Domingo,
à espera do almoço, pai e filho conversam ao sofá da sala. O pai tenta costurar
os rumos da conversa:
-Basta de amores! Troquemos de assunto!
-Mas estou curioso desses seus namoros
antigos, pai.
-Realmente, são coisas antigas. Falemos de
política, que a grande rainha, que é tua mãe, vem chegando...
-Mas
política...?
-Melhor! Falemos de políticos, mas dos
grandes, dos maiores.
-Não
sabia deste teu interesse...
-Sim,
interessam-me os grandes, os grandes homens. E onde será, senão na política,
que os teremos? Sim, na política, como ciência e como vocação.
-É
Weber, não é?
-Sim!
Weber emergiu de uma época política esplendorosa, a magnífica transição do
século que deu à luz à ciência política para o século da tecnologia, para o
saber avançado, para o entendimento entre os homens.
-Entendimento...?
Mas justo aí, a guerra...
-Sim! A primeira grande guerra deu-se
nesse tempo e coube aos seus grandes homens a condução do mundo que herdamos,
cheio de progressos. Mas deixa-me ir adiante, lembrando de alguns nomes...
-Claro!-
fez o rapaz com um gesto para que o pai prosseguisse.
-Veja que
mente teve o grande estrategista político que foi Maquiavel! Que visão de
mundo! Que amplitude de percepção! Sem ele certamente a Itália não seria hoje a
Itália que conhecemos, unificada e sólida. Todos seus sucessores - e não só em
sua terra - grandes e pequenos, beberam em sua fonte: O Príncipe. Veja também
D. Sebastião...
-O
português? Mas o pai fala assim só dos antigos...
-Sim. Este rei das conquistas sobre os
mouros, de tantas glórias, de tantas vitórias, deixou também o legado da
esperança de sua volta, que é também a esperança de felicidades para os homens.
-Um mito,
um ideal...
-Sim. E está aí a outra face de sua
força. Como o sangue de Caim, que, depois de morto, clama aos céus desde a
terra.
-Mito e transcendência...
-Ambos
dentro da política, que é a realidade. Sem política não há sonho - e ela já é sonho
– sem sonho não há esperança e não há transcendência. A transcendência só pode
surgir da política e do sonho, que é a realidade e a esperança de mãos dadas.
Da realidade junta com a esperança transcende-se para um novo mundo.
-Não sei... não consigo ver isso assim
no meu tempo...
-Fiquemos um pouco em terra lusa. Quem
senão a esperança sebastiana para gerar as conquistas e glória de seu povo? A
expansão de seu reino e de sua política para civilizar tantos povos, para levar
a ciência e propiciar a transição dos novos mundos para a prosperidade nunca
imaginada, para um salto tão amplo em tempo tão curto, surgindo a ciência e a
felicidade no reino e no seio da política.
-Mas a história também está manchada de
sangue; as disputas desiguais, o extermínio do vencidos...
-Sim! Mas veja, disputas passageiras de
dois mundos que se cruzam em um breve tempo. O que chega, faz breve sombra ao
que se vai, e que se demora ainda, a contemplar o noviço e esplendoroso que o
substitui. É a vida! A vida saudada pelo seu tempo, viçoso e jovem, esbelto e
risonho.
O pai ergue-se um pouco e pega um
cigarro em cima da cômoda, o filho vai à janela e vê a mãe saindo, e logo
volta-se a ouvir o pai, que continua:
-E a
morte, no derradeiro minuto, no último instante do velho edifício que tomba e
se vai; vai-se, para o encontrar de seus iguais, que já se foram e o chamam
para o lado de si, para um sono único.
O filho,
desviando-se da fumaça, interrompe de novo a fala do pai:
-Já
podemos voltar a falar dos seus amores, pai, que a mãe saiu para os lados da
feira.
O pai,
apagando o cigarro, volta à história de seus amores antigos, com a mesma paixão
e saudade com que há pouco falava de política antiga, como se esta fosse nada
mais que uma imagem ou metáfora de alguma deusa escondida em sua época juvenil.
Elói
Alves
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