domingo, 17 de novembro de 2013

A POLÍTICA E O AMOR ENTRE PAI E FILHO

Domingo, à espera do almoço, pai e filho conversam ao sofá da sala. O pai tenta costurar os rumos da conversa:
         -Basta de amores! Troquemos de assunto!
         -Mas estou curioso desses seus namoros antigos, pai.
 -Realmente, são coisas antigas. Falemos de política, que a grande rainha, que é tua mãe, vem chegando...
 -Mas política...?
 -Melhor! Falemos de políticos, mas dos grandes, dos maiores.
 -Não sabia deste teu interesse...
 -Sim, interessam-me os grandes, os grandes homens. E onde será, senão na política, que os teremos? Sim, na política, como ciência e como vocação.
         -É Weber, não é?
-Sim! Weber emergiu de uma época política esplendorosa, a magnífica transição do século que deu à luz à ciência política para o século da tecnologia, para o saber avançado, para o entendimento entre os homens.
-Entendimento...? Mas justo aí, a guerra...
         -Sim! A primeira grande guerra deu-se nesse tempo e coube aos seus grandes homens a condução do mundo que herdamos, cheio de progressos. Mas deixa-me ir adiante, lembrando de alguns nomes...
-Claro!- fez o rapaz com um gesto para que o pai prosseguisse.
-Veja que mente teve o grande estrategista político que foi Maquiavel! Que visão de mundo! Que amplitude de percepção! Sem ele certamente a Itália não seria hoje a Itália que conhecemos, unificada e sólida. Todos seus sucessores - e não só em sua terra - grandes e pequenos, beberam em sua fonte: O Príncipe. Veja também D. Sebastião...
-O português? Mas o pai fala assim só dos antigos...
         -Sim. Este rei das conquistas sobre os mouros, de tantas glórias, de tantas vitórias, deixou também o legado da esperança de sua volta, que é também a esperança de felicidades para os homens.
-Um mito, um ideal...
         -Sim. E está aí a outra face de sua força. Como o sangue de Caim, que, depois de morto, clama aos céus desde a terra.
         -Mito e transcendência...
-Ambos dentro da política, que é a realidade. Sem política não há sonho - e ela já é sonho – sem sonho não há esperança e não há transcendência. A transcendência só pode surgir da política e do sonho, que é a realidade e a esperança de mãos dadas. Da realidade junta com a esperança transcende-se para um novo mundo.
         -Não sei... não consigo ver isso assim no meu tempo...
         -Fiquemos um pouco em terra lusa. Quem senão a esperança sebastiana para gerar as conquistas e glória de seu povo? A expansão de seu reino e de sua política para civilizar tantos povos, para levar a ciência e propiciar a transição dos novos mundos para a prosperidade nunca imaginada, para um salto tão amplo em tempo tão curto, surgindo a ciência e a felicidade no reino e no seio da política.
         -Mas a história também está manchada de sangue; as disputas desiguais, o extermínio do vencidos...
         -Sim! Mas veja, disputas passageiras de dois mundos que se cruzam em um breve tempo. O que chega, faz breve sombra ao que se vai, e que se demora ainda, a contemplar o noviço e esplendoroso que o substitui. É a vida! A vida saudada pelo seu tempo, viçoso e jovem, esbelto e risonho.
         O pai ergue-se um pouco e pega um cigarro em cima da cômoda, o filho vai à janela e vê a mãe saindo, e logo volta-se a ouvir o pai, que continua:
-E a morte, no derradeiro minuto, no último instante do velho edifício que tomba e se vai; vai-se, para o encontrar de seus iguais, que já se foram e o chamam para o lado de si, para um sono único.
O filho, desviando-se da fumaça, interrompe de novo a fala do pai:
-Já podemos voltar a falar dos seus amores, pai, que a mãe saiu para os lados da feira.
O pai, apagando o cigarro, volta à história de seus amores antigos, com a mesma paixão e saudade com que há pouco falava de política antiga, como se esta fosse nada mais que uma imagem ou metáfora de alguma deusa escondida em sua época juvenil.
Elói Alves



Prefácio de Contos humanos:

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo  romance de Elói Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html



4 comentários:

  1. tão poética descrição da política nos obriga a requerer seja alterado para "corrupto" apenas o título de nossos homens! Interessou-me sobremaneira o tema dos amores do pai rs

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  2. Verdade, Ira; o filho acabou mudando o assunto, estava mais interessante mesmo; bjos gratos, amiga!

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  3. Fico imaginando ao ler seu texto,qual teria sido a reação do filho caso fosse contada pela ótica de um próprio político,teria ele tido maior interesse? Imagino que sim ,tal como fazem nas campanhas eleitorais,as promessas são encantadoras,uma cortina invisível é posta de forma que não percebem as reais (más?)intenções.Tal como o pai do texto,outros na figura de pais ,mães,professores,deveriam transmitir os verdadeiros ideais da política que deveria ser aquela em benefício de todo cidadão e não aquela que visa o próprio bem-estar;Já os amores,também pode está dentro do contexto,por que não? Instigante,mas como sempre maravilhoso seu texto,amigo!

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  4. Muitíssimo grato pela preciosa leitura e por seu comentário, o qual amplia o tema e mesmo seus meandros, Marilene! Abraços, amiga!

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