quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A INVERSÃO DOS TEMPOS

       Entre os antigos a ideia do tenebroso, dos terríveis eventos inesperados mas temíveis, tinha sua ocorrência associada às horas noturnas, ao momento sagrado do sono reparador que aliviava os homens do trabalho árduo e dignificante, geralmente ligado à terra, à plantação e à colheita.
       Nos textos antigos do Velho Testamento, que dista milênios de nossa época, há um trecho, entre tantos, que ilustra essa ideia: “guarda, o que houve de noite?”, grita a voz desesperada, sem no entanto ter resposta alguma que a acalmasse. Este trecho, registrado por Isaías, associa-se a outros, como em partes dos evangelhos sinóticos, onde o ladrão vem sempre à noite, e a esta se referem todas as metáforas das trevas e da escuridão.
       Mas em nossos tempos não há hora para que o mal apareça e nos atinja. Ao contrário, ele está instituído com toda a roupagem da legalidade e das pompas formais. Está embutido no preço final que é preciso pagar em cada parte, parcelado por toda a vida e sentido a acada momento. O próprio Estado, que era a grande esperança de salvação para os antigos, uma vez que se concretizasse como um Reino de Justiça, é hoje quem protege e incorpora a classe política - torta de corpo e fétida de alma.
       Vários historiadores, como também o famoso pensador Max Weber em sua Ética protestante e o espírito do capitalismo, mostram em que base se inspirou a formação do Estado norte americano, em suas origens, em que os puritanos, opondo-se aos capitalistas aventureiros do sul, procuraram erguer uma nova pátria fundada na ética ascética secular em que é preciso se superar sempre, com dedicação vocacional ao trabalho e ao lucro extraído dele. Para os puritanos fundadores dessa ética, até os ricos devem comer de seu dedicado trabalho.
        Disto separamo-nos sempre, desde o início da colonização, onde sempre valeu e vale a exploração aventureira, egoista e corrupta; onde o mal do outro vale dinheiro para tantos, onde as desgraças rentáveis se dão cotidianamente, onde a ética da dignidade pessoal não alastra-se, onde as catástrofes geram oportunidade de aparecer, de se fazer novas promessas, de se falar em punir os corruptos, de se falar em eliminar as facilidades viciadas que duram apenas até se esfriar o corpo das vítimas, até o momento em que as notícias perdem o interesse e se dirigem a outros males novos. Aí é a hora de esperar - e até de causar - outra desgraça para tornar a aparecer à imprensa "como gente que faz", e para esta lucrar, porque, afinal, uma má notícia é uma “boa notícia”, isto é, uma notícia lucrativa.
Elói Alves
 
Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

OS MONÓLOGOS DA VAGINA E O CAOS DO BIXIGA NA "BELA VISTA PAULISTANA"*

      No Bixiga - bairro central de São Paulo -, o Teatro Brigadeiro apresenta “Os monólogos da vagina”, em alguns horários; em seu entorno, a todas as horas, espalham-se o cheiro intragável de todos os tipos de imundície: sujeiras na calçada, lixos pela rua, assaltos à faca e a revolver, pessoas decompondo-se, entre trapos de cobertores ao pé do   imponente Tribunal Eleitoral – TRE – na rua Maria Marcolina, nas imediações do Bibi Ferreira e à frente da Câmara Municipal, essa irretocável casa de leis, de cujas calçadas os cheiros arrepiantes de todos os dejetos, humanos e inumanos, não exalam menos fétidos, basta se aproximar.
       Em meu livro, As pílulas do Santo Cristo, uma pequena parte do centro paulistano, em que se dá o espaço físico da narrativa, esta situação já havia sido deflagrada, entreposta às peculiaridades artísticas do gênero do texto. No entanto, esta profunda “merdização” do espaço paulistano vai-se ampliando indefinidamente, como se vê - e já se via anteriormente nas proximidades da Luz, e agora, nos bairros da Liberdade, do Bixiga - pertencente "à chamada Bela Vista" -, da Consolação, já a ponto de infiltrar-se no centro financeiro da Avenida Paulista, que por sua vez ladeia-se dos poderosos políticos e seus amigos ricaços dos Jardins, onde a segurança particular é visível pelas cabines de guardas particulares à beira das ruas, no espaço público.
       Darci Ribeiro achava, empolgado, que o destino do Brasil era tornar-se “uma grande Roma”. Na verdade, querido autor de “O povo brasileiro”, sempre o fomos; mas a Roma do império corrupto decadente, no qual os chefes das elites se matavam a punhaladas traiçoeiras para ocupar o posto máximo do poder, corrompendo soldados, senadores e entretendo o povo com trigo e os combates dos gladiadores morrituri, “os que iam para a morte”, sob aplausos dos frequentadores do Coliseu .
       Mas jamais seremos – digo como observador de nossas instituições e de toda a escatologia mais fétida do quotidiano – a Roma da República alicerçada no direito, em que se fundamentou o sistema jurídico ocidental posterior, e à qual prestavam conta os generais como cidadãos sem armas e deixando suas legiões fora da cidade, antes de adentrá-la; tampouco, o império para o qual todo o mundo pagou tributo.
        Na realidade o que há, evidente por nossos heranças históricas, pelo espírito nada voltado a superação de nossas limitações arraigadas no âmago, pelo menos em parte, de nossa cultura, de nossa sociedade, pela deficiência de nossas organização estatal e de nossa cultura política de vantagens pessoais e partidárias, do apego mesquinho ao poder, do desprezo absoluto às leis confiante no dinheiro e na jurisprudência dos criminalistas, o que se mostra evidente é uma romização (no sentido de sua etapa última) no desaparecimento inevitável de suas rudimentares e frágeis estruturas e, enfim, o estabelecimento crescente da selva na cidade.
Elói Alves
(* Repostei este texto com uma mudança para torná-lo mais claro, publicando os gentis comentários anteriores .)

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
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Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

RÁDIO-JORNALISMO PAULISTANO DIVERSIFICA ESTRATÉGIA PELA AUDIÊNCIA

 



CBN mantém programação da rádio na internet com imagens ao vivo do estúdio - na foto, apresentação do programa Sexta de música.
      O segmento de notícias que usa o rádio para levar suas informações até as pessoas, ao contrário de algumas análises que previam seu fracasso, é hoje na era digital e da internet um braço forte do jornalismo brasileiro. Grandes profissionais e medalhões cujo nome atrai por si são trazidos aos microfones até como âncoras. Além disso, grandes anunciantes e pesados investimentos na diversificação das programações e em suas estratégias são alguns dos recursos para conquistar e manter o ouvinte no prefixo. O rádio tem a seu favor a capacidade de dinamismo e interação com as pessoas de modo praticamente instantaneo, coisas que o jornal impresso e o telejornal ainda não conseguem acompanhar. Também a capacidade de ir ao encontro da notícia, levando-a ao ar numa velocidade maior que a de outros segmentos são índices de sua força.
         O diferencial, no entanto, não está nas notícias- sobretudo nas rádios paulistanas desse segmento- que são sempre as mesmas em todas elas nos diversos setores, como a economia, a política, os crimes que chamam à atenção, a crise econômica no mundo, conflitos internacionais etc, mas sim nas estratégias de que cada uma das emissoras utiliza a sua maneira. Mudam-se a abordagem e as estratégias, que inclui o modo de montagem da grade, o perfil dos profissionais, o modos e tipos de anúncios veiculados, que são mais discretos em algumas rádios e em outras parecem anunciantes de algumas feiras de rua, com gritaria para chamar a tenção e onde a freguesa é conquistada pela guela mais forte. Nessas rádios, é preciso correr para abaixar o volume na hora da propaganda, que é mais alto nos intervalos comerciais agredindo os ouvidos. Com as facilidades digitais de hoje fica mais fácil mudar para outra programação na hora da propaganda, principalmente quem ouve notícias a partir do celular.

        ESTRATÉGIA DAS EMISSORAS

        A CBN:
       Há alguns anos a CBN – Central Brasileira de Notícias, rádio do Sistema Globo de Comunicação, inovou em seu jornalismo. Com uma grade de vinte e quatro horas de notícias, trouxe o Repórter CBN, que dá os destaques do dia a cada trinta minutos. A filosofia da rádio é ser estrita e restritamente veiculo de notícias, não saindo do formato clássico do rádio-jornalismo. Mesmo quando a notícia é música, evita-se colocar a música completa, não passando de trinta segundos, geralmente. Em seu programa Sexta de música, que surgiu recentemente e vai ao ar às sextas feiras às vinte e três horas, há muito bate-papo com os artistas e as músicas são tocadas quase sempre na saída para o intervalo. Esta filosofia da CBN é levada tão a sério que em uma propaganda oficial da grade da emissora, um suposto ouvinte ligava para pedir uma música, como não podia ser atendido, ele acabava pedindo para oferecer uma notícia para sua amada. Hoje, uma parte da programação está voltada para o futebol. Nos primeiros momentos de vida da emissora isso não ocorria, mas logo o futebol virou notícia importante no prefixo, certamente não por pricípios jornalísticos, mas por inclinação à audiência. Neste âmbito cabe a questão da ideologia política da emissora, de que irei falar ao fim do texto. A CBN tem uma preocupação especial com a imagem “séria” de seu jornalismo, trazendo do mercado profissionais que cooperem para confirmar esse caráter. Carlos Albesto Sardenberg é um dos profissionais que se encaixam nessa filosofia. O jornalista, um generalista mais profundo que o comum do meio, trazido dos jornais impressos para o falado, tem interesse peculiar pela economia e trata de questões de política e sociais com menos superficialidade e sem alguns equívocos corriqueiros na área. Além de Sardemberg, um nome bastante respeitado na emissora é o do cronista político e imortal da ABL (Academia Brasileira de Letras) Merval Pereira, que substituiu Franklim Martins, que era mais cauteloso que o atual comentarista nas críticas políticas e mais superficial nas análises, tornando-se, depois, ministro de Lula.
        A BAND NEWS FM
        A Band News FM é bem mais recente que a CBN e pertence ao Grupo Bandeirantes. Igualmente emissora de notícias vinte e quatro horas, iniciou sua programação com alguns cuidados no estilo e no formato da grade, sobretudo para difeferenciar-se das principais concorrentes no segmento de redio-jornalismo que a antecediam. Em meio aos conflitos internacionais do primeiro mandato de Buch filho, ela surgiu dando as notícias bonbásticas a cada vinte minutos, com o slogan de que nesse intevalo “ tudo pode mudar”. Era aproximadamente o intervalo dos dois aviões que derrudaram as torres do World Trade Center. Mas, numa referenrência direta a concorrência, fazia o giro de notícias num tempo menor que a CBN. A linha da programação desde o início tinha o objetivo de se diferenciar sem fugir da “cara de jornal”. Trouxe colunista de moda, chefe de cozinha, opinião sobre a educação famíliar, profissionais de saúde e educação física, consultorias diversas, mas não o futebol, que é já marca registrada de outras emissoras da grupo, como a rádio Bandeirantes, tradicionalmente no AM dos paulistanos. Entetanto, não resistiu muito e já tem uma programação específica de transmissão de jogos de futebol. Além de jornalistas famosos como Ricardo Boechat e Boris Casoy, a Band News tem um elenco de pessoas famosas que atraem os ouvintes pelo menos pelo nome. Entre estes estava Paulo Autran, que declamava poesias e outros textos ao microfone da rádio até a sua morte.

       A ESTADÃO ESPN
      Outa rádio desse segmento do jornalismo da cidade de São Paulo é a Estadão ESPN que surgiu no primeiro semestre de 2011, ocupando o prefixo da Famosa Rádio Eldorado, que mudou de frequência. Na programação há uma parceria do pessoal de notícia do Grupo Estadão com o pessoal de esporte, principalmente futebol, da ESPN. A pesar de muito recente, a rádio já tem perfil muito bem definido e audiência considerável. Em relação as concorrentes no campo do rádio-jornalismo seguiu a tendência das rádios citadas acima, lançando o “Giro 15”. A cada quinze minutos a programação cede espaço a um locutor específico para manchetes do dia. Apesar da audiência em rádio ser bastante cíclica, a emissota terá que tomar os cuidados para que este modelo não canse os ouvintes pela repetição excessiva.
       Uma comsiderável diferença desta para as outras rádios é que ela incorporou o pessoal do jornal impresso, já bastante tradicional, à grade, adaptando os cadernos de economia, de imóveis, de automóveis a programas da grade na rádio. O Carderno de Economia, por exemplo, tradicional do jornal impresso, tem espaço diário nas manhãs da emissora. Já a parceria com a ESPN evitou um desvio na programação da rádio, fazendo do esporte, exploradamente o futebol, uma intenção clara da emissora desde o princípio. Este segmento da audiência é um apelo, como vimos nas outras emissoras, pelo crescimento do número de ouvintes.

       AS REDES SOCIAIS E O TORPEDO NO RÁDIO
      As redes sociais e os torpedos estão totalmente inseridos na interação com os ouvintes. Praticamente o modelo antigo de se ligar para um telefone fixo da rádio já caiu em desuso. O facebook, o twitter são frequentemente utilizados para se referir à programação, para opinar e sugerir. O torpedo é outro recurso muito recorrente. Os ouvintes são chamados a opinar por mensagens via celular e o locutor diz o número e o custo, sem impostos. Um caso curioso é que os ouvintes fazem a função de repórter, informando à emissora como está o trânsito, as condições das vias e é avisado que lhe custará R$ 1,40 pelo serviço que ele, ouvinte, está prestando. A CBN foi uma das emissoras que adotaram completamente a transmissão pela internet, mantendo, além de transmissões simultâneas através de câmeras no estúdio, dois programas da emissora com transmissão ao vivo exclusivamente pela rede:

       IDEOLOGIAS POLÍTICAS
     As ideologias políticas das emissoras nem sempre estão facilmente perceptíveis e exigem certa atenção dos ouvintes para distingui-las. O caso recente do italiano Cezare Battisti, que recebeu do ex-presidente Lula pemissão para permanecer no país é bem sintomático disto. Em suas reportagens sobre o caso, que teve grande repercussão nacional e internacional, a CBN e as demais emissoras do grupo davam a Battisti o tratamente de “ex-ativista italiano”, sem maiores detalhes sobre as acusações e condenações pela justiça italiana. Sem outras informações, a palavra “ex-ativista” poderia ser aplicada a um integrante de causas humanitárias ou mesmo ao green peace. Já a Band News, como as outras emissoras do Grupo Bandeirantes, deram ao condenado italiano o tratamento de “ex-terrorista”, mencionando os assasinatos pelos quais era acusado, as condenações pela justiça de seu país e a fuga para França e a entrada ilegal no Brasil. Além disso, nos comentários dos telejornais da Band, houve opinião em formato de editorial apontando erro diplomático nos conflitos com a Itália devido ao caso e o descumprimento de um tratado internacional. A escolha por um editorial no rádio-jornalismo não é muito frequente. Algumas emissoras, no entanto, fazem questão de expô-lo de modo claro e até contundente. Além das rádios do Grupo Bandeirantes, a Rádio Joven Pan é outra que mantém um editorial com bastantente contundência e chega a fazer campanha. Há alguns anos veicula ao longo da programação a frase: “Brasil, o país dos impostos”. Sobre a violência, chegou a defender o uso nos carros de adesivos dizendo; “Eu já fui assaltado”.
Elói Alves

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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

LOUROS - 3º Capítulo de As pílulas do Santo Cristo

 
 
    
      N ão demorou nada e os três conseguiram quitar os alugueis atrasados, além de pagar as dívidas que mantinham com o condomínio e reatarem os laços de paz e amizade com o síndico, que agora lhes sorria simpático e com uma atenção amável, inclinando-se um pouco para cumprimentá-los. Havia também certa bonança e até mesmo uma pequena fartura. Suas reservas estavam agora robustas e com perceptível saúde. Concluíram que agora podiam sossegar e voltar à regularidade do curso, com o qual vinham falhando por acúmulo de tarefas no novo trabalho. Deviam largar aquele feliz, mas casual arranjo e voltarem-se à seriedade dos estudos e ao comprometimento com a futura e digna carreira, menos adventícia e nada aventureira.
       Contudo, agora emergia um dilema, que continuava robustecendo-se, sem ceder no ritmo e sem enxergar limites. A coisa chegara a tal ponto que não era fácil retornar ou largá-la simplesmente, como se nada houvesse ocorrido. Tinham alcançado a confiança e o respeito do povo, cuja presença era assídua e comprometida. Pedro, mais que os outros, crescera aos olhos de todos. Até os dois amigos mudaram a forma desleixada de lhe falar para por alguma formalidade e apreço no trato com ele.
       Teodoro estava mais prestativo e pronto a condescendências. Ia à lavanderia levar os aventais, escovava os sapatos, além dos seus, os de Pedro e de Silvano. Comprava os ingredientes para os tabletes de chocolate e estava ao dispor a tempo e a hora, abdicando-se dos estudos, das leituras e da profissão.
       Um dia, em que foram os três à faculdade para realização de provas semestrais, retornando exaustos, deixaram de ir à praça. Quando lá voltaram, no dia seguinte, havia muitas queixas devido à ausência. Uns diziam que tinham rezado muito pelos pobres médicos de Deus, outros que adoeceram muito devido à falta deles e da necessidade que tinham das pílulas.
        Neste dia, todas foram consumidas rapidamente e as doações aumentaram muito em comparação aos dias antecedentes. No retorno à casa, no balanço das últimas atividades, Pedro disse com graça ao Silvano:
         − Bendita seja nossa ausência!
         De fato, a ida à universidade que levou-os a se ausentarem foi um divisor nas atividades da praça. Depois desse dia, o número de adeptos e usuários da medicina de Deus aumentara bastante. Pedro, não dando mais conta de atender a todas as pessoas que lhe queriam falar ou lhe tomar algumas palavras ou mesmo apenas cumprimentá-lo, se viu obrigado a dividir as tarefas. Em casa, conversando com Silvano, chegou à conclusão de que o melhor era atender à parte.
          − O que pensa fazer − indagou Silvano − alugar um espaço fechado?  Para isso seria preciso um bom capital de giro. Principalmente aqui no centro.
          − A princípio, posso atender ao pé da escadaria da catedral.
         Delegaram a Teodoro a fabricação de umas senhas. A princípio, distribuiriam vinte por dia. Silvano atalhou logo que dessem apenas aos que contribuíssem mais. Também guardou consigo alguns números que repassaria em casos que julgasse especiais. Os demais que viessem no outro dia, sem faltar nuso das pílulas. Teodoro atendeu prontamente e satisfeito com sua missão.
 
Elói Alves
 

Prefácio:
Primeito capítulo:
Segundo Capítulo:
 
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sábado, 29 de dezembro de 2012

O GUIA E O CEGO

        -O Senhor esteja convosco- expressou-me um cego à beira do caminho, com uma voz sem cores!
        Propus-lhe seguir como guia.
        -A estrada da esquerda é caminho das mortes- disse-me magramente.
        Os tempos não andam bem. Era melhor entrar, convidou-me à sua porta.
        -Partilhemos meu pão e um copo d`água.
        Hoje estou às apalpadelas, como ele outrora. Arrancaram-me os olhos durante as passadas, mas não me deixaram parar.
        Os ventos passam e cumprimentam-me, agarrados a distantes e frias notícias. Meu guiado já está morto. A água trazia veneno e o pão não lhe susteve a vida.
Elói Alves

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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

OS POLÍTICOS PAPAI NOEL (Perguntero)

     
       No Brasil - e também em países chamados ricos, como os EUA, em que há muitíismos pobres e mendigos pela rua e milhões de imigrantes trabalhando em regime análogo a servidão antiga, pois correm o risco de serem presos e deportados sem direito a nada - os políticos, dos mais populares e lisongeados, têm cultivado e cultuado o hábito de visitar mendigos e comunidades “carentes” e exploradas durante o natal.
      Na verdade,  a prática é muito antiga. Contam-se muitas histórias do velho Jânio Quadros se fazendo ele mesmo de pobre, caindo de fome durante as campanhas políticas. O próprio Getúlio Vargas instituiu o culto a sua pessoa com seu populismo e intitulou-se de “pai dos pobres”, como ultimamente se faz por aqui.
       Será que é o espírito natalino que enche de bondade esses nossos políticos justamente nesse dia do menino Jesus que os faz visitar os abandonados por suas políticas, os roubados pela corrupção, descuidados pela fraudes e desvios da educação ao longo de todo o ano e anos - sem tocar na robustez de nosso SUS?
       Interessante que a tarefa dos políticos não seria fácil se estivessem dispostos a visitar a todos os mendigos dos centros brasileiros, pois o número vem sempre crescendo. Até os termos, agora sociológicos, vêm se cunhando continuadamente. “Moradores de rua”, "moradores em situação de rua", "população de rua", além de mendigos, andarilhos, pedintes etc. Até as associações de moradores de rua não têm se multiplicado?
      Ora, é preciso que apareçam novos políticos, porque os que ai estão não podem dar conta de visitar tantos mendigos numa única noite natalina;  aliás não será devido a essa árdua tarefa que precisam das segundas e sextas feiras livres, além dos recessos e das visitas às suas "bases", chamadas também de "curral eleitoral"? Acho importante e chego a propor ao menino da manjedoura que envie-lhes às ruas um político que lhes sejam “o pai dos mendigos”, “o pai dos sem teto” e que seja verdadeiro, do mesmo modo como já nos tem enviado "os veradeiros amigos do pobres" e que talvez por isso seja preciso que os mantenham pobres.  Não é bom se perpetuarem as veradeiras amizades e genuínas paternidades?
      Ma peço também que não gerem muito mais do que ai estão, porque senão poderei também ter novo pai e depois de velho já me acostumei a ser órfão desses pais natalinos. Alguém ai quer um pai Noel?  Que tal todo mundo sorridente - mesmo se dentes - para uma foto com o político Noel?
Zé Nesfasto Perguntero

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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O FEIO NO SUPERLATIVO

     O superlativo não convém aplicar-se à feiúra, nem o analítico e tampouco o sintético, cuja compressão, neste caso, suprime a beleza que configura-se em massa, disforme e densa. Mesmo que vista-se com o disfarce eufêmico e colorido da fealdade, torna-se desumana ou no mínimo deselegante.
     Para que classificar a feiúra em graus e degraus que a intensificam mais e mais, como se ser feio estritamente já não bastasse? Para que dizer que alguém é muito feio, ou muitíssimo feio, feiíssimo?
     O superlativo tem seu assento assente nos meios denominados cultos e atribuem-se belezas e elegâncias diversas. No entanto, seu uso pode andar por via reversa. O cruel tem se tornado cruelíssimo e até de modo cru vestido-se de crudelíssimo, mas vem sempre triste, choroso e mal vestido, andarilho de via obscura.
     O nazismo, na Alemanha, o fascismo, na Itália e para onde correu depois e perambula hoje, são dessas molduras. A intensificação do adjetivo leva sempre a eterna pergunta: para que? Para que romper-se mortífero, já no desumano e em si extremado, dos venenos atômicos que emudecem a história?
     “Os pobres sempre estarão convosco”, diz Cristo aos discípulos- mas para que se fazem paupérrimos? Para que as as distâncias econômicas se agigantam tornando os miseráveis miserabilíssimos?
       A questão lingüística torna-se mera capa da essência atrofiada pela hipertrofia. Esticam-se superlativamente os mentirosos, os ratoneiros- lábio-disfarçantes- em crudelíssimos enganadores, em ancestrais do pai da mentira que incham em grau extremo as casas parlamentares e executivas, carcomidas por todos os vícios.
      A metáfora da miséria são os ossos secos que insistem em por-se de pé. Sua insistência é a pregação muda e corrosiva que penetra pela história, que tentam maquiar inutilmente os políticos com seus discursos e propagandas de “paz e amor” e promessas salvadoras. A história tem seu subsolo descolorido, impermeável às tinturarias da propaganda. Suas tintas perecem com sua passagem fétida.
     Para que roubar superlativamente um país inteiro? Infectar todo um organismo com mazelas apadrinhadas, de bocas roedoras? Por que não contentar-se com ações apenas feias? É preciso levá-las a semântica do horrendo sem abrir mão do radical?
     Sou pelo meio-termo, uma posição mediana entre o santo e o pecador: para que se vestir de deuses se sabemos- até pelo cheiro- que os diabos perfumam-se com enxofre e trazem a cara horribilíssima, maquiada superlativamente com as cores da incoerência?
Elói Alves

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

TRAGÉDIA NO NATAL

       Era natal. A cidade reluzia na beleza de todos os seus enfeites. O principal viaduto da cidade fora adornado com luzes e flores natalinas. Do fundo do vale, sob o qual passavam os carros, eregiam-se enormes eucaliptos esplendidamente iluminados, indo competir, em seu ápice, com os postes do charmoso viaduto.
       À frente do moderno edifício da Prefeitura, papai noel agigantado recebia as crianças que subiam nos trenós, onde os pais as fotografavam com as renas. As moças faziam pose para as fotos e os namorados beijavam-se embebidos da paixão e da alegria. Do outro lado do viaduto, o enorme shopping, de frente para o enorme templo da música clássica em cujo lado estava o teatro, explendoroso em sua bela arquitetura barroca, enfeitava a cidade com suas cortinas vermelhas envoltas em fitas verdes, perfiladas em suas infindáveis janelas.
       De repente, ouviu-se um barulho estranho. Algumas pessoas olhavam para baixo do viaduto. Era um infeliz que dera cabo à sua vida. Havia pouco estava absorto, perto da enorme árvore de natal. Uma criança, que corria, tropeçou em suas pernas, frias e duras, sem que o homem desse com nada. Apenas continuou parado. 
Estava ali há algum tempo e na verdade andava já em outro mundo.
        Havia saído de casa fazia dias, quando leu no celular da mulher as mensagens do amante. Pegou algumas vezes na faca, mas seu filho estava sempre por perto. Saiu, então, para rua e instalou-se em um hotel no centro. Nesses dias pouco comeu e nada trabalhou. Passara horas no quarto do hotel e às vezes saia à rua, como agora, olhando o nada.
        Da árvore de natal foi caminhando em direção ao shopping. Sempre lento, como se não houvesse se movido, olhando para o infinito de si mesmo. Estacou-se, de repente, no meio do viaduto. Apaupou a mureta e mirou o longe, como se olhasse ao alto, onde a bandeira, hasteada na escuridão, dizia-lhe: "ORDEM E PROGRESSO".
         Logo voltou de si, como se tivesse saído da amargura. Levou a mão direita à camisa amassada e tirou do bolso uma foto. Beijou-a com um beijo gélido: era um menino loiro. Depois subiu a mureta e saltou para encontrar o fundo do vale.
         No mesmo instante, das janelas do shopping, um coral de crianças órfãs encheu a cidade com seu lindo canto natalino
Elói Alves


Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria:
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