terça-feira, 6 de março de 2012

TUDO EM FAMÍLIA

       Meu pai era um homem duro. Às vezes parecia-me que era de gelo. Às vezes era pedra e gelo ao mesmo tempo. Certa vez, em que pareceu-me que secara a última gota do meu cálice de paciência, fui para meu quarto decidido a fazer minhas malas e cair pelo mumdo.
       -Ponha a mão na consciência- disse-me minha mãe, ao perceber o meu projeto.
       Mas meu coração era realmente uma terra desconhecida. Terra arrasada e sacudida.
       Minha mãe, que era um rio de docilidade, tentava convencer-me com histórias sem pé e sem cabeça. Dizia que o mundo era repleto de trevas e que os homens amavam apenas o cobre e os que fugiam de uma fera encontrava-se com duas pelo caminho.
       Não era a primeira vez que o velho pisava na bola. Ele era um torrão fumegante, que nem queimava-se de todo, nem apagava-se de vez.
       Nessas horas, eu respirava fundo e firmava o controle. Sabia extamente o que estava fazendo: meu projeto de cair na estrada não incluia ir até a ponta dela, nem ainda desertos inóspitos. Meu plano era um pouso mais rápido, de um caminho mais ameno. E assim fiz: dirigi-me à casa de meu avô, que ficava a um pulo da nossa.
       Antes de sair, beijei minha mãe sem fazer cerimônia. Peguei um ônibus, desci dois pontos adiante e finquei pé até a casa de meu avô.
       Fiquei alguns anos juntos às águas tranquilas que corriam pelo seu lar. Ele sonhava fazer-me pupilo de sua sabedoria, cuja docilidade, mas sem sua sapiência, herdara minha mãe. Esta queria-me ainda junto dela, chamando-me com doces lisonjas. Mas como não me dispus a voltar, foi ela quem veio juntar-se a nós, quando no coração de meu saudoso e forte pai arrebentaram-se suas inflexíveis veias em uma tarde de chuva triste e leve, em que um gato avizinhado apanhou-lhe, num piscar d`olhos, a sua cheirosa carne para o churrasco.
Elói Alves


Prefácio de As pílulas do Santo Cristo, romance de Eloi Alves


Primeito capítulo:


Segundo Capítulo:


11 comentários:

  1. É quem quer Paz tem que ir atrás dela, a unica coisa que temos que fazer e ter atitude,o nosso amigo teve e não precisou ir muito longe, a familia por mais problemática que seja tem sempre um parente com o coração mais leve para nos ajudar,e realmente acaba tudo em Familia.
    Besos meu amigo, já estava sentindo falta das suas histórias !!!

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  2. nossa professor muito emocionante essa história,mais acho que o senhor fez a coisa certa,e dou graças a deus que meu pai e minha mãe são gente boa.

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  3. Valeu, Guilherme! É um personagem. Na minha vida, não vivi assim com meu avô. Houve pessoas que me ajudaram, mas não era família. Grato pela leitura, abração!

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  4. Lindo teacher!
    Muito legal este teu avô, acoler-te com carinho e transmitir parte de se cconhecimento...
    Amo tua escrita,teus personagens que parecem tão reais,como se morassem ao ladode nossas casas...
    Elisabeth

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  5. Gratíssimo, Elisabeth! Bjos, querida!

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  6. Já comovida com o depoimento de seus pupilos, acrescento: difícil acreditar não ser vc o personagem tamanha força de realidade embuída neste texto agradabilíssimo. O desfecho marcante fica por conta desta saudade imensurável que a ausência desta fiigura causou ao personagem e claro, saber que o gato foi beneficiado com o triste e previsível episódio. Os leitores mais irritadiços saberão aproveitar a lição! parabéns amigo!

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  7. Gratíssimo, Ira! Suas palavras são sempre inspiradoras para novos textos. Encantam-me seu apego à literatura e sua agudeza analítica. Abraço, amiga!

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  8. "Embora, os personagens são criação do autor, entretanto, verifica-se que eles e o proprio eneredo se confundi com a realidade vivida pelo autor da obra, ou seja, autor/persongem. De modo que em maior ou menor grau as nuançes alí descritas são reflexo de sua personalidade. Mas de qualquer forma, valeu um bom texto parbéns."
    Ass. José F. Queiroz (Junior)

    Mensagem que recebo agradecido desse caro amigo, advogado e ex-técnico de futsal, cujo talento e história sempre respeitei, Abraço, Júnior!

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  9. Nossa Eloi!
    Deu saudades do Junior também!
    Um cara e tanto!
    Belíssimo comentário dele!

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