sábado, 15 de julho de 2017
domingo, 9 de julho de 2017
A REPRESENTAÇÃO DA ESCOLA NA LITERATURA BRASILEIRA: A EDUCAÇÃO EM SÃO BERNARDO
"Liberdade completa ninguém
desfruta: Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia
de Ordem Pública e Social"
Graciliano Ramos
O governo tratou de organizar a educação
de cima para baixo, mas sem envolver uma grande mobilização da sociedade.
Boris
Fausto
Todas as iniciativas da chamada reforma
educacional realista, por exemplo a de Montessori, no fundo eram hostis à
imaginação. Elas conduzem a uma aridez e até mesmo a um emburrecimento a que
precisamos nos opor.
Theodor
Adorno
Introdução.
Várias obras do escritor alagoano
Graciliano Ramos têm sido importantes fontes para os estudos feitos por
destacados pesquisadores que se inclinam a verificar como os mais destacados
literatos brasileiros viram o Brasil a sua época. Assim, por exemplo, com O
Brasil de Rosa, Luiz Roncari procura discutir algumas obras de Guimarães
Rosa como as de um intérprete do Brasil, de forma peculiar que apreciou
os costumes da vida pública junto aos da vida privada e a gestação de seus
paradigmas.
Já Willi Bolle, em grandesertao.br,
trabalha a obra prima de Rosa, Grande sertão: veredas, com uma reescrita
crítica de Os sertões, de Euclides da Cunha, escritor brasileiro
que observou in loco o extermínio do povoado de Canudos, liderado
por Antônio Maciel, o conselheiro, no final do século XIX. Nesse sentido,
considerado por muitos como a obra prima de Graciliano, São Bernardo
(1334) tem importância impar na interpretação do Brasil por volta da década de
1930.
No estudo do retrato montado por
Graciliano Ramos não se pode desprezar as questões históricas que caracterizam
o país nas primeiras décadas de sua República, tampouco a economia, por meio das
atividades que a alavancam, a política ou outras questões sociais como parte da composição que dá, no romance, a ideia de totalidade. Aí, no interior
desses aspectos, encontra-se também a educação, questão fundamental a este
trabalho. Nela é importante notar como a escola é retratada na obra, quais o
valor e função da educação que permeiam a obra, ou quais são eles,
considerando-se olhares diversos dos personagens que se confrontam ao longo do
romance, como o de Paulo Honório, proprietário da fazenda, à qual imprime
um ritmo de produção violento e mantém uma relação de reificação com as pessoas
que o cercam e o de sua mulher, professora com tendência à socialização dos
lucros, ao revés da postura do marido.
Ainda, dentro da noção de educação que se quer
discutir na obra, é importante observar no quadro das personagens a figura de
Padilha, o mestre-escola escolhido por Honório. A afirmação do latifundiário
segundo a qual “o governador se contentaria se a escola produzisse alguns
indivíduos capazes de tirar o título de eleitor” (p. 20) oferece já boa noção
de como Paulo Honório trata o assunto. Para auxiliar e embasar melhor as
discussões da obra de Graciliano acima será de relevante importância sua obra
de cunho histórico e testemunhal, Memórias do cárcere, em que o autor
relata aspectos importantes de sua passagem pelo cargo público de “diretor de
instrução pública" (1933-1936).
A
propósito das questões acima, alguns textos que tratam do tema sobre educação
são trazidos ao trabalho. Assim, “Educação para quê?” e outros, do livro
Educação e emancipação, de Theodor Adorno, Revista de educação A E C (DEZ. DE
1996) são citados ipsis litteris. Também serão usados outros estudos
sobre a obra de Graciliano, como Ficção e confissão de A. Cândido, o
ensaio crítico “O mundo à revelia”, de Lafetá. Outros textos ou são referidos
no corpo do trabalho ou o são na bibliografia na última página.
São Bernardo: o latifúndio e o lucro
Para mim São Bernardo era o lugar mais importante do mundo
Paulo
Honório
Em São Bernardo, romance de Graciliano
Ramos, escrito em 1933 e publicado em 1934, tem-se a representação do
latifúndio peculiar e típico do Brasil à época das primeiras décadas da República brasileira. Superando o modelo de administração patriarcal e o sistema
rudimentar de produção agrícola característico da monocultura de produção,
utilizando já mão de obra assalariada com divisão regulada do trabalho e
empregando um diversificado e pesado maquinário, o proprietário imprime um
ritmo veloz e firme em seu sistema de produção destinada ao lucro, inserindo-se
assim nos contextos do capitalismo de então.
Para o antigo proprietário que a herdara
do pai, a fazenda só tinha valor sentimental. Tendo-a adquirido, Paulo Honório
faz melhorias e investimentos diversos. Açude, pomar, criação de galinhas
orpington, gados, o limosino, o Shuitz, pomicultura, avicultura, plantações de
algodão e mamona, serraria, dínamo, pedreira, descaroçador, prensa, banheiro
carrapaticida, telefone, eletricidade, casas para os empregados, automóvel, a
estrada de rodagem construída sem ajuda do governo, igreja, gados, estradas
asfaltadas etc.
O sistema de produção é diversificado e
todo seu mecanismo busca um enquadramento no sistema econômico cujo objetivo é
o acúmulo de capital, por meio de uma propriedade “regular”, num vocábulo
recorrente de seu proprietário. Somados todos esses aspectos, pode-se, pois,
antever um caráter simbólico de modernização encarnado pelo proprietário de São
Bernardo.
Não
obstante, nesse modelo de proprietário há a figura do coronel regional, com
votos contados para o partido, cercado de capangas e que decide até onde vão os
limites de suas terras, onde fazer suas cercas, a quem destinar proteção e o
que fazer com seus inimigos, que, deliberadamente, nada mais é que eliminá-los
ou subjugá-los.
Considerações sobre Paulo Honório.
Paulo Honório é um homem de experiências
brutas. Sua história é contada de um modo direto, sem voltas e sem remorsos,
percebendo-se já em sua narrativa uma analogia de seu modo de agir com as
pessoas e as coisas. No terceiro capítulo o narrador volta cinquenta anos na
linha do tempo e relata por cima os acontecimentos que julga mais decisivos
para que o leitor crie a imagem dele. A vida de misérias na infância, trabalhos
forçados, negócios e violências no sertão, o crime que o deteve na cadeia por
“três anos, nove meses e quinze dias”, onde aprendera a ler “na bíblia dos
bodes”. “Sei lá como principiei!”- diz ele à mulher. "Quando dei por mim,
era guia de cego. Depois vendi as cocadas da velha Margarida” (p.115).
Embora alegue dificuldades e até
fraquezas, Paulo Honório se mostra intrépido diante dos obstáculos, não temendo
quaisquer perigos. Honório é a representação dos tempos novos que trazem a
renovação, vencendo a estagnação de tipo vário, como econômica e técnica, e
atropelando obstáculos. Em seu ensaio “O MUNDO À REVELIA” (pós-fácio à edição
Record, 51 edição) joão Luiz Lafetá escreve:
Paulo
Honório, representante da modernidade que entra no sertão brasileiro, é o
emblema complexo e contraditório do capitalismo nascente, empreendedor, cruel,
que não vacila diante dos meios e se apossa do que tem pela frente dinâmico e
transformador.
Ora, é essa a impressão mais forte que se
pode extrair do caráter de Honório, das ações que vão dando ideia da composição
desse ethos. Assim, vai-se deflagrar a postura reificadora dele para com
as demais pessoas de sua convivência e com ela sua perspectiva nas relações
humanas e, por consequência, nas questões sociais como a educação.
Considerações sobre Madalena.
Madalena surge, no romance, no momento em
que a posse de São Bernardo está totalmente concluída e sua engrenagem em pleno
funcionamento. Professora de “primeira entrância”, vinda da “escola normal”,
Madalena fora criada pela tia enfrentando dificuldades e privações. Após uma
das brigas, relata parte de sua história, como peça de defesa da tia:
Morávamos
em casa de jogador de espada, disse Madalena. Havia duas cadeiras. Se chegava
visita, d. Glória sentava-se num caixão de querosene. A saleta de jantar era
meu gabinete de estudo. A mesa tinha uma perna quebrada e encostava-se à
parede. Trabalhei ali muitos anos. À noite baixava a luz do candeeiro, por
economia. D. Gloria ia para a cozinha resmungar, chorar, lastimar-se. O hábito
que ela tem de cochichar vem desse tempo. Dormíamos as duas numa cama estreita.
Se eu adoecia, d. Glória passava a noite sentada; quando não aguentava de sono,
deitava-se no chão (p. 116).
Sua primeira menção no romance vem a
propósito de uma conversa de homens ociosos: “No outro dia, de volta do campo
encontrei no alpendre João Nogueira, Padilha e Azevedo Gondim elogia umas
pernas e uns peitos” (45). A formação de Madalena, sua visão de mundo, seu modo
de se relacionar com os outros, o oficio de escrever para o jornal, não tendo
espaço em primeiro plano, vão depois ser rechaçados por completo.
A origem da escola
O primeiro aspecto sobre a escola em São
Bernardo que se torna chamativo é o que a aponta como uma instituição tardia
que não acompanha o desenvolvimento de nenhuma outra atividade da fazenda.
Parece algo despropositado. Alíás, pelo modo de ver de Paulo Honório, ela é
mesmo algo arbitrário para a fazenda, e o é, a efeito, pelo sentido que lhe
atribui. Sua necessidade e sua exigência só são sentidas por ocasião da visita
do governador: “O governador gostou do pomar, das galinhas Orpington, do
algodão e da mamona, achou conveniente o gado limosino, pediu-me fotografias e
perguntou onde ficava a escola. Respondi que não ficava em parte nenhuma” (p.
43).
Seu surgimento, embora necessário, mostra
bastante algo de adventício, desvinculando-se de tudo mais nos termos da
propriedade. Além do que essa necessidade é sentida por alguém que vem de fora,
sem uma profunda legitimação do poder interno, o que a confirma como algo
desprivilegiado ali. As razões da negligência com a existência da escola são
percebidas no fluxo de consciência, visto por meio da narrativa. “No almoço que
teve champanhe, o dr. Magalhães gemeu um discurso. S. exa. tornou a falar na
escola. Tive vontade de dar uns apartes, mas contive-me”.“Escola! Que me
importava que os outros soubessem ler ou fossem analfabetos” (p.44).
No entanto, a razão mais contundente desse
modo de enfrentar essa questão só se esclarece à luz de uma ideia rentável.
"Fui mostrar ao ilustre hóspede a serraria, o descaroçador e o estábulo.
Expliquei em resumo a prensa, o dínamo, as serras e o banheiro carrapaticida.
De repente supus que a escola poderia trazer a benevolência do governador para
certos favores que eu tencionava solicitar. -Pois sim
senhor. Quando V. exa. vier aqui outra vez, encontrará essa gente aprendendo
cartilha.” (p.44).
A propósito desse assunto, a “invenção de
um espaço de ensino”, vem abaixo um excerto da professora Magda Soares:
"A
diferença fundamental entre o aprendizado corporativo medieval e o aprendizado
escolar que se difundiu no mundo ocidental a partir sobretudo do século XVI
foi, segundo Petitat, “uma revolução do espaço de ensino, pela substituição dos
locais dispersos mantidos por professores ‘independentes’ por um prédio único
abrigando várias salas de aula’; como consequência e exigência dessa invenção
de um espaço de ensino, uma outra “invenção” surge: um tempo de ensino – “uma
vez os alunos encerrados num grande espaço, a ideia de sistematizar o seu tempo
iria se desenvolver”, ideia que se materializou não apenas numa organização e
planejamento das atividades, mas estendeu-se ao próprio conhecimento a ser
ensinado e aprendido. “resultando numa gradação sistemática e numa divisão
correspondente das matérias” (Petitat, 1992:144). É assim que surgem os
graus escolares, as séries, as classes, o curriculum, as matérias e
disciplinas, os programas, em fim, aquilo que constitui até hoje a essência da
escola. (REVISTA DE EDUCAÇÃO AEC, out/ dez. de1996, p. 9-10)
O caráter histórico das transformações do
espaço escolar apontado no excerto acima aparece apenas em parte na escola que
aparece no romance. Devido a sua inserção no tempo histórico e também a noção
de totalidade dentro da necessidade de uma propriedade moderna, a escola tende
a cumprir alguma especificidade. Não obstante às definições de local, isto é, o
espaço de ensino, a disciplina escolar dada, ou, nas palavras de Honório, a
“cartilha” etc, as dívidas diante das exigências educacionais são grandes e mesmo
insuperáveis, devido exatamente ao espírito conceitual que lhes dá origem. “__ Esses
homens do governo têm um parafuso frouxo. Metam pessoal letrado na apanha da
mamona. Hão de ver a colheita” (p.44), afirma o proprietário de São
Bernardo.
O estatuto da escola da fazenda só pode
ser lido a partir de um conhecimento prévio do ethos ou do tipo de homem
que é Paulo Honório, seu fundador e proprietário. Centralizador e autoritário, busca uma racionalização máxima de todas as atividades em suas terras. A
primeira conversa dele com a professora que seria sua esposa parece bastante
ilustradora das diferenças de concepção de mundo e, conseqüentemente, como
ambos veem o homem. “Na estação d. Glória apresentou-me a sobrinha, que tinha
ido recebê-la. Atrapalhei-me (...). __ D. Marcela disse-me que o senhor
tem uma propriedade bonita, começou Madalena”. “__ Bonita? Ainda não reparei.
Talvez seja bonita. O que sei é que é uma propriedade regular” (p.81).
A racionalização típica do sistema de
produção “regular” que se busca ali implica também o modo de tratamento
destinado aos homens. Neste ponto parece adequado notar o sentimento que
Honório nutre em relação ao que há no mundo. Antônio Candido vê nisto uma
patogênese:
Paulo
Honório, por sua vez, é a modalidade duma força que o transcende e em função da
qual vive: o sentimento de propriedade. E o romance é, mais que um estudo
analítico, verdadeira patogênese desse sentimento. De guia de cego, filho de
pais incógnitos, criado pela preta Margarida, Paulo Honório se elevou a grande
fazendeiro, respeitado e temido, graças à tenacidade infatigável com que
manobrou a vida, pisando escrúpulos e visando o alvo por todos os meios (Ficção
e confissão, Ensaios sobre a obra de Graciliano ramos, p. 25-26).
Essa postura, esse modus vivendi, em
modelo acabado, transforma-se numa ética humanamente bastante cruel que é, em
essência, uma postura reificadora, que busca a transformação de pessoas em
coisas. O fragmento abaixo mostra bem esse comportamento do fazendeiro:
Uma tarde
subi à torre da igreja e fui ver Marciano procurar corujas. Algumas se haviam
alojado no forro, e à noite era cada pio de rebentar os ouvidos da gente. Eu
desejava assistir à extinção daquelas aves amaldiçoadas. (..) Ali pelos cafus
desci as escadas, bastante satisfeito. Apesar de ser indivíduo medianamente
impressionável, convenci-me de que este mundo não era mau. Quinze metros acima
do solo, experimentamos a vaga sensação de ter crescido quinze metros. E
quando, assim agigantados, vemos rebanhos numerosos a nossos pés, plantações
estirando por terras largas, tudo nosso, e avistamos a fumaça que se eleva de
casas nossas, onde vive gente que nos teme, respeita e talvez até nos ame,
porque depende de nós, uma grande serenidade os envolve. Sentimo-nos bons,
sentimo-nos fortes. E se há ali perto inimigos morrendo, sejam embora inimigos
de pouca monta que um moleque devasta a cacete, a convicção que temos da nossa
fortaleza torna-se estável e aumenta. Diante disto, uma boneca traçando linhas
invisíveis num papel apenas visível merece pequena consideração (p. 156).
É interessante pensar como esse
comportamento tão desprovido de sensibilidade se aflora quando o assunto exige
um olhar voltado para a qualidade da vida das pessoas, como é o caso da
educação. Um dia depois da visita do governador o mestre-escola já está
escolhido. A propósito do assunto as opiniões vão se perfilando.
__
Magnífico! Exclamou Azevedo Gondim com um sorriso que lhe achatou mais o nariz.
Aceitou o meu conselho, hem? Não há nada como a instrução”. João Nogueira,
advogado da fazenda, “passou os dedos pela testa e pressagiou, distraído, que a
escola teria grande utilidade (p. 48).
De pronto, encolhendo os ombros, Paulo
Honório dá as explicações:
__Sei lá!
Não acredito Tanto que resolvi aproveitar o Padilha. Está claro que se poderia
arranjar uma boa escola rural, com ensino razoável de agricultura e pecuária.
Mas onde vou encontrar técnicos? E que dinheirão! Por enquanto é apenas um
bocado de leitura, escrita e conta. Você estará em condições de encarregar-se
disso, Padilha? (p.48).
Herdeiro de São Bernardo, Padilha endividou-se
e acabou vendendo a propriedade. Agora escrevia alguns contos, de que se
envergonhava, para o Cruzeiro, jornal de Gondim, situacionista financiado pelo
governo. Para Honório, Padilha era apenas um “preguiçoso” a quem queria
envergonhar. Aqui tem-se o mestre escola escolhido. Um professor em quem o
próprio dono da escola não vê qualidades para o cargo. Sua escolha nada mostra
senão a própria maneira de Paulo Honório enfrentar a questão da educação. No
limite, já está presente o comprometimento do tipo de ensino que se vai
ministrar, devido justamente a uma escolha de cunho autoritário da educação dos
outros, como diz o trecho seguinte de Theodor Adorno.
Em relação
a esta questão, gostaria apenas de atentar a um momento especifico no conceito
de modelo ideal, o da heteronomia, o momento autoritário, o que é imposto a
partir do exterior. Nele existe algo de usurpatório. É de se perguntar de onde
alguém se considera no direito de decidir a respeito da orientação da educação
dos outros. As condições provenientes do mesmo plano de linguagem e de
pensamento ou de não-pensamento_ em geral também correspondem a este modo de
pensar. Encontram-se em contradição com a ideia de um homem autônomo,
emancipado, conforme a formulação definitiva de Kant na exigência de que os
homens tenham que se libertar de sua auto-inculpável menoridade ( Educação e
emancipação, p.141).
Padilha de fato não é nenhum entusiasta da
causa da educação. A primeira e única coisa pela qual perguntou foi a
remuneração. “Luiz Padilha informou-se do ordenado e declarou que vivia cheio
de ocupações” (48). Acaba ficando, por não ter o que fazer. Aqui, toca-se no,
por assim dizer, calcanhar de Aquiles da profissão, que é a questão salarial.
Madalena recebia como professora de “primeira entrância” um salário de cento e
oitenta mil (180 000) reis. Mestre Caetano que trabalhava quebrando pedras na
fazenda recebia mais de três vezes a mais, exatamente seiscentos mil (600 000).
Paulo Honório informando-se do ordenado da professora responde em tom de despropósito.
“Criem Galinhas!” Para quem todas as atividades se reduzem ao lucro, não há
sentido numa profissão dessas.
A ruptura decisiva entre a professora e
fazendeiro se dá exatamente quando decidem se unir nos laços estreitos do
casamento. O modo de ser simples e humanitário de Madalena nada tem a ver com o
de seu marido. No fundo ela tinha grande compaixão pelas pessoas que
trabalhavam e moravam na fazenda. O Lado humano e ao mesmo tempo o desespero de
Madalena aparecem durante o espancamento de Marciano por Paulo Honório: “É
horrível Bradou Madalena (...) __ Ah! Sim! Por causa do Marciano. Pensei que
fosse coisa séria. Assustou- me.” Diz Honório.”
Nos termos de suas terras, Paulo Honório
nunca vê o homem, o ser humana em sua essência.Logo todo o tratamento que lhe
dirige é ipso facto autoritário. Não poderia, assim, existir ali uma educação
voltada para aspectos de valorização da vida em seus meios mais elementares. Um
tipo de educação nesses termos tem sido uma carência dos tempos modernos. Nesse
sentido a obra de Graciliano é tanto verossímil como uma obra histórica. Tanto
no âmbito federal, com o regime de Vargas por quem Gracilino fora preso, como
regionalmente, o século vinte foi infelizmente uma época de opressão ao homem e
à educação e cultura. O professor Francisco Monforte, ex-ministro da cultura
fala baixo sobre esse aspecto:
Se no
universo da cultura o centro está em toda parte, o centro da cultura é o homem.
(...) uma inspiração humanística e democrática. Mas creio que as relações entre
educação em cultura vem sendo empobrecidas, por uma visão supostamente moderna (
Guia de cultura da Universidade de São Paulo, maio de 2007, p.16).
É exatamente este aspecto que afasta
educação e cultura em função de algo pretensamente objetivo ou funcional, sendo
um importante mecanismo que emperra o aspecto humano tão fundamental em
educação.
Elói
Alves
sábado, 6 de maio de 2017
O BRASIL SERÁ VIÁVEL COM SEUS POLÍITCOS VICIADOS - Perguntero
Será que algum dia o Brasil andará para frente tendo como líderes os políticos doentes que roubam sempre mais e administram sempre para si mesmos, aumentando sempre mais a conta paga pelo povo ridicularizado por eles?
Será que o problema do gasto público resolve-se com o trabalhador pagando impostos por mais tempo e recebendo menos ou na má gestão dos políticos viciados e corruptos que desviam boa parte do dinheiro dos impostos?
sábado, 1 de abril de 2017
QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS APONTADAS NO LIVRO “DEZOITO BRUMÁRIO DE LUÍS BONAPARTE”.
(O texto a seguir é de autoria do historiador e professor Jomar Souza)
“Que os meus ideais sejam
tanto mais fortes quanto maiores forem os desafios, mesmo que precise transpor
obstáculos aparentemente intransponíveis. Porque metade de mim é feita de
sonhos e a outra metade é de lutas.” Vladimir Maiakóvski.
PARTE I
O texto,
encomendado por um jornal americano interessado pelos acontecimentos de então,
na Europa, não tirou de Marx a preocupação em manter o rigor teórico, marca que
o perseguiu por toda a sua trajetória intelectual-militante, reconhecida até
pelos adversários mais duros como Max Weber.
Ali aparece, junto à forma jornalística, uma imensa argúcia analítica,
fazendo do seu Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, um libelo digno de admiração
também pela estética, que combina a ironia mordaz com certa elegância inspirada
em leituras de gigantes da cultura alemã como Heine e Goeth. O livro confirma o
perfil polemista que desde a juventude usou como estratégia para dialogar com
obras de titãs como Kant, Aristóteles, Hegel e os coadjuvantes do idealismo
alemão, pertencentes à “esquerda hegeliana”, destacando o mais proeminente
dentre eles, Ludwig Feuerbach.
Esse escrito
elaborado durante o exílio em Londres, entre os meses de janeiro e março de
1852, ou seja, na sequência imediata ao “coup d‟ État” em 2 de dezembro 1851,
apresenta um Marx maduro, capaz de usar todo seu arcabouço teórico
materialista-dialético para compreender e explicar os acontecimentos políticos
e conjunturais da Europa e, em particular, da França.
Marx
acompanhou com grande interesse, através de livros, jornais e informes de
camaradas da Liga Comunista, a história da luta de classe na França, desde a
Grande Revolução de 1789, passando pelos acontecimentos de 1848-1851, até a
Comuna de Paris em 1871, a qual chamou de um “Assalto ao céu” pelo proletariado
parisiense. Se não bastasse tudo isto,
Marx ainda respirava os frescores da Revolução Francesa, pois esse
acontecimento não tinha mais que vinte nove anos quando do seu nascimento em
1818.
É preciso
antes de avançar nos comentários da própria obra, acrescentar que o Marx de
1852, embora arguto, irônico, dono do arcabouço do método do materialismo
histórico-dialético, que já dera passos importantes para compreender a base
material da sociedade capitalista, ainda não tinha pleno domínio sobre os
elementos mais estruturais e fundantes da ordem burguesa, coisa que iria
acontecer poucos anos depois no exílio londrino. Será a partir desse período
que os resultados mais fecundos da pesquisa na área da teoria econômica virão à
tona. Textos como Grundrisse e Contribuição para Uma Crítica da Economia
Política, ambos elaborados em 1858, traziam muito do que foi mais tarde exposto
em O Capital, lançado em 1867.
Agora,
voltando ao “Dezoito Brumário”, Marx abre seu texto com a paráfrase de Hegel: a
repetição na história só ocorre duas vezes, a primeira enquanto versão trágica
e a segunda, pela imposição farsante: O le grand de 1804 pour le petit de 1851!
O
texto é uma análise refinada da conjuntura para entender o porquê do fracasso
da Revolução de Fevereiro de 1848 e como, em lugar de afirmar seu objetivo
inicial, a república, resultou necessariamente em um governo de “tipo” novo, o
qual Marx conceituará de BONAPARTISMO. Diferente daquilo que alguns analistas
alemães contemporâneos de Marx nominavam de cesarismo, o Bonapartismo é
essencialmente resultado da luta de classe em determinadas conjunturas da
sociedade burguesa. A proeza analítica
de Marx leva a antecipar tal conclusão, confirmada pelos fatos que redundaram
na restauração de novembro de 1852, criando o Segundo Império, guiado pela
farsa napoleônica.
O artigo
começa pela apreensão primorosa da estrutura das classes sociais francesa após
a revolução de 1789. Diferente da análise empreendida em O Capital, em que, por
razões metodológicas, tem que abstrair as diferentes classes, para ater-se
apenas em expor a contradição fundante entre o capital e o trabalho, edificada
na relação antinômica da burguesia e o proletariado, no “Dezoito”, o percurso
analítico parte da realidade concreta para compreender a situação concreta da
Revolução de Fevereiro de 1848, a qual foi parida pela divergência entre
interesses econômicos e políticos das cinco classes em movimento de disputa. Os
conflitos trazidos à luz pela burguesia, nobreza, pequena-burguesia,
campesinato e proletariado ditaram os acontecimentos e, ao final de um ciclo de
três anos, um DÉCLASSÉ, um escroque, um violador, um aventureiro da pior
espécie, nas palavras irônicas de Marx, se apresentou, não como um acidente ou
milagre divino a descer a terra como “um raio em dia de céu azul”, mas como o
próprio “deus salvador”, acima de todos os interesses, para amparar com a
intercessão de 500 mil anjos nas alturas da burocracia estatal, assegurar a
sinecura aos vagabundos, a cobrança de impostos aos camponeses, a liquidez
hipotecária ao “lumpesinato financeiro”. O chefe da Sociedade Dez de Dezembro
não deixou de abençoar as guerras e salsichas para o ávido exército nacional, o
bastião da cidadania francesa, dos “droits de l‟homme” que leva à frente em
suas campanhas escrito em sua flag: libertè, fraternitè e egalitè dos
industriais, dos grandes comerciantes, da burguesia agrária. O dieu “Anão” não desamparou nem mesmo seus
concorrentes reais, aproveitando artilharia pesada contra seus castelos,
abençoou as duas casas monárquicas que por saeculum et saeculum usaram suas
bandeiras desbotadas da flor-de-lis e passaram a usar o colorido azul, vermelho
e branco da Marselhesa. “Marchons! Marchons!” porque nenhum cidadão naqueles 20
anos dourados de Bonaparte puderam ficar de fora da contribuição à Bolsa
francesa. Os banqueiros, financistas foram eternamente gratos pelo adjutório
napoleônico como directeur général do État francês. É verdade que “o manto
imperial sobre os ombros de Luís Bonaparte „ruiu‟ do topo da Coluna Vendôme”
tornando-se realidade prevista por Marx, deixando para trás tanto a monarquia
como o mito do “pai” e protetor dos camponeses. Mas, restou a herança política
para burguesia poder usar universalmente, tanto em forma como em conteúdo:
parlamentarismo e Bonapartismo como irmãos siameses da democracia
burguesa.
A partir
daquele período a frase se igualou ao conteúdo: no caso, Bonarpartismo é
sinônimo de NECESSIDADE das frações burguesas que, sendo substituídas
excepcionalmente, sempre que o condomínio PARLAMENTO-, sua forma de governo por
excelência, não consiga resolver diretamente seus interesses conflitantes, ou
quando outras classes ameaçarem a sua hegemonia. Ela, burguesia deve transferir
seu poder político direto, para outrem, em nome de assegurar seu poder
econômico.
Que fique
claro, Marx, assenta sua análise no conflito fundante entre a burguesia – com
suas frações – contra o proletariado, contudo, leva em consideração que outras
classes podem também dirigir momentaneamente o processo das lutas. Portanto, em
última instância, só as classes mais elementares da época moderna, o capital e
o trabalho, que convivem em permanente disputa, poderão superar os antagonismos
de classe. Para pequena-burguesia e o
campesinato, como classes intermediárias,
não resta outro caminho. Para alcançar a vitória definitiva precisa se
aliar a uma daquelas, ou subsumido ao capital, ou em aliança com proletariado
defender a evolução socialista.
PARTE II
1) O método de periodização: cada etapa é
periodizada de acordo com a presença das classes e de seus representantes no
cenário da disputa política, militar e ideológica (propaganda nos jornais).
Marx foge da concepção formal da história positivista muito em voga na sua
época. Não é o simples politicismo liberal, que pensa a política pela política
como mera sucessão de disputas legais, institucionais feitas por políticos
profissionais ou personagens em si; que determinam os rumos dos acontecimentos,
mas a correlação de força entre as classes. Percebe-se nitidamente esta
periodização quando Marx compara as duas revoluções, a de 1789 com a Revolução
de 1848. Ele textualmente afirmava, cada fase da tomada de poder pela burguesia
a partir de 1789, era marcada pelas classes avançadas, uma a uma era empurrada
para frente, fazendo avançar a revolução, substituindo aquelas que se
constituíam como obstáculos revolucionários, ou não conseguia cumprir este
papel; o inverso ocorreu na Revolução de 1848, pois suas fases caracterizaram-se
pelo recuo permanente na medida que as classes ou frações de classe mais
avançadas eram apunhaladas pelas costas para ceder lugar às mais atrasadas,
resultando em vitória, em vitória, da contra revolução. O Partido da Ordem
derrota o Partido Nacional, os republicanos puros e nacionalistas. Da vitória
sobre estes à derrota para os partidários de Bonaparte e, estes reles serviçais
do grande malandro, levam em uma liteira o AUTOCRATA para assentá-lo no trono
em 1852.
São as
ofensivas e defensivas que constituíam cada etapa do movimento. Não era uma
mera sucessão de fatos políticos, mas a luta concreta que determinava as fases
do período revolucionário;
Aqui o
fundamental é a TOTALIDADE: metodologicamente, Marx inclui todos os elementos
da realidade analisada: econômicos, políticos, militares e ideológicos para
apresentar a realidade concreta. Ele não se atém apenas a um elemento, o
econômico, por exemplo. Marx jamais se prendeu ao economicismo para fazer suas
análises, ele sempre se valeu desse elemento como fundante, um ponto de partida
ou chegada, porém sempre combinado com a totalidade do fenômeno em
análise.
2) Por extensão disto, a análise marxiana nega o
determinismo econômico, preservando a autonomia relativa de cada esfera dessa
totalidade: um exemplo disto é a fase em que burguesia financeira, industrial,
agrária e comercial se alheiam dos seus representantes no Parlamento para
preferir o Napoleãozinho, e com isto, manter seu poder econômico em detrimento
de perder o poder político direto. Luís Bonaparte, um desclassificado, sem
vínculos orgânicos com nenhuma das classes, vai ao final das contas governar em
nome do capital financeiro.
Metodologicamente quer dizer que nem sempre a política coincide com a
economia, ou de outra forma, os fatos econômicos imediatos nem sempre espelham
imediatamente a política. É um processo dialético em que as esferas internas
têm lógicas, muitas vezes, autônomas, passando por mediações concretas
diferentes, numa espécie de “curto-circuito”, onde uma nega a outra,
constituindo uma nova totalidade. Nosso
caso emblemático é o próprio Lula ou Léon Blum na França dos anos 1930 com a
Frente Popular. Ambos romperam com sua origem econômica para representar o
projeto burguês. Embora Lula tenha nascido proletário, assim como o Partido dos
trabalhadores, tornaram-se representantes de outra classe. O Próprio Marx e
Engels são originários da burguesia, mas seu vínculo orgânico desde a juventude
foi com o proletariado;
3) Marx rompe com o formalismo político liberal
abstrato de Montesquieu. Este em seu livro “Espírito das Leis” defende a
divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário. Para Marx isto não passa de formalismo, pois,
desconsidera a luta de interesses entre as classes. O que de fato determina os
distintos regimes políticos (monarquia, republicano fascista, parlamentarista,
presidencialista...) não é a decisão formal dos cidadãos, ou legisladores,
através de leis formais, mas, a resultante dos conflitos internos entre as classes
para chegar ao PODER. O politicismo
liberal lança em seus debates apologéticos uma grande besteira: o equilíbrio
entre os três poderes. Isto é uma quimera, pois sempre há uma assimetria entre
eles, sempre um poder é mais forte do que o outro. Durante a democracia
parlamentar, a Assembleia legislativa liderada pelo Partido da Ordem exerceu o
poder sobre o Executivo. Com a mudança das correlações de força, o Executivo,
apoiado pela burguesia de fora do Parlamento, viu cair no seu colo o PODER e
fechar a assembleia de um dia para o outro (o 2 de dezembro de 1851).
4) a presença e liderança das diversas classes
nas lutas, caso de junho de
1848 ou junho de 1849 em que a
pequena-burguesia liderou aqueles
levantes, e depois, foi derrotada
pela aliança burguesa.
5) Na questão do campesinato apresentada no
livro, Marx destaca mais um elemento metodológico: a classe em si e a classe
para si. O campesinato em função do seu modo de produção, disperso em unidades
produtivas, subsumidas ao grande capital, existe enquanto classe em si, porém
essas próprias condições obliteram uma tomada de consciência de pertencimento a
uma classe, seu mundo é individual, sua crença é metafísica em um deus, um
santo, ou um messias. Ela só entra em luta mediada com outras classes. Foi contando com o mito do tio que Luís
Bonaparte contou seus sete milhões de votos: o campesinato acreditou que o
Napoleãozinho iria repetir as ações do Napoleãozão, não só doando terras, mas
perdoando suas dívidas. Marx diz que o campesinato é como um “saco de batatas”,
seu conteúdo se movimenta de acordo com a largura e cumprimento do saco, se o
saco estiver fechado, amarrado, as batatas não se esparramam, ficam presas à
unidade dada pelo saco, sem independência de classe. Até sua grande glória do campesinato em
participar do exército francês, ser cidadão do mundo, espalhar a revolução por
toda Europa, foi solapada pelo Salteador. Em lugar de convocar os camponeses, o
chief executive passou a alistar arrivistas, ladrões, vigaristas pertencentes
ao lumpesinato, membros da Sociedade 10 de Dezembro;
6) A queda do mito Napoleônico: Marx lança,
através de uma frase, uma ilação que depois se confirmará em 1869, quando da
queda do Segundo Império. A frase é: “O culto do Manto Sagrado de Treves – uma
espécie de relíquia sagrada para os católicos reacionários-, ele repete em
Paris sob a forma do culto do manto imperial de Napoleão. Mas, quando o manto
imperial cair finalmente sobre os ombros de Luís Bonaparte, a estátua de bronze
de Napoleão ruirá do topo da Coluna Vendôme.”. Aqui Marx quis dizer que o
Napoleãozinho ao assumir o poder terá que necessariamente governar para a
burguesia, tendo à frente a aristocracia financeira, a qual, entre outras
coisas, só pode existir às expensas do endividamento do Estado, que vive das
expensas de toda a sociedade francesa, particularmente do proletariado e do
campesinato com seus impostos e hipotecas a pagar. Esta leitura só foi possível a Marx graças ao
domínio do método que ele juntamente com Engels, elaboraram. Conclusão: só resta ao campesinato a aliança
com o proletariado. A foice e o martelo!
7) O BONARBATISMO marxiano não parte do
pressuposto do equilíbrio entre as duas classes fundamentais na disputa pelo
Estado. O governo bonapartista é na verdade a incapacidade da burguesia em
manter esse “equilíbrio”. Após maio de 1850, ficou claro para a burguesia de
dentro do Parlamento, que não só não conseguiria chegar a um acordo entre a
forma de governo, monarquia, república ou ditadura de Bonaparte, mas a própria
inviabilidade do seu domínio direto por meio da República Parlamentar. Sua
existência implicaria no sufrágio universal e o retorno para dentro do
parlamento de representantes do proletariado e da pequena burguesia. Isto a
colocou em completa contradição com República: manter-se viva era a mesma coisa
de ter sobre sua cabeça a espada de Dâmocles, ainda que invisível, sob a forma
de um eterno fantasma vermelho. A burguesia de fora do Parlamento tinha outra
saída: matar a Assembleia para viver um executivo hipertrofiado, capaz de
defender o interesse econômico burguês. Esta situação não poderia ficar
indefinida, como não ficou. Galvanizando as disputas internas entre as frações
parlamentares, acirrando contra ela as tentativas de querer controlar o
Exército; jogava barganhando cinicamente dinheiro para seus projetos junto à “sociedade
secreta 10 de Dezembro”, desmoralizando o parlamento que se viu obrigado fazer
um acordo para compensar a diminuição da lista de votantes em três milhões; ou
mesmo quando o vigarista desafiava esse mesmo “condomínio” agindo às claras,
fraudando a loteria. O apetite de Luís Bonaparte aguçava cada vez mais e os
próprios capitalistas, práticos por natureza, não se preocupavam com querelas
morais denunciada por um parlamento enfraquecido. Já de algum tempo sua
caminhada da Avenue des ChampsÉliysées até Versalhes estava pavimentada com
“limas douradas” fornecidas pela burguesia fora do Parlamento.
8) A
sustentação (base material e política) do Bonapartismo: campesinato,
lumpesinato e uma grande burocracia estatal autônoma. Meio milhão de parasitas
e mais meio milhão no exército, perante uma população de 36 milhões de
franceses, garantia o funcionamento do governo de Luís Bonaparte. A
centralização do Estado, iniciada desde os tempos do absolutismo, com um Estado
forte, continuou sendo uma condição sene
qua non para submeter a massa de trabalhadores e camponeses. Com esta
experiência, a burguesia aprendeu que não é necessário estar na à frente da
administração política, ela pode contar uma burocracia, com políticos
profissionais, terceirizando o cuidar dos seus negócios no parlamento. São os
políticos profissionais, uma espécie de staff administrativo, assessorado por
milhões de funcionário, os quais Weber denominava de intelligentsia.
Jomar Souza, março de 201
BRASIL, UM PAÍS SOB SUSPEIÇÃO - Perguntero
Segundo o secretário de Defesa Agropecuária, Luis Rangel, em entrevista ao G1, o Ministério da Agricultura planeja fazer rodízio de fiscais nos frigoríficos com objetivo de evitar corrupção.
Será que, para o Ministério, todos os fiscais estariam sob suspeição? Se são suspeitos não deveriam ser investigados pelo próprio Ministério e pelo Ministério Público? Será que seus superiores têm acompanhado com o rigor devido seus subordinados? Ou será que o Ministério joga na mesma vala todos os funcionários uma vez que não tem controle sobre tais atividades? Se a corrupção é generalizada, qual a função do rodízio?
Caso a medida do Ministério seja eficiente, seria o caso de fazer-se também rodízio em outros órgãos, em outros Ministérios, no Legislativo e no Judiciário, áreas públicas e privadas e na própria sociedade civil, dentro do papel que lhe cabe? Será que o país todo funcionaria melhor sob o método do rodízio?
domingo, 19 de março de 2017
O CURUPIRA PAULISTANO
Saindo da mais
Augusta dessas movimentadas ruas, pela Caio Prado, para pegar a Caneca, rua
desse nosso frei mártir, deparei-me com coisa sui generis e deveras espantosa: um
jovem curupira no meio do asfalto. Com o semáforo que se fechava, ele, habilmente, veio marchando ritmicamente
para a calçada com os dois pés voltados para suas costas, dando-se comigo no meio da passagem e estendendo-me tranquilamente
a mão espalmada. Sem pestanejar, dei-lhe uns trocados que me sobraram do almoço
e continuei rua acima sem digerir bem o fascínio.
Depois de umas
leituras literárias e um café no Gioia, voltei, ladeira abaixo, em direção ao
centro, observando o movimento incessante de nossa cidade. De repente, pouco
não foi meu espanto, vi imediatamente a minha frente, caminhando com
naturalidade, o rapaz curupira, que agora já não trazia os pés ao inverso, mas apontando o caminho a sua frente, como os demais pedestres que nos acompanhavam já próximos ao
Estadão.
Com intuito de
dizer-lhe algumas coisas que me vinham à boca, aproximei-me dele, mas o meu
Curupira, liso como quiabo ao fogo, escorregou por uma escadaria que dava para
a Nove de Julho e desapareceu da minha frente como um fantasma no meio dessa selva de pedras.
De pronto,
desatei o nó de meu fluxo de consciência e o Fidel que trago para essas ocasiões subiu no caixote e pôs-se a discursar sobre o mundo e o homem. Assim foi que, quando dei comigo, meus pés estavam
parados diante da portaria de meu prédio, sem que me desse conta do vários minutos que se passaram e do caminho que os consumiu.
Em casa,
descalço e repousado no sofá, parecia ver ainda os pés de meu Curupira marcando os caminhos ao revés. No entanto, não sei o porquê, me soou a voz do Chómpiras do Bolaños com sua
repetida fala, em reposta a alguém que reagia a algum impropério seu:
- Toma pelo
lado amável.
Assim o fiz. A
tal ponto que me lembrei de que, na verdade, o rapaz curupira nada me pedira e nada
mais fez que me estender a mão no meio do caminho, como fazem tantos outros por essas ruas devassáveis. Depois, talvez não
fosse propriamente um pedinte e, sim, um artista, com tamanha capacidade de contorcionismo;
e, mesmo que outra coisa fosse, o ilusionismo com que entreteve os meus olhos,
tirava-lhe qualquer coisa que lhe imputasse farsa e logro.
Depois, nosso
Curupira recriava a cultura, trazendo o folclore das matas para a realidade de nossas ruas tumultuadas.
Ao fim, acabei por concluir que lhe paguei bem pelo serviço, mesmo lhe dando pouco, e quem sabe não receba em breve
uma boa nota pública como fomento cultural e até mesmo um prêmio de reconhecimento por
representar a nossa arte e a cultura nacional.
Elói Alves
sexta-feira, 17 de março de 2017
A CARNE É FRACA, EUFEMISMO DA PF? - Perguntero
Por que a carne é "fraca" e não PODRE? Seria um eufemismo da Polícia Federal? Será, então, que PODRES são os donos dessas empresas sujas e as autoridades públicas envolvidas na falta de fiscalização e recebimento de propina? Qual a punição aos partidos cujas campanhas foram financiadas pelo mau cheiro durante as eleições?
quarta-feira, 1 de março de 2017
O CAMPEÃO BLOCO DO MIJÃO
O Bloco
campeão do carnaval deste ano, no centro de São Paulo, é, disparadamente, o
Bloco do Mijão. A prova fática de seu desempenho está no ar, já no início da
tarde da quarta-feira de cinzas, mesmo em locais restritos como a área dos caixas
do Banco do Brasil da Rua Xavier de Toledo, agência de banco público cujas portas
já foram quebras e requebras por vândalos, ostentam sua passagem, ou melhor,
seu cheiro, disputando altivamente os ares citadinos com os pobres produtos de
limpeza, usados para retirá-los, levantando-se entre as narinas inquietas dos clientes.
Em ruas como a
24 de Maio percebe-se, entre a multidão de transeuntes, que o Bloco desfilou
por essas paragens com longa energia, apesar das vassourinhas dos funcionários da Prefeitura
mostrarem um chão aparentemente limpo. Como estive em São Paulo durantes esses
dias, naturalmente já havia observado marcas indeléveis dos excessos da folia,
mas nada como ser convencido pelo próprio cheiro da matéria bruta que se dispersa, principalmente
no day after, quando as fantasias
despedaçadas já não luzem mais o mesmo brilho e a cidade busca, ainda confusa,
respirar seu ar rotineiro.
O Bloco do
Mijão lembrou-me uma outra crônica que escrevi tempo atrás, Odores da Cidade, mas no caso do Mijão,
a diversidade dos cheiros habitual é nula, pois não traz o grito democrático
que aguça todos os sentidos. O Mijão, além de sua largueza, que se dispersa por
todos cantos da cidade, não adota o lema da privacidade dos banheiros químicos,
distribuídos por diversas partes. Talvez, no próximo desfile, incorpore até o
grito contra o desperdício do dinheiro público usado para contratá-los, uma vez
que não se vai mesmo usá-los. Aliás, seu grito principal na folia deve ser o da
publicidade ampla e da transparência irrestrita, de quem não tem o que mostrar, e de optarem por um cheiro único, que é mais
evidente.
Certamente,
como imponte campeão, o Bloco do Mijão voltará no próximo fim de semana, se é
que houve alguma pausa para recarregar as baterias, ou os tanques, sempre pautados
pela alegria imensurável de um compartilhável cheiro só, porque, como disse o
mestríssimo João Adolfo Hansen, lecionando Vieira, qual o critério de fedor onde todo mundo fede junto?
Elói Alves
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