sábado, 9 de março de 2013

A COISA PRIVADA OU A ODISSEIA DE UMA PORTA

         Os apologistas da iniciativa privada me desculpem, mas os resultados desta nem sempre nos satisfazem, ou ao menos nos aliviam a nossa vida, quando não nos esgotam totalmente ao fim de um esforço e, revoltados, ficamos com o humor ressecado.
       Primeiramente foi a janela de alumínio preto: medida, comprada, paga e, depois de um mês, não a tendo ainda recebido, informaram-me que estava agora sendo pintada. Pela demora, imaginei que seria extraída de alguma prospecção em minas nos confins do norte da Escandinava.
     Depois, uma porta de madeira, igualmente comprada e paga com antecedência. Uma semana para montar e entregar, mas na data: nada. Chegou, finalmente, depois de alguns telefonemas e mais quinze dias.
    Olho-a e estranho o desenho na madeira entre os batentes. Os entregadores, da portaria do prédio, desapareceram rapidamente. O Márcio, depois que subimos pelo elevador de serviço, pergunta-me de novo sobre o lado para o qual abriria. Confirmo: “o direito”. Ele olha o lado do desenho, passa a mão sobre a porta e diz:
      -Está montada do lado errado.
     Ligo imediatamente para a loja. É sábado, o relógio marca uma hora da tarde; na loja me informam que o problema é com outro departamento. Faço a chamada, a pessoa que resolveria o problema já se foi.
     -Ligue na segunda feira. Bom fim de semana!
    Os entusiastas do mercado livre e da economia liberal não se cansam de apregoar que o Estado não deve intervir e a economia deve-se auto-regular, seguindo unilateralmente a lei da oferta e da procura.
    Huerta de Soto, um economista muito badalado na atualidade, ocupou horas e horas da televisão espanhola afirmando apaixonadamente que a intervenção do Estado era sempre prejudicial à economia e que o “mercado possui seus próprios mecanismos que detectam seus erros durante o período de crise e os saneia na etapa imediata”. Que “as quebras e o fechamento de vagas de emprego são já um sinal da recuperação”. No entanto, na própria Espanha, com o dia-a-dia desmentindo a teoria, a crise prolonga-se indefinidamente e os empresários e banqueiros socorreram-se com recursos públicos pedidos ao governo e o Estado, para evitar maiores danos, tratou de impor medidas restritivas, controles ficais entre outras medidas.
     Os desajustes da economia, a questão dos ciclos econômicos não está na intervenção do Estado, mas passa pelo modo como o seus agentes atuam. O controle e a fiscalização dos abusos do setor privado pelo poder público são indispensáveis e o problema está, entre outros, na “venda de facilidades”, na facilitação ilegal, na corrupção que favorece o funcionamento de empresas ineficientes e irresponsáveis.
     A coisa privada funcionando sem olhares vigilantes e atentos, que a fiscalizem seriamente e inibam seus abusos, começa a exalar odores que são, realmente, difíceis de se respirar.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Adquirir o livro:http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html
 

2 comentários:

  1. Texto impressionante partido de uma obervação do cotidiano!
    Tempo integral somos afrontados por ações inadequadas, falta de compromisso, de respeito!!
    Recentemente, minha irmã, alugando um imóvel, de alto valor, muito além da realidade salarial de nosso povo, viu-se como esmoleira na imobiliária que trata os inquilinos como se a eles estivesse fazendo grande favor e aos proprietários como todo poderoso! Uma afronta! quem paga??? mil deveres sem a contrapartida do direito!
    Precisamos mudar isto.

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    1. Muitíssimo grato, Ira; privada não sinônimo de eficiência, tem mais ver com vaso de descarte;abraço, amiga!

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