domingo, 2 de fevereiro de 2014

A CEGUEIRA E OS RATOS NO TOPO DA POLÍTICA- Perguntero

       

          Que diabo há no topo da política que, ao contrário do alto das montanhas e dos grandes prédios de onde o olhar alcança o mundo, nela nada se vê? Pior, não se vê justamente nada imediatamente abaixo, aos pés, de quem deveria, por lei, enxergar amplamente, por ser quem manda e nomeia?
      Em São Paulo o subsecretário de finanças acaba de ser exonerado por ser denunciado por fiscais presos por corrupção. O secretário de governo de Haddad, Antonio Donato, já havia caído por ser citado no mesmo embrulho, mas tudo segue, trocando-se, apenas, algumas peças.
      No caso do metrô paulista, o Ministério Público Federal denunciou agora doze pessoas por pagamento de propina de empresas privadas a estatal EPTE, empresa paulista de energia, no período dos governos de Covas a Alckimin; mas não se citou um só político na denúncia, porque, em todos esses anos, provavelmente, foram atingidos por algum tipo especial de miopia para cuja solução óculos nem justiça, nem medo de punição têm servido de remédio - e, em eventualíssima condenação, os amigos contribuem para lhes aliviar o peso da justiça, pagando-lhes as multas numa caixinha. Aliás essa doença não é nada nova, parece até ter seu fluxo origem em um plan-o- (mais) alto essa chaga ocular de nunca se saber de nada, para conveniência e em detrimento de toda visibilidade pública para a qual também há tantos cegos.
      No entanto, será que, como os ratos, no topo da política, o dinheiro desviado é vislumbrado no escuro? Será que há algum odor nas notas como nos queijos o há para os pequenos e imundos roedores?
Zé Nefasto Perguntero

O Assalto ao deputado

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O ASSALTO AO DEPUTADO

      Teresa e o namorado tinham ido ao cinema assistir Tudo vai bem na República de Eldorado. Quando saíram do estacionamento do shopping perceberam o tumulto entre os carros parados no congestionamento e a moça definiu o cheiro insuportável que enchia o ar:
        -Nossa, que cheiro de enxofre!- disse ela.
      Quando desceram, se juntando aos populares, viram uma fumaça preta saindo do pneu traseiro do carro importado que os bandidos pararam à bala. Mesmo blindado e com o motorista tendo curso de direção defensiva, o carro foi interceptado.
     Os bandidos, que estavam mais à frente, todos mascarados, exigiam mais dinheiro de um homem engravatado, que lhes passara uma mala de dinheiro que trazia na mão. Os populares, antes que os bandidos, reconheceram a vítima. Tratava-se do deputado Gerdebaldo de Albuquerque Liso e Silva Raposo do Bom Fim Neto.
     Como os meliantes achavam insuficiente, para recompensar seus esforços, apenas uma mala recheada de dinheiro, o deputado, que jurava às pistolas não trazer mais nenhum nos bolsos, nem nas meias nem na cueca ou nos forros da gravata, pediu ao bandido, que lhe apertava a goela pelo colarinho branco, uma “licencinha” e fez um breve e empolado discurso ao povo para que este contribuísse com qualquer coisa de que dispusesse, para solução daquela situação tão grave pela qual passava um representante deste mesmo povo, defensor incansável da sociedade, das sagradas Instituições republicanas e da intocável democracia. Não havia ainda terminado com "conto com vossas gentilezas" quando foi interrompido.
      -Gasolina! Gasolina! Gasolina!- gritaram os populares em um som uníssono cada vez mais forte, formando um coro em que parecia só haver tenores.
      O deputado, vendo que alguns, com pressa de colaborar, já, efetivamente, se dispunham a buscar galões e mangueiras e outros corriam a um posto adjacente, deu ordens aos ladrões que o detinham:
      -Vamos sair daqui rapidamente e resolvemos isso entre nós mesmos.
      Algum tempo depois chegou a polícia, que nada ao certo pode apurar senão a informação de um bêbado, segundo quem o deputado chefiava uma gangue de bandidos mascarados e que tinham sequestrado o dono do carro importado.
Elói Alves

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Outros textos:

 

domingo, 26 de janeiro de 2014

A METAMORFOSE

Peno com o corpo em um mundo sem alma
Não há limite para Estupidez
Qual será a doença que desalma o mundo?
Estava no pacto tudo transformar em pedras?
O que restará ao final da metamorfose
que há muito dos gestos gentis fizera estes sons metálicos,
frios e corrosivos como uma peste silenciosa?
Como se chamará esta coisa disforme e rude
Quando não mais se lembrar de que um dia foi homem?
Elói Alves
 
Lançament Contos humanos, imagens

sábado, 25 de janeiro de 2014

OLHARES DE ANDARILHOS

(Do livro Contos humanos)

      Um mendigo de São Paulo resolveu adotar uma rua do Ipiranga, onde fica a minha casa, como sua. Há já mais de dois anos que por ali fica. Seja porque os vizinhos são bons para ele ou porque sente-se seguro por ali; o certo é que foi ficando e lá está, mais que muitos moradores, que saem cedo e voltam tarde à casa. Comida, água, e até algum dinheiro para o cigarro, que não lhe falta, e para a cachaça e o café no bar do seu Manoel.
      Mas às vezes o mendigo some. Uma semana inteira. Às vezes mais. Não é a saudade que marca firme a sua ausência, não serei hipócrita nem mais cristão do que sou. É certamente o descanso, o alívio de não ter a campainha sendo apertada a toda hora, a qualquer horário, da noite ou do dia, desconcentrando-me do trabalho, das leituras, das correções, de traduções ou de cuidados do corpo ou da casa, despertando-me mais cedo com o esquivo relógio da rua para ir atender à porta, dizer que ainda não se fez o café.
      Um dia, em uma andança minha, encontrei-o no centro da cidade, próximo à praça da Sé. Não me viu, parece-me. Eu ia às pressas, na outra calçada, pegando-me à Caixa Cultural. Ia ao cartório na rua 15 de Novembro; já entardecendo, próximo às quatro, firmei os passos e segui caminho. Depois, mês adiante, vi-o junto à Praça da República. Cigarro à boca, ar despreocupado, ia observando e seguindo, vagarosamente, um protesto de professores, que enfiava-se pela Barão de Itapetininga indo para os lados do Teatro Municipal. Depois dessa, que foi há mais de ano, já o vi mais vezes, perambulando pelas ruas centrais, desde o Parque Dom Pedro às ruas da Luz ou pela Avenida Ipiranga.
      Somos, pois, dois andarilhos nesta cidade. Ele talvez sem o meu estresse, sem a minha pressa, sem os meus cuidados, sem minhas vigilâncias a cada passo, livre da ditadura dos velhos ponteiros do relógio da estação da Luz, que me pedem para não demorar mais a passada. Eu, sem o seu olhar abstrato e vago, olhando firme e atento a cada instante, esquivando-me da fumaça dos que fumam nas filas com a agilidade dos pés e das mãos, reparando o estado da cidade, sentindo-me feliz e infeliz com o que sinto e vejo a cada canto, à esquerda e à direita, ao chão e nas fachadas dos prédios, fixando os olhos nos muitos números do impostômetro e correndo ao banco para não pagar juros.
       Passantes, caminhantes, corredores, passeadores e andarilhos: São Paulo é uma cidade de movimento, de movimentos intensos. Os ritmos mudam, certamente, mas o movimento não pára.
     São Paulo é uma cidade de atletas. Velocistas que correm contra o tempo que lhes parece quase sempre contrário. Não só paulistanos de nascimento, mas todos que adotam a cidade para nela morar, estudar, trabalhar, negociar ou passear. Há também os paulistanos de passagem que cruzam a cidade ou passam por ela todos os dias dirigindo-se às cidades adjacentes. Também os atletas do Ibirapuera, do Museu Paulista, da USP, das academias que correm em ambientes mais adequados ou apenas caminham para o bem de sua saúde. Mas parece impossível passar pela cidade sem senti-la, absolutamente incólume.
       Há ainda os que correm nos carros ou nas motos, pelas grandes vias, pelas vias menores que servem de acesso àquelas. Pois São Paulo é uma cidade que se conecta, que se entrecruza, integrando pontos longínquos e diminuindo suas distâncias. Marginais, Elevado, avenidas, Radial, alamedas, túneis, viadutos, pontes etc, uma rede complexa de vias que proporcionam seus movimentos na diversidade inconstante de sua velocidade.
     São Paulo é uma cidade em movimento. De alma pujante, de coração pulsante, cujo tamanho, cujo trabalho e cujos desafios são sempre novos e maiores. A demanda é sempre maior, por mais e pelo melhor: mais metrô, melhor transporte. E também a demanda pelo menor como meio de solução: menos trânsito, menos poluição. A pujança e a pulsação desta alma paulistana são típicas e inconfundíveis.
Nossa cidade não é um desafio apenas para quem a administra, até porque essa função deve ser coletiva. O compromisso com o voto e a confiança do povo a que se submete o prefeito, sua preocupação com a boa avaliação não deve ser maior que o compromisso dos moradores da cidade, por ser esta sua casa, lugar onde se desenrola sua vida, seu trabalho, onde põem e repõem suas energias. A consciência de que a qualidade de vida do cidadão passa obrigatoriamente pela qualidade da cidade é busca renovável e contínua para o citadino. Na verdade, a vida da cidade reflete o modo de ser, em todos os seus sentidos, daqueles que a habitam.
      Eu continuo andando. De metrô, de trem, de ônibus, muitas vezes lotados, de carro e a pé. Gosto muito de andar a pé. De andar e ver tudo que há na cidade. Na última Virada Cultural andei boa parte da madrugada. Foi a primeira vez que andei a pé a essas horas. Fui da feirinha de livros da biblioteca Mário de Andrade ao Páteo do Colégio no outro lado do centro velho, que era o espaço da música clássica, parando em vários palcos para ver a arte em sua diversidade. Na era do orkut, do MSN e do facebook, fui reencontrar no Vale do Anhangabau, entre os milhares de espectadores do Stand up comedy, amigos da faculdade que já não via a tempo, sem termos marcado nada. A arte estava em toda parte. E para mim, o vai e vem das pessoas era parte de tudo, era parte da arte, se não já o fosse. A cidade repelia sua suposta existência autônoma, indo exatamente no ritmo das pessoas, no clima de seus habitantes.
       Em abril passado me ocorreu um convite sui generis na Praça Ramos de Azevedo, onde existiu o Mappim. Enquanto cruzava a praça, entrando pela Xavier de Toledo, em direção ao restaurante de um chinês barateiro, onde sempre como, vi um movimento mais ou menos organizado na escadaria do teatro. Um pouco mais de cinquenta pessoas, vestidas com camisetas amarelas, com faixas e cartazes, ouviam um homem que falava através de um microfone sem potência, alguns degraus acima. Era já noite, umas nove horas, e na correria do dia só fui lembrar ali que era o dia do nascimento de Monteiro Lobato, o dezoito de Abril. “Pena”, pensei, “isto me escapara”. Entrei no meio do grupo e ouvi .que falava da literatura infantil, do Sítio do pica pau amarelo e depois das atividades de Lobato na Velha Academia do Largo de São Francisco .e resolvi perguntar para o rapaz do panfleto se era algum professor. Não era! O homem era um guia turístico, liderava um grupo de pessoas que andava pelo centro, visitando lugares famosos e prédios históricos. Dali iriam a biblioteca Monteiro Lobato. Passeio turístico pelo centro de São Paulo? Fiquei pensativo, mas lembrei do restaurante do chinês e rejeitei o convite, prometendo ir ao próximo encontro .
       Não fui ao próximo, nem os vi mais em parte alguma da cidade depois disto. Continuei fazendo minhas andanças quase sempre solitárias e sem planejamento prévio. Ontem mesmo tive que ir à galeria do Conjunto Nacional. Saindo de lá, lembrei-me de que era sábado, e sendo já final de tarde convinha-me dar cordas às pernas. Dei-lhes cordas, e imagina quais foram que quando dei por mim já havia andado metade da Avenida Paulista, passado pelo Masp e ia cruzando a Brigadeiro. Bom, estando ali, agora era esticar até o Centro Cultural São Paulo, que fica na estação Vergueiro. Bem, para hoje não tenho nada programado, mas deixa eu ir à porta, que estão tocando a campainha.

Elói Alves
do livro Contos Humanos

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

CICLO DE PALESTRAS



        Iniciando ciclo de palestras sobre língua e comunicação, gêneros textuais, oralidade e escrita em Itaquaquecetuba. Com início ontem, 16, os próximos encontros serão realizados ao longo de todo o primeiro semestre do ano.
         Muitíssimo grato ao dr. Arthur Del Guércio, por seu gentil convite, e, pela receptividade, a toda sua prestimosa equipe.
Elói Alves

domingo, 12 de janeiro de 2014

TIO GERBÚLIO ASSUME OS SERVIÇOS DA CASA

      Era domingo. Dona Prudência, pela primeira vez desde que se casara, tinha caído doente e, muito contrariada, se sujeitou às ordens do médico, que lhe receitara repouso absoluto e algumas pílulas amargas, que ela tomava com café e o dobro de açúcar.
      Gerbúlio, solícito em tudo, deixou a missa e o costumeiro passeio na feira para substituir a mulher nas tarefas de casa. Mandou que o menino brincasse no quintal, à frente da porta, e principiou o serviço com uma varredura geral. Depois passou ao fogão, de onde, deixando o feijão no fogo alto, correu ao tanque, ensaboando e esfregando as roupas que a mulher separara na véspera.
      Depois de verificar onde Gerbulinho brincava, saiu em vistoria pela casa à cata de outras roupas sujas. À porta do banheiro, passou a mão numa toalha molhada e perguntou à mulher, parando na entrada do quarto:
      -Oh, meu bem, não tem por aí mais alguma roupa precisando lavar, só encontrei aqui esta toalha?
      -Ora!- disse de dentro a mulher- têm esses panos de bunda aí do teu filho no cesto. Tu não tem nariz, não, homem?
Jão Gerbulius Sobrinho
 
Lançamento do livro Contos humanos, de Elói Alves (imagens)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

SOBRE OS CONTADORES DE HISTÓRIA NOS HOSPITAIS


           Terminei há pouco a leitura de uma história tocante que mostra o percurso da Associação do contadores de história para crianças hospitalizadas. A narrativa tem o feliz acerto de não dramatizar o sofrimento, de não por o foco na dor, mesmo quando relata casos, em si tocantes, de pacientes em fase terminal. A história é antes de tudo uma mostra de que amar o ser humano ainda é possível neste mundo insensível, que é possível promover a dignidade humana para quem está com a vida por um fio. Fico especialmente enternecido por ver o valor que a literatura humanística e não comercial tem neste trabalho difícil e pungente. Só quem consegue transcender a superfície pode visualizar e experimentar o que por ali vai. Parabéns aos áureos contadores Valdir Cimino e Iraci Ciritelli e a todos que fazem esse angélico trabalho.

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