segunda-feira, 19 de março de 2018
Editora Essencial: : A MORTE DE MARIELLE E OS DISCURSOS JUSTIFICADORE...
Editora Essencial: : A MORTE DE MARIELLE E OS DISCURSOS JUSTIFICADORE...: Escritor Elói Alves escreve em seu blog sobre a trágica situação das mulheres no Brasil. A MORTE DE MARIELLE E OS DISCURSOS JUSTIFICADORE...
A MORTE DE MARIELLE E OS DISCURSOS JUSTIFICADORES DO MAL
A forma infeliz como algumas pessoas têm tratado o horrível caso da morte da vereadora Marielle, executada cruelmente no Rio de Janeiro, leva-me a escrever sobre um tema que até agora procurei refletir silenciosamente.
O que mais preocupa, além de toda “banalidade do mal”, parafraseando Hannah Arendt, sobre a maldade nazista, estudado no Brasil pelo Professor Fabiano Tizzo, é a disseminação, parece-me que até certo ponto inconsciente, de discursos justificadores do mal por pessoas que aparentam bondade de espírito e razoável grau de compreensão das coisas, em razoáveis planos.
Tais discursos justificadores do mal associam-se às falas daqueles que, ao serem informados sobre casos de violência sexual contra mulheres, perguntam: “COMO ELA ESTAVA VESTIDA?”
O discurso lunático que busca culpar a vítima de estupro insinuando a responsabilidade da mulher devido a seu traje ou nudez não é inocente em sua formulação, em sua origem, mas, tristemente, ele tem se alastrado como as mais cruéis epidemias, que roem até onde mais não podem, feito ratos e vermes, que criam escaras que penetram a sociedade enfermando seus tecidos.
Não é apenas o Estado, com suas instituições e líderes que fracassam, a sociedade perece amplamente. Quando pessoas que consideramos do bem e cuja compreensão do que julgamos bom assumem o discurso muito bem forjado de que a vítima é culpada porque tinha tais e tais qualidades, portava-se de tal modo, ainda que fosse verdade, assume-se com isso o lado dos malfeitores, no caso de Mariela ou das vítimas da violência sexual, o lado de seus algozes – bandidos sem qualificação adequada.
Há uma cegueira no país que prejudica a todos, que leva à cisão social, ao esfacelamento de nossa consciência como pessoas humanas, que inocenta os verdadeiros responsáveis por nossas mazelas, que, tristemente nos afasta de buscar solução para nossos grandes problemas e que contribui ampalmente com aqueles que formulam, executam e disseminam o mal.
Diante disso, custoso é nos indagarmos se a própria razão
cansou-se do nosso meio humano e social,
partindo para lugar não sabido, ou será que também foi executada?
Espantoso
enormemente ainda é o papel execrável da desembargadora e do deputado que, utilizando informações de falsificadores de perfis que invadiram contas, disseminaram
notícias pela internet cujos conteúdos eram altamente atentatórios à própria
ordem pública, pela qual devem zelar, e ofensivos à honra da vereadora executada, de sua família e aos
sentimentos de seus amigos e de seus eleitores.
Pior ainda é o
deplorável papel da desembargadora, cuja alta função na estrutura jurisdicional
não lhe permite atentar contra a ordem social, contra autoridades de outro poder,
como a vereadora, e contra a honra das pessoas, cuja responsabilidade penal e
civil, com obrigação de indenizar, inclusive a família do falecido difamado,
ela não pode desconhecer, por tratar-se de direitos constitucionais básicos de
toda pessoa humana, que são, aliás, de seu ofício conhecer e defender.
Acima de tudo, é
inconcebível a justificação de sua morte e mais ainda responsabilizá-la por
isso, alegando, escabrosamente, que ela lhe teria dado causa, que teria falado o que
não deveria. Ora, qual é a função essencial do parlamentar? Aliás, a ideia
unicamente razoável da imunidade parlamentar não é a proteção para que ele
exerça com a segurança da lei seu direito de falar? Ora, não teria nisso o
próprio Estado falhado por não proteger o agende público que tem por função e
prerrogativa do cargo falar? Seria muito- como se tem dito incompreensivelmente-
protestar, ainda que tardiamente, contra todas essas inversões que este caso
demonstra? Se de fato a quisessem calá-la, não haveria em sua execução um atentado
contra o próprio direito inerente a sua função parlamentar, portanto contra o Poder Legislativo, crime não menos aterrador?
No entanto, insanidade ainda maior, e
não menos ofensiva, humana e juridicamente, é concluir, depois de um de rol de
ofensas que associam sua imagem ao crime e à marginalidade, afirmando que ela
teria ido cedo. Será que, realmente, a razão também nos deixou, de toda forma, tragicamente?
Elói Alves
quarta-feira, 14 de março de 2018
A PALAVRA E A BALA
Quando uma autoridade pública, cujo papel não é outro senão administrar segundo a lei, fere o principal mandamento legal, de não atingir a dignidade das pessoas, usa, para fazer calar aqueles que levantam a voz para dizer o que pensam sobre uma decisão política que compromete suas vidas, a força da bala e da borracha, esse agente público iguala-se à pior tirania.
A proposta de mudança da Previdência dos Servidores Públicos da cidade de SP não poderia, obviamente, ser discutida sem que estes levantassem sua voz para dizer o que pensam sobre aquilo que compromete suas vidas, seu suor e sangue. Mas, à voz deles, responderam com a força do porrete e da bala de borracha e com outros instrumentos militares.
Tristemente, em um país onde sobram bandidos - privados e públicos-, os que querem exercer o direito sagrado e Constitucional de fazer ouvir o que pensam sobre aquilo que toca a sua condição humana, o que com sua força produz, são reprimidos como bandidos.
Pior ainda: como bandidos meticulosos, os que assim se portam, culpam habilidosamente as vítimas de sua truculência, porque, se elas se curvassem, obedientemente, nenhum outro dano teriam. É isso?
Elói Alves
domingo, 25 de fevereiro de 2018
OS HOMENS, A LÍNGUA E O CACHORRO– Tio Gerbúlio
A rua do bar
tinha passado à rua de lazer e esportes nos feriados; nesses dias, muitas
pessoas vinham de lugares vizinhos caminhar e passear. Numa manhã, dois rapazes
incomuns por ali pararam no bar para tomar água. Vinham, pelo aspecto, já de
uma boa caminhada. Um deles, que parecia o mais jovem, perguntou ao
companheiro, olhando para rua:
-
Que têm essas pessoas que andam com pescoço duro e olhando para cima?
-
Nada.- disse o outro- Apenas andam olhando para o céu.
-
Só? - Retornou ainda inconformado.
-
Sim- continuou o que respondia- e também, às vezes, esquecem de olhar onde
pisam.
Os
dois rapazes, que saíram logo, não iam longe quando, à porta do bar, um homem
que puxava um cachorro pela corrente, escorregou numa casca de banana,
esparramando-se pelo chão. O cachorro, que escapara com a corrente, solta pelo
dono na hora da queda, ao invés de gozar a liberdade agora adquirida, correu a
lamber o sangue que escorria dos braços do homem, ralados pelo asfalto.
Do
fundo do bar, um freguês que bebia atrás de umas caixas de bebida e cuja
caninha parece ter-lhe afinado mais alguns dos sentidos, disse, devolvendo com
força o copo vazio à mesa:
-
Que língua!
Tio Gerbúlio: Outras histórias
Elói Alves
domingo, 31 de dezembro de 2017
AS BARCAS
Fez-se última parada.
Aquela barca chegava ao final,
Não era a primeira vez,
Batia um frio,
Daqueles que dão na barriga,
Era certa indecisão,
Ou medo,
Medo pode ser que não fosse.
A sorte era não estar sozinho,
E se estivesse?
Era preciso desembarcar,
E continuar,
De toda forma
Tudo de novo...
De novo?
Mas tudo podia ser novo
Nova barca
Novas paragens e paradas
Novas forças
Sempre
O olhar é que se transforma,
Com os passos nem sempre iguais
No ir e vir dessas sucessivas barcas
Que se não deixam pará-las
Ignorando o nosso ritmo
E a disposição para viajar
Elói Alves
domingo, 22 de outubro de 2017
DIREITOS SEM DEVERES? - Perguntero
No Brasil pós Ditadura de 64, com a Constituição atual, que se funda num Estado Democrático de Direito, muita gente, com pretenso conhecimento do Direito, por ideologia, ignorância ou malandragem recorre-se à palavra direito a todo momento que pretende se sair bem, esquecendo-se ou ignorando que a todo direito se corresponde um dever.
Importante preguntar o que será desse próprio Estado e de seus habitantes se todos buscarem direitos e não cumprirem com suas obrigações? Será que continuará a existir? Será viável esse modelo de sociedade ou chegará a se desintegrar totalmente?
domingo, 8 de outubro de 2017
O LADRÃO COM CAGANEIRA – Histórias do Tio Gerbúlio
Um homem magro
e alto, com chapéu na testa escondendo os olhos, entrou no bar mansamente. Gerbúlio tinha
ouvido um barulho de moto destrambelhada, mas só percebeu o homem quando já
estava dentro do bar. “Tipo esquisito”, pensou.
- Qual é a melhor bebida da casa? - perguntou
o homem erguendo o pescoço para ver o que tinha atrás do balcão.
- A que mais sai é a Batida do Vovô- disse
Gerbulio, estudando o homem, que virou de lado, escondendo a cara, e foi
sentar-se a um canto, de onde podia ver o resto do bar.
O bar, até
então vazio, começou a encher de gente que vinha beber e assistir à partida de
futebol. Tio Gerbúlio se sentiu melhor acompanhado, mas ainda assim ficou
apreensivo sem poder calcular o desfecho da coisa.
Quando recebeu
a batida, o homem de chapéu na cara mandou vir também uma porção de queijo.
- No capricho – disse. O dono do bar quis
avisá-lo que aquela mistura desarranjava o estômago quando percebeu que o homem
estava armado.
- Já trago! - disse e saiu discretamente.
De volta ao
balcão, Gerbúlio lembrou-se de uma notícia de dias antes sobre um homem
perigoso que fora solto pelo juiz, mesmo sem cumprir metade da pena, e que
havia sido perdoado pelo governo, recebendo indulto.
De repente todos ficaram pasmos diante do
homem que se levantara feito um cangaceiro, rodando duas pistolas nas mãos, e
gritou:
- Todos
quietos! Senhores clientes, passem todo o dinheiro e podem ficar com a vida.
Todo mundo
aceitou o negócio e logo começaram a fazer o que lhes cabia no acordo, enquanto
o homem, agora com um saco em uma das mãos e segurando uma das pistolas na
outra, fazia a coleta.
-O relógio
também- disse ele a um fiscal da Receita que bebia com os amigos.
Subitamente,
ouviu-se um barulho de explosão e algumas pessoas começaram a entrar em pânico.
- Quietos que
foi só um peido! - disse o ladrão.
Realmente o
meliante tinha peidado, mas não foi só isso. Quando foi guardar um bolo de
dinheiro dentro das calças, viu que estava todo molhado.
- Que merda! –
disse ele. - Estou todo borrado.
Logo houve
outro barulho, mas dessa vez não parecia tiro e sim um caminhão com as rodas
rodando num atoleiro.
- Desse jeito
não trabalho! – protestou o bandido.
Então,
largando o saco de dinheiro, dirigiu-se à porta, arrastando as pernas abertas,
e, subindo na moto, partiu dali como um foguete.
Um dos fregueses, que se levantou para
acompanhar a fuga do ladrão, perguntou, tapando o nariz por causa da fumaça
preta:
-Este barulho
é da moto que peida ou do bandido que caga?
Elói Alves
Do livro Histórias do Tio Gerbúlio, Editora Essencial
Com ilustrações do artista plástico Carlos Eduardo Diniz
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
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