segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ausência e lembrança: uma homenagem

       IN MEMORIAN: O prof. Natanael e sua obra

       Viverá, ainda, o inenarrável mestre, mesmo sob aparente sombra em último instante e privado à derradeira hora de seu locus sacro, dos templos, em cujos altares tão imensurável obra pôde erguer, pelo seu ensino e por sua palavra, de que foi mestre impar? Locus sacro, onde seus prediletos cânticos, em voz uníssona de coral de amigos, com quem conviveu duradouramente, como família verdadeira que idealizara, se ouviria mais vivamente?
Para quem ama, mortos estão os passageiros vermes e não aquele, de Viva Imagem, cujo símbolo material restante os pequenos monstros familiares roem. E como são, amiúde, tão próximos os vermes. Roem e rerroem e ainda querem roer. Mas não roem e jamais poderão, nem em pensamento, roerem a imagem majestosa de um grande homem, de um imenso soldado, um Aquiles a serviço do bem e da vida.
         O REVERENDO _como era respeitosamente chamado, quase um cognome_ foi tudo isso. Chamaram-no também certa vez, no Rio de Janeiro, de Gamaliel do século XX.
         De feito. No ensino foi mestre quase inigualável. Fora capaz, como poucos grandes mestres, de, do alto de sua elevada cultura, ensinar com simplicidade franca. Ensinou a milhares. Há por aí homens nas maiores universidades do mundo que passaram por suas mãos. Foi amigo de muitas autoridades públicas sem nunca se deixar ambicionar pela mesquinhez do poder.
         Como orador sacro passou por quase todo o país, juntando em sua pregação, de um modo raro, a clareza, o saber e a eloqüência. É frase sua haver “ o missionário de fato e o de asfalto”.Um, o de asfalto, prega somente nos melhores lugares; o outro, o de fato, pregava em quaisquer lugares a onde o chamavam: ao frio e ao sol, à chuva e ao barro.
         Aí exatamente se encontrava o REVERENDO como pregador: nunca exigiu nada para levar sua clara e calma, inspirada e sábia palavra. Certa vez rasgou o sertão da Bahia ao lado de um conhecido missionário de Diadema em SP. Foi lá que fez, como tantos, um maravilhoso sermão.”De quem é este segundo carro”, dizia ele, referindo-se a José do Egito. A inspiração trazia seu bom humor e a observação, pois baseava-se em dois jegues que vira naquele sertão (esta pregação para alegria dos paulistanos fora repetida em Vila Nova Cachoeirinha, em reunião coordenada pela grande líder Estelita Timóteo Peixoto.
         Que diremos, pois, os amigos que vivemos sob teto igual, a ouvir os preceitos de sua mestria e a admirar suas histórias, em narração clássica? Nós que ouvíamos ao anoitecer seu peculiar ressonar, muitas vezes introduzido por leituras de amigos? Vivíamos, pois, felizes.
        O que está erigido é obra a qual os ventos impetuantes não podem levar ao chão. Nenhuma intriga intestina, nenhum desarranjo conhecido, nenhuma desconsideração mais íntima poderá derribá-la, ou sequer abalá-la. As instituições que fundou e dirigiu cumpriram o seu papel, segundo seu propósito. Os por ele educados e instruídos levam agora, em mãos firmes, a bandeira de sua ética e de sua fé viva e pura.
       Como homem foi plenamente realizado. Amou plenamente as coisas que fez. Viajou, conheceu, ensinou, fez grandes amigos, comeu de tudo enquanto pode, sorriu como criança e viveu feliz. Bonam pugnam pugnaui, combati o bom combate, diz o Grande Pregador-Reverendo, em metro heróico, com o maior dos apóstolos.
       Estive com ele no hospital, mais de hora, na tarde do último domingo que passara aqui. Era dia dos pais. Estava absolutamente lúcido e iluminado. Sentou-se a minha frente. Eu aos seus pés como um discípulo. Relembramos em colóquio fraterno nossas velhas histórias; rimos muito, até mesmo dos dois jegues do sertão. Afastei-me definitivamente na hora derradeira para viver na solidão dos meus sentimentos a sinceridade de minha consciência, e assim afastar-me do reino social da nefasta hipocrisia, tão combatida por ele. Ademais, assim agindo, associava-me a ausência de muitos ex-condiscípulos que o amaram com a alma e sendo inocentes e ignotos de sua partida.
        O REVERENDO viverá ainda, ad aeternum. O monopólio petulante dos microorganismos, cujas mazelas afetam o espírito, dura menos que um instante. O que persiste é a vida da memória, uita memoriae, num dizer de Cícero. Sinto agora um sereno vento que envolve o meu peito, dizendo com voz de profeta que a este rudimentar discurso memorialista se somaram coros diversos. Força nenhuma os calarão, alçarão do alto de seus púlpitos as grandes homenagens que lhe não puderam dar, junto a altar sacro, em uma despedida solene. Sua memória congregará, na lembrança de seu honrado nome, muitos dispersos que o amaram. Mas não haverá, por Deus, nem tristeza nem histerias. PAX AD AETERNITATEM
Elói Alves
(Discurso epidídico, escrito e pronunciado em São Paulo  por ocasião do passamento do renomado mestre Professor Natanael L. França- de quem fui aluno e secretário- lembra agora (2009) o terceiro ano de sua sentida ausência.)
A querida mestra Estelita, citado no texto, faleceu em 2010.

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

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