domingo, 3 de julho de 2011

O ANIVERSÁRIO DO PLANO REAL E SUA RELAÇÃO COM A LÍNGUA PORTUGUESA

     Neste 17º aniversário* do plano real, com a coincidente morte do presidente Itamar Franco, quero propor um ponto de confluência da estabilidade da economia com uma outra, a estabilidade na língua, ambas com origem naquele plano econômico. Entrando aqui no campo econômico, não irei longe, no entanto, ao ponto de discutir questões de inflação ou deflação, tampouco dissertar sobre a atual e gravíssima crise econômica mundial, que teve origem no sistema de financiamento de crédito imobiliário dos Estados Unidos, em meados de setembro de 2008, e está mais grave agora em alguns países da Europa, como Espanha, com índices históricos desemprego, Portugal e Grécia. Sendo que esta última teve já que ser socorrida pelos outros países da eurozona, sobretudo pela Alemanha.
      Ao contrário de minha proposta acima, sabe-se na verdade que a língua não se estabiliza, nem poderia. A língua é um elemento dinâmico, vivo, em constante desenvolvimento e como tal não pode estagnar-se, mesmo com a estagnação da economia, isto seja, não há como pará-la no tempo. Todo o dinamismo de nossa atualidade confirma e corrobora isto, e mesmo setores mais conservadores ou fechados são sensíveis a novas influências que se refletem no modo como lidam com a língua. Agora, um sistema econômico frágil, como era o do Brasil antes do plano real, desencadeia outros tipos de problemas, bastante prejudiciais à sociedade, e as questões lingüísticas não poderiam ficar à margem disso.
      No período anterior a esse plano da economia brasileira, a inflação era “normalmente” denominada de “galopante”, caracterizando um período de “hiper-inflação”. Os preços mudavam diariamente, quando não mudavam mais de uma vez por dia, sem quaisquer exageros aqui, diga-se. Havia filas enormes nos postos de gasolina, nos supermercados, implementando a “cultura do estoque”, dando origem, inclusive, a expressões lingüísticos como “a compra do mês”.
     Esta cultura era de fato o meio como as pessoas reagiam às constantes e repentinas mudanças nos preços. E os preços subiam indefinidamente. Os salário dos trabalhadores tinha que ser reajustado sempre na tentativa de acompanhar a subida dos preços dos produtos. No entanto, como o trabalhador recebia por mês e os produtos tinham seus preços reajustados diariamente, aqueles ficavam sempre no prejuízo.
     Com essa deflagrada “cultura inflacionária”, os sucessivos governos brasileiros iam implantando novos planos econômicos na tentativa de remediar ou solucionar efetivamente o problema do "descontrole inflacionário" . Um problema técnico e matemático muito comum à época era a quantidade de zeros à direita, que precisavam ser constantemente cortados, pois faltava espaço até nas calculadoras. Assim, surgiam os respectivos planos econômicos, típicos de economias vulneráveis e “moedas frágeis” ou pouco duradouras. Esses planos naturalmente tinham nomes diferentes e traziam novas mudanças à língua, inclusive com novas funções de termos da língua e mudanças gramaticais, como a substantivação do adjetivo real, neológico nesta acepção, sendo seus novos nomes impingidos à face da moeda nacional. Chamavam-se, por exemplo, “cruzeiro”, “cruzado”, “cruzado novo”, “real”; os mais antigos falavam em “mil reis”, “um tostão” e o parâmetro para ganhos e perdas era quase sempre uma moeda estrangeira: o dólar. Em fim, os brasileiros tinham que se adaptar.
      No entanto, a adaptação nem sempre era fácil. Alguém poderia perguntar, até mesmo num concurso: “Qual é o nome da moeda corrente no Brasil?” Diante dessa pergunta, até um intelectual, um economista, poderia ter dúvidas na hora. E mais: “quanto valem hoje dez centavos?” “Com a nova moeda, como o povo fará o plural de real?” “Quanto era hoje cedo o preço do pãozinho?” “Você sabe se essa nova moeda é nova?” Agora uma pergunta jornalística: “Senhor economista, qual é, realmente, o valor real do Real, tendo em vista a realidade do momento?” “E como seria uma projeção realista do real?” Hoje é fácil, não? De todo modo, para certos efeitos, o trabalhador recebia o seu pagamento num cheque com infinitos zeros à direita, sendo, assim, também um milionário. E dependendo do dia, de seu salário e da inflação viria a ser também um bilionário, um Bill Gates. Mas a questão é que esse dinheiro não tinha valor real, isto é, não tinha poder de compra ou, de modo mais simples, não valia nada no mercado.
     Acabando com aquela endemia inflacionária, o Plano Real, tendo à frente o então ministro da fazenda do governo de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, extinguiu também a chance de muitos pobres, como eu, serem “milionários”, de fachada, é claro.

*Esse número refere-se a 2011 (Em 2012 completa-se 18 anos)
Elói Alves


Prefácio de As pílulas do Santo Cristo, romance de Eloi Alves

      http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html


Primeito capítulo:

     http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html


Segundo Capítulo:

    http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-2-capitulo.html

Adquirir livro:
http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html

 

3 comentários:

  1. Excelente texto, histórico ! lembro-me que nem se cogitava emprestar dinheiro ao amigo, mesmo que para pagar no dia seguinte... afinal, dormindo no banco, tínhamos a impressão que ele se multiplicaria, porém, também no dia seguinte, o seu sonho de consumo já se apresentava com novo preço! Tempos difíceis e não que esteja fácil, mas tornou-se mais real!
    Dizem que de ilusão também se vive mas certamente a mesma não serve como moeda para consumo!

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  2. E deixemos o termo "galopante" apenas para o trotar dos cavalos!

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  3. Gratíssimo, cara amiga, pela gentil leitura e por ampliar o assunto!

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