Que haja um dia um mundo melhor,
Para cujo acesso os caminhos sejam floridos,
E desenhados com arte e esmero,
Inspirando cuidado e respeito,
Com boa medida e toda a leveza,
Indicando já toda beleza,
Ternura e tudo mais
Que se possa encontrar nas coisas que se querem mais puras,
Mais ternas, mais benfazejas,
Na doçura, na arte e nos encantos,
Como, num exemplo, tudo que se pode apreciar
Na inteireza própria da meiga feminilidade,
E em todo o encanto peculiar à MULHER.
Elói Alves
quinta-feira, 8 de março de 2012
terça-feira, 6 de março de 2012
TUDO EM FAMÍLIA
Meu pai era um homem duro. Às vezes parecia-me que era de gelo. Às vezes era pedra e gelo ao mesmo tempo. Certa vez, em que pareceu-me que secara a última gota do meu cálice de paciência, fui para meu quarto decidido a fazer minhas malas e cair pelo mumdo.
-Ponha a mão na consciência- disse-me minha mãe, ao perceber o meu projeto.
Mas meu coração era realmente uma terra desconhecida. Terra arrasada e sacudida.
Minha mãe, que era um rio de docilidade, tentava convencer-me com histórias sem pé e sem cabeça. Dizia que o mundo era repleto de trevas e que os homens amavam apenas o cobre e os que fugiam de uma fera encontrava-se com duas pelo caminho.
Não era a primeira vez que o velho pisava na bola. Ele era um torrão fumegante, que nem queimava-se de todo, nem apagava-se de vez.
Nessas horas, eu respirava fundo e firmava o controle. Sabia extamente o que estava fazendo: meu projeto de cair na estrada não incluia ir até a ponta dela, nem ainda desertos inóspitos. Meu plano era um pouso mais rápido, de um caminho mais ameno. E assim fiz: dirigi-me à casa de meu avô, que ficava a um pulo da nossa.
Antes de sair, beijei minha mãe sem fazer cerimônia. Peguei um ônibus, desci dois pontos adiante e finquei pé até a casa de meu avô.
Fiquei alguns anos juntos às águas tranquilas que corriam pelo seu lar. Ele sonhava fazer-me pupilo de sua sabedoria, cuja docilidade, mas sem sua sapiência, herdara minha mãe. Esta queria-me ainda junto dela, chamando-me com doces lisonjas. Mas como não me dispus a voltar, foi ela quem veio juntar-se a nós, quando no coração de meu saudoso e forte pai arrebentaram-se suas inflexíveis veias em uma tarde de chuva triste e leve, em que um gato avizinhado apanhou-lhe, num piscar d`olhos, a sua cheirosa carne para o churrasco.
Elói Alves
-Ponha a mão na consciência- disse-me minha mãe, ao perceber o meu projeto.
Mas meu coração era realmente uma terra desconhecida. Terra arrasada e sacudida.
Minha mãe, que era um rio de docilidade, tentava convencer-me com histórias sem pé e sem cabeça. Dizia que o mundo era repleto de trevas e que os homens amavam apenas o cobre e os que fugiam de uma fera encontrava-se com duas pelo caminho.
Não era a primeira vez que o velho pisava na bola. Ele era um torrão fumegante, que nem queimava-se de todo, nem apagava-se de vez.
Nessas horas, eu respirava fundo e firmava o controle. Sabia extamente o que estava fazendo: meu projeto de cair na estrada não incluia ir até a ponta dela, nem ainda desertos inóspitos. Meu plano era um pouso mais rápido, de um caminho mais ameno. E assim fiz: dirigi-me à casa de meu avô, que ficava a um pulo da nossa.
Antes de sair, beijei minha mãe sem fazer cerimônia. Peguei um ônibus, desci dois pontos adiante e finquei pé até a casa de meu avô.
Fiquei alguns anos juntos às águas tranquilas que corriam pelo seu lar. Ele sonhava fazer-me pupilo de sua sabedoria, cuja docilidade, mas sem sua sapiência, herdara minha mãe. Esta queria-me ainda junto dela, chamando-me com doces lisonjas. Mas como não me dispus a voltar, foi ela quem veio juntar-se a nós, quando no coração de meu saudoso e forte pai arrebentaram-se suas inflexíveis veias em uma tarde de chuva triste e leve, em que um gato avizinhado apanhou-lhe, num piscar d`olhos, a sua cheirosa carne para o churrasco.
Elói Alves
Prefácio de As pílulas do Santo Cristo, romance de Eloi Alves
Primeito
capítulo:
Segundo
Capítulo:
domingo, 4 de março de 2012
O SONO E O MUNDO
Neste domingo acordei cedo. Mas ignorei o mundo, que me chamava, dando-lhe de ombros, e reentrei no mundo do sono mansamente, para não despertá-lo.
O sono é muito sensível como os homens e como as crianças. Às vezes fica de mal e some. Às vezes simplesmente não comparece ao encontro, como esperado.
Outras vezes ele aparece e, não encontrando ninguém no local marcado, à hora costumeira, vai-se por seu caminho, sozinho.
Mas às vezes ele nos pega à força, fazendo-nos submissos, como bonecas de pano, sem lhe importar o local ou os cúmplices, e nem mesmo outros implicados.
O sono quando contrariado veste-se com sua capa de soberano, pega seu controle do mundo, encapado como dócil cajado de condução de ovelhas e sai a vingar-se pelas entrâncias do mundo.
Mas ele odeia os ditadores baixos e não permite confundir-se com eles. Também rejeita a idolatria basbaque e ingênua, ignorando os sonólatras que se estendem pela estrada. A idolatria possui classes e subclasses. Ele as rejeita a todas. Ele age sempre ao seu modo, como soberano pacífico e indiferente ou como usurpador de entranhas e víceras.
O sono irado é como Posseidon, o sacudidor dos mares e da terra. Mas é também piedoso ao seu modo, não permitindo que as vítimas de sua ira o vejam agindo. Faz tudo na inconsciência absoluta.
Por isso, fui mansamente, deixando me levar junto às águas amenas e sossegadas, num acordo tácito com o sono. Fiz uma viagem tranquila, saborosa e, além do mais, restauradora.
Mas foi preciso ignorar o mundo.
Elói Alves do Nascimento
O sono é muito sensível como os homens e como as crianças. Às vezes fica de mal e some. Às vezes simplesmente não comparece ao encontro, como esperado.
Outras vezes ele aparece e, não encontrando ninguém no local marcado, à hora costumeira, vai-se por seu caminho, sozinho.
Mas às vezes ele nos pega à força, fazendo-nos submissos, como bonecas de pano, sem lhe importar o local ou os cúmplices, e nem mesmo outros implicados.
O sono quando contrariado veste-se com sua capa de soberano, pega seu controle do mundo, encapado como dócil cajado de condução de ovelhas e sai a vingar-se pelas entrâncias do mundo.
Mas ele odeia os ditadores baixos e não permite confundir-se com eles. Também rejeita a idolatria basbaque e ingênua, ignorando os sonólatras que se estendem pela estrada. A idolatria possui classes e subclasses. Ele as rejeita a todas. Ele age sempre ao seu modo, como soberano pacífico e indiferente ou como usurpador de entranhas e víceras.
O sono irado é como Posseidon, o sacudidor dos mares e da terra. Mas é também piedoso ao seu modo, não permitindo que as vítimas de sua ira o vejam agindo. Faz tudo na inconsciência absoluta.
Por isso, fui mansamente, deixando me levar junto às águas amenas e sossegadas, num acordo tácito com o sono. Fiz uma viagem tranquila, saborosa e, além do mais, restauradora.
Mas foi preciso ignorar o mundo.
Elói Alves do Nascimento
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