quarta-feira, 8 de agosto de 2012

AZIRALDO, O AZARADO

     Chamam-me Aziraldo e estou em férias e de repouso. E meu descanso agora se estenderá para além dos meus dias de folga.
Mas acham que estou sob meus planos? Pois que não. Se querem saber quais eram, já lhes digo: ia à praia, escrever uns sonetos na areia.
     Mas eis que choveu no primeiro dia. E choveu a tal ponto que recolhi as malas a um canto e fui à janela ver se passava. Mas as ruas foram se enchendo, mais e mais. No segundo e no terceiro dia pouco mudou. Parava a chuva, vinha a garoa. Cessava o trovão, vinham os raios.
-Que venha o dilúvio, seu São Noé!
     Mudei de planos: fui à estante e peguei de um livro. Mas, hahhhh! Pensam que eu perco o pique? Fui atrás de umas redes que ganhei de uns índios quando fui anos atrás à Amazônia. Coisas boas e invejáveis! Todas trançadas artisticamente no cipó. Mas onde andavam? Os cipós ainda tinham pernas.
     Não perdi tempo. Fui à cama e puxei do lençol, que me veio sorrindo, malicioso. Oh, terei minha rede, pensei.
     Finquei-o entre a janela, dando-lhe um nó cego, e um gancho na parede oposta. Saquei do livrinho, e para que ler..., se eu podia comtemplar a chuva e me vingar dela, superiormente?
Foi o que fiz. A tal ponto que relaxei e balancei.
     Vezes e vai!
     Vezes e vem!
     Já chego ao Japão,
     Já volto ao Brasil!
     Quando meu primo entrou pela sala, lancei-lhe as poesias levemente pelos ares e lhe gritei:
     -Oh, Luis, vais de Camôes?
     Ele não ia nem foi. Correu ao meu encontro, quando viu que o lençol se rompia, ralando na coluna da parede. E, antes de qualquer coisa, fui eu imediatamente ao chão.
     Abrevio, caro amigo e simpática amiga. Escrevo-lhes do hospital. Estou de bruço e enfaixado por toda as costas, que é agora navegada por umas coceiras irritantes que não acabam nunca e que não posso coçar.
     Meu primo, pensando em amenizar meus dias sobre essa cama estreita e dura, trouxe-me as poesias de volta; porque, certamente, serviria agora mais a mim que a ele, que ia à praia, já que o sol saiu e já queima forte.
     Mas espera! Deixa fazer que estou dormindo, que a enfermeira lá vem com remédio amargo e sopa sem sal.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:

http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

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