domingo, 1 de abril de 2012

UM INGLÊS PEDINTE NO CENTRO DE SÃO PAULO

      Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
      Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.
Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Álvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
      O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
     -Pois, não?
     -Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, Do you speak English?*
     -Bad, ** respondi, e ele se riu um pouco.
     Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me peguntavam se falava inglês. A princípo, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta.
     Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
     -I don`t have money ***.
     Ele deu-me o seu “thanks”, e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
     Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro, que fora casado por uns anos com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
Elói Alves

* Você fala Inglês?
** Mal (ou "badly", advérbio, de um modo ruim)
*** Não tenho dinheiro

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristohttp://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira:

5 comentários:

  1. Elói
    Às vezes esqueço que estás escrevendo e não relatando algo real...
    Parabéns, me empolguei e passei contigo pela Líbero Badaró e até vi o inglês sumi adiante...
    Elisabeth Lorena Alves

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  2. Muito grato, Beth! A ficção e a realidade se podem se juntarem às vezes; noutras, se distanciam totalmente. Quando vier ao caso, farei as notas. Abraço!

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  3. professor gostei mto dessa cronica!!! parabens q vc continue assim!!! escrevendo cronicas!!! poesias etc!!!

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  4. Muito grato, Tainá! Com vocês lendo, escreverei sempre e com prazer. Bjo, querida!

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  5. "Amei Elói! São Paulo uma das maiores misturas culturais do país teria que ter um inglês pedinte,não é mesmo? Como torci para que a conversa se estendesse mais, apesar de vc ter dito que fala inglês "bad"!"
    Da querida MArilene Ribeiro, pelo facebook

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