sábado, 30 de setembro de 2023

Prefácio a "Os contos do pássaro", do escritor Décio Scaravelli

Atendi com alegria o pedido do escritor Décio Scaravelli para prefaciar seu belíssimo livro "Os contos do pássaro",  que em breve virá a público, pela Editora Essencial. Os queridos amigos que queiram conhecer um pouco do livro do Décio tem a seguir o brevíssimo prefácio. Muito Obrigado ao autor pelo gentil convite e aos leitores pelo carinho da leitura.




Elói Alves

As saborosas histórias que se desenrolam no presente livro, do escritor Décio Scaravelli, se filiam a uma antiga tradição narrativa cuja estratégia de ficção literária nos surpreende de tempos em tempos, como se observa na clássica e encantadora história de Mário de Andrade: “só o papagaio no silêncio do Uraricoera preservava do esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitos do herói”.

Aqui, aliás, o narrador ressurge em um sabiá, tão decantado como “cantor da estação do amor”, que parece beber das doçuras de Macunaíma, evocando inspiração à estatua de Camões e fazendo seu ninho junto à casa das histórias, essa célebre biblioteca paulistana, cujo nome lhe empresta o autor de nosso “herói sem nenhum caráter”, em que tantos intérpretes vislumbram, sabe-se lá com quantum de razão, a personificação do brasileiro.

A própria oralidade e a tradição popular se fazem devotas do ofício dessas aves, pois, na ausência de outra fonte fidedigna para suas histórias e saberes, se dizia: “um passarinho me contou”. Mas foi nas obras mais sublimes de nossa literatura que se viu e ouviu cantar essa “ave que reza muito”, como se traduz do tupi, pois, assim, vem ela figurar numa “terra que tem palmeiras”, onde está a cantar”, e, no triste exílio do poeta, as aves que lá “gorjeiam” não o fazem como nosso canoro sabiá.

A mesma ave narradora, a propósito do amor de Dante, que abre as narrativas do livro, poderia evocar os versos de Bandeira: “Passarinho... minha canção é mais triste...”. No entanto, às lágrimas do poeta, que lhe caiam como se fossem a música suplicante do mágico Gonzaga: “alivia minha dor, sabiá, diga onde anda meu amor”, a personagem do pássaro-narrador lhe toma seu lugar no inferno da imobilidade fria e petrificada em que jazia como obra de arte, dá-lhe animus vivendi, manda-lhe purgar pelas ruas sinuosas dos desencontros citadinos, até que se depare com Beatriz, e nela encontre o seu paraíso, numa analogia à obra maestra que nos deixou Alighieri na Divina Comédia,” o poema dos poemas”, no dizer de Schelling.

A todos os leitores que se deleitem dessas belas narrativas de Contos do pássaro.

Elói Alves é advogado, atuante em SP, e prof., formou-se em Letras pela Universidade de São Paulo-USP e em Direito pela FMU, é autor, entre outros, dos livros O olhar de lanceta: ensaios críticos sobre literatura e sociedade e do romance As pílulas do santo Cristofoi revisor de importantes obras jurídicas e literárias. Email:


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