Já na
infância Pedro Homiliano parecia-se desencontrado. Na escola, aprendia tudo ao mesmo tempo em que ia desaprendendo as coisas.
Os pais não
se viam plenamente refletidos nas maneiras e no desenvolvimento do filho e o
toleravam resignados, até o dia em que a mãe o encontrou pelado com outros meninos
na casa dos fundos, castigando-o e restringindo-lhe os espaços.
Não foi
o melhor ou o pior da escola. Dedicou-se, porém, a fôlego curto, dispersando-se
entre desejos desencontrados. Aos dezoito anos entrou para faculdade. Longe
dos olhos dos pais, vivendo agora numa república de estudantes, deixou
romperem-se os últimos fios que enrolavam-se às asas de seus sonhos de vida
livre e aventurosa, embora não abrisse mão dos recursos que lhe enviavam os pais.
Passados
os primeiros tempos de aulas intermitentes, abraçou-se a uma depressão fina e
aguda que lhe trocou os olhos claros e vivos por outros abstratos e curtos, tímidos, que não ousavam estender-se senão
aos copos de cerveja e a outras companheiras mais quentes que pediam cigarros e mais cigarros,
indo dai a dar serviço aos médicos por um longo tempo, sonso e taciturno.
Posto de lado o jornalismo, passou a cursar direito, que durou pouco. Deste foi
ao teatro, para logo o largar, quando passou num concurso público que deixou apenas se achou nele empossado.
De
quando em quando ia ver os pais. Beijava a mãe, abraçava o velho e obtinha deste
algum dinheiro que dissipava logo. Depois trabalhou, amou e desamou a homens e
mulheres guardando sempre uma imagem longínqua do que se passava, junto de uma saudade triste e lenta
e partia levando sempre a mesma insatisfação diluída em afazeres vagos e
imprecisos, monótonos como o cinza imenso que derramava-se pelos céus, nos dias de ventos
frios que lhe cortavam a pele.
Aos
vinte e cinco anos, entrou pelo caminho de uma seita; depois a trocou por outra; que
foi substituída pela seguinte; que teve também sua sucessora; até que encontrou a
única, a definitiva, sua porta aberta sob feixe de luz pela qual entrou de cabeça ereta e busto
soberbo.
Depois
de uns meses, vestido num manto especial, ingressou no grupo de missionários e foi à Amazônia
salvar alguns índios. Logo na chegada, desgarrou-se de seu pequeno grupo e
entrou pela mata densa. Nas buscas contínuas, seguiram seus passos e refizeram
o caminho pelo qual se embrenhara, chamando alto pelo seu nome, que ecoava forte, repartindo-se por espaços longínquos, até perder-se, de todo, entre as árvores frondosas e infinitas, deixando no ar, até hoje, o vazio do desconhecimento de seu destino.
Elói Alves
do livro Contos humanos
Os ratos e os reis do Brasil
http://realcomarte.blogspot.com.br/2013/08/os-ratos-e-os-reis-do-brasil.html