O Brasil não tem monarquia, já há mais de cem anos, mas tem reis, diversíssimos, inumeráveis. E como um rei não vive com pouco, dito antigo de Rabelais, é preciso vesti-los, a cada canto e por todo o corpo, com a mais esplêndida gastança.
Nem sempre se há de querer rei com pompa em toda potestade ou o sonho com a volta dos que se foram, como o imortal e desaparecido D Sebastião. Na Suécia mesmo dá-se outra coisa que em Roma e numa outra república abaixo dos trópicos. Lá, se o rato roer a roupa do primeiro ministro, este terá de costurá-la, pois não dispõe de mil servos para servi-lo à cama sempre que o queira, e a todo canto, a tempo e hora:
-A comida do rei!
-O vinho do rei!
-As calças do rei!
-O avião do rei!
-As diversões do rei!
-As diversões do rei!
Mas abaixo da linha do equador não há pecado, já se dizia no período da colonização. Ausência de títulos hierárquicos ou nobiliárquicos não os desautoriza a vida que exigem e que lhes dão; ao contrário, autoriza-os muito maior disposição ao preito e à realeza, mesmo despido de toda nobreza. Assim, o deputado reina com toda grandeza; o vereador, com toda imponência; os ministros, com toda gastança, convictos da grande tolerância das leis flexíveis e da bajulação dos que se lhes curvam como a um trono, tendo o país um rei para cada parte, mesmo que se reúnam todos em só um canto, para juntos melhor roerem o que o trabalho alheio, o suor e a exploração ajuntaram.
Elói Alves
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