quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A ÚLTIMA MORADA DA SABEDORIA

É bom ter amigos. Principalmente amigos gentis. Eu guardo alguns e algumas em uma lista de coração, digo, de cor, que dá no mesmo, pelo latim, uma língua considerada morta por muitos. Lembrei-me disto a propósito de uma crônica onde um amigo achou algo que nomeou como: Sabedoria.

 Agradeci a gentileza, que julgo própria daquela alma pura que adoçou-me a vida no período da faculdade, corrido e extenuante. Não lhe pedi mais análises filosóficas ou semânticas, nem literárias. Infelizmente, hoje a Sabedoria não está assim tão à mão ou tão aos olhos - nesta era de miopia de alma.

 A Sabedoria era em outro tempo muito encontradiça. Houve quem lhe contou mil casas numa certa cidade antiga, onde repousava. Ali reunia-se com sua irmã mais próxima, que chamava-se Prudência, guardiã da Discrição. Além de suas casas, vivia nas de seus amigos, onde era querida e sempre bem-vinda.

 Em Somos, viveu um tempo grande com Pitágoras. Apesar de evitar uma ágora onde houvessem sofistas, gostava de deixar-se pelas praças e pelas ruas. Conta dessa época sua amizade com Diógenes – o cínico. Sua afinidade com tais homens fez surgir os filósofos – que eram os amigos da Sabedoria.

 Depois surgiram homens que não a conheciam e chamavam a si mesmos de sábios. Mas os impérios se fortaleceram. A Soberba e Impiedade foram então honradas nos palácios e nas praças, condecoradas com moedas de ouro. E a Sabedoria exilou-se em lugares longínquos.

 Contam uns manuscritos históricos, resgatados por arqueólogos, que nos tempos da idade média, um ermitão que fugira para as grandes florestas da Escócia ali conviveu com ela. Era uma vida ímpar. Grandes cavaleiros o foram encontrar, perdendo-se pelas florestas e morrendo nelas. Dizem que eram assassinados pela Ganância. É dessa época o desaparecimento de muitos cavaleiros da távola redonda.

 Mas Ricardo Coração de Leão com seu grande amigo Ivanhoé, quando se refugiaram naquelas florestas, no exílio pela libertação de seu povo, encontraram o ermitão. Este lhes salvou a vida, com abundantes vinhos e carne de javali. Mas a sabedoria- contou o ermitão aos nobres cavaleiros- morrera antes de solidão e tristeza. Meu amigo deixou-me curioso de saber se há por aí ainda alguma pequena notícia da Sabedoria. Quereria saber ao menos onde está sua última casa, para passar por lá, com algumas flores, neste Dia de Finados.

(Texto do livro Contos humanos)

 

 Elói Alves é advogado, autor do romance as pílulas do santo Cristo, de O olhar de lanceta, Contos humanos entre outras obras.


4 comentários:

  1. Bonito Elói, parabéns! Antigos contos sobre antepassados da Escócia, Irlanda, são muito interessantes. Antiga Gália. Obrigada por compartilhar no meu mural.

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  2. Soube que ela vive, implícita na figura humana, porém abafada pela ignorância, ganância e soberba,pouco tem podido se manifestar. Será necessário um profundo mergulho em nós mesmos para trazê-la a tona! Parabéns por conseguir sempre levar-nos à reflexão! sua leitora de gosto apurado...

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  3. Poxa Eloi!
    Muito bom este teu texto, uma crônica deliciosa que passeia pelas grandes histórias e nos faz lembrar que de fato a Sabedorai não combina com a ganância, com o Orgulho e com a maioria de nossos sentimentos egoístas, por isto mesmo, de quando em vez, pode-se notar um respirar cansado desta sábia dama nos lábios das almas alquebradas pela lida desta vida. Embora, como já disse, seja apenas de quando em vez...
    Elisabeth Lorena

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    1. Grato, Beth, li agora este seu comentário, tão curto e tão comunicativo, tocante; bjos, querida!

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