segunda-feira, 2 de abril de 2012

A CASA DE PEDRA

        Quem casa, quer casa- diz o povo; mas não o dizia Joaninha.
Ela queria, a um tempo, o perfume das flores, os raios do sol espargidos em seu rosto e a beleza da lua, toda repleta de muitos cavalos para as cavalgadas de São Jorge.
        Jorge, porém, não era poeta. Era pedreiro apenas. Não entendia a linguagem nem notava os perfumes das flores, nem os seus olhos iam muito ao alto e ao longe a encontrar as estrelas.
        Deu-lha- simplesmenre- uma casa feita com pedras talhadas por suas mãos ásperas. Mas Joaninha encantou-se pouco e foi à janela olhar o arcoíres que se formava ao parar da chuva, que alvejara o horizonte e lhe devolvera o lindo azul ao céu.
        Ao pé da obra, Jorge encontrou Teodésia, que vendia doces-cor-de-terra, duros como as pedras que ele talhava.
Depois de uns dias, Teodésia aceitou-lhe o braço e guardou a chave fria sob a blusa, apertando-a contra os peitos rijos.
        Joaninha foi perdendo o gosto das flores aos poucos e deixou de apreciar a cor das estrelas e desimportou-se com as montarias do cavaleiro lunar e mudou-se, também, de casa.
       Na rua, viram-na pela última vez quando a levaram para a Casa de Insanos, onde foi recebida, à porta, pelo sábio doutor Bacamarte.
Elói Alves
Prefácio de As pílulas do do Santo Cristo, romance de Elói Alves:




Primeito capítulo:




Segundo Capítulo:


12 comentários:

  1. Poxa Elói, fico encantada com tuas construções!
    Perfeita.
    Desnuda com sinceridade a alma feminina. Tudo bem que não existem mais tantas Joaninhas nem Teodésia, mas elas estão perfeitas.
    Elisabeth Lorena Alves

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  2. Muito grato, Beth! Acho que há muita coisa ai, implícita, até o diálogo com Machado. Bjos, obrigado.

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  3. Será frágil a alma que aspira além do material e idealiza algo a mais? Insana e insensata qual das duas? A que se entrega sem sonhos ou a que sonha com a entrega!
    Obrigada amigo!

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  4. Cara Ira, a loucura é conceito dos homens, que pode ser muito injusto. E a maioria é que define o louco... No conto do Machado, "O alienista", a loucura passa por todos_ em indefinição de quem está realmente louco, até mesmo o médico termina internado em seu sanatório. Bjos, muito grato!

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  5. "Muito bom! O desfecho melhor ainda... referência linda a Machado de Assis."
    Comentário do querido mestre Sérgio Lobo de Cerqueira, respeitável colega das Letras, pelo Facebook, a quem agradeço muitíssimo o carinho.

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  6. De Leonice Rocha "Parabens...,pelo seu blog!!! adorei a casa de pedra lindo......" (pelo Facebook)cuja gentil leitura e carinhoso comentário agradeço muitíssimo.

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  7. Louco todos somos, apenas alternamos momentos de lucidez, uns mais, outros menos. Lembra que eu disse que traição deveria ter CID? não é exagero não kkkkkk, mulheres sonham com o inalcansável sempre e de preferência que seja bem absurdo mas se contentam com a realidade que é dura como as pedras de Jorge, problema mesmo é quando se empenham em mudá-la (99%) aí sim é um passo para a loucura ou para assumi-la. Ótimo texto, pequeno mas muito rico , um dia aprendo a escrever assim rs, por enquanto meus jornais kkkk. bjao pra tu.

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  8. Bjão também pra vc, querida Jane; gratíssimo por sua leitura e belo comentário; vc escreve muito bem, vc é modesta, isso é bom; feliz natal, curta muito ai, linda e especial Jane Uchôa!

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  9. O óbvio é de difícil detecção, vc o percebe com nitidez. Clareia...desvela...mistura os ingredientes com sabedoria, mantendo o paladar e o aroma do prato, seja ele servido frio ou quente. Mestre no sentido literal da palavra. Prazer te ler. Abçs.

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    1. Muitíssimo grato, Romy; fico feliz por tê-la por aqui, com sua leitura e reflexão; abraços, amiga.

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