"Um rei, longe de proprcionar subsistência a seus súditos, tira deles a sua" Rousseau, Contrato Social
Acabo de vir da rua
com meu coração ainda saltando, em júbilo!
Ora, indo pela rua Líbero
Badaró, esse nosso mártir de quase dois séculos, vi uns papeis em
cores chamativas espalhados pelo chão. Como não é
época de eleição, devia ser propaganda útil
- pensei. Julgai por aí se o era, mas minha alegria emergiu ali.
Dizia o panfleto, abaixo da foto
de três políticos abraçados e risonhos:
“OS TRÊS VERDADEIROS
AMIGOS DOS POBRES E DA CLASSE MÉDIA".
Não sei se meu coração
exagera ou ando carente, mas regozijei em saber que, finalmente, os
pobres terão esses amigos, raros, e que são,
principalmente, amigos verdadeiros.
Fiquei todavia com certa dó
dos ricos - agora excluídos e talvez deprimidos -, mas
contrabalancei esse meu fraco sentimento com a histórica
notícia, que concluí daí, de que os pobres terão
esses tão nobres amigos ao almoço e ao jantar e à
ceia de fim de ano, que poderão ser saboreados,
alternadamente, em suas casas, sejam onde forem, ou nas casas dos
nossos verdadeiros amigos, digo dos pobres e da classe média,
nas Câmaras, nas Assembleias, no Congresso, nos palácios,
no Planalto Federal, onde encontrarem-se Suas Verdadeiras Amizades.
Os ricos que sosseguem! Já
possuem o bastante, inclusive milhões que desperdiçam,
doando-os para as milionárias campanhas eleitorais daqueles
que os excluíram agora do rol de seus “verdadeiros amigos”.
Também todos aqueles que enriqueceram com a corrupção
que sofram calados, padecendo sem a companhia dos nobres amigos do
povo pobre. E não só esses, mas todos os grandes
empresários, proprietários de petrolíferas, de
refinarias, industriais, empreiteiros que restrinjam-se às
suas amizades menos nobres e menos influentes, porque - para vosso
choro – doravante, o povo terá sozinho o privilégio
que era e fora só vosso. Ouso dizer que teremos, a partir de
já e oxalá para sempre, um governo dos pobres e dos ex-oprimidos.
Quanto a mim, que não
tenho a honra de ser incluído nessas nobres amizades, porque
nem os fui apresentado e ando meio atarefado, além de ser
tímido, não entendendo nada de suas conversas,
contento-me em saber que, mesmo com o analfabetismo funcional
impregnado na formação de tanta gente que sai das
escolas e das faculdades sem entenderem e interpretarem bem os
textos, sem conhecimento básico dos diferentes gêneros
textuais e das muitas manobras e formas de convencimento e persuasão
retórico-política, além de outros males sociais,
contento-me em saber que os pobres estão, como nunca, repletos
e acompanhados de tão maravilhosas e benditas e verdadeiras e
magníficas amizades!
Elói Alves
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria