdendo-se pelas florestas e morrendo nelas.
Dizem que eram assassinados pela Ganância. É dessa época o desaparecimento de
muitos cavaleiros da távola redonda. Mas Ricardo Coração de Leão com seu grande
amigo Ivanhoé, quando se refugiaram naquelas florestas, no exílio pela libertação de seu povo, encontraram o ermitão.
Este lhes salvou a vida, com abundantes vinhos e carne de javali. Mas a
sabedoria - contou o ermitão aos nobres cavaleiros - morrera dias antes de
solidão e tristeza.
Meu amigo deixou-me
curioso de saber se há por aí ainda alguma pequena notícia da Sabedoria.
Quereria saber ao menos onde está sua última casa, para passar por lá, com
algumas flores, neste dia de finados.
Elói Alves
do livro Contos Humanos
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