Uma
inexplicável associação entre o zumbido de uma mosca à janela do ônibus, que me
levava de férias por um sítio montanhoso, a um roído silencioso e intermitente que há tempo também andava de férias, fazendo escavar um curioso feito de tempos atrás, em
que um colega de trabalho, admirado por mim, tão estreitamente que já amigos,
fez-me inutilmente procurar a razão de um ponto solto.
Na
volta para casa, ao fim da tarde, parou ele a uma banca em que se vendiam fraldas;
pegou uma, entre várias que estavam sobre a bancada, e examinou-a; esticou o
tecido, remexeu-o levemente e concluiu a compra num diálogo amistoso com o
comerciante.
Pouco
depois, à mesa do café, mais à frente, uma ventania anunciou a proximidade de
uma forte chuva de verão; meu amigo pegou o cartão para pagar a conta e pediu
que cobrasse também o meu café; a que respondi, agradecendo-o, que já havia
pago.
Antes
de sairmos, ele examinou o embrulho da fralda, e, abrindo, lentamente
desdobrou-a em duas.
-Não
era uma? – perguntei.
-Era,
e esboçou um pequeno riso que morreu logo.
À porta,
o vento, mais forte agora, derrubou uma placa de propaganda; saímos rapidamente,
e, separando-nos, cada qual correu ao caminho de sua casa.
Por
algum tempo o roído silencioso cozeu-se àquela lembrança, cosendo-me alguma inútil
resposta.
Vi-o pagar
sempre sem regatear ou questionar; muitas vezes dar esmolas, gorjetas, mandar um sorriso
sóbrio aos ingratos; sempre polido, com voz tranquila e movimentos modestos,
nada a combinar com a sutil dobra da fralda, que ele ajeitara tão habilmente
enquanto dividia uma boa prosa com o homem que lhe vendia e que era ao mesmo
tempo logrado por ele.
-Quando
desfralda teu filho? -. Perguntei-lhe certa vez.
-Logo;
parece que o pequeno tem pressa-. Disse-me num tom que achei gracioso.
Por
esse tempo, não sei se por alguma razão inarticulada, juntei ao léu os verbos desfraldar
e defraudar. Não era, então, hábito meu esmiuçar semânticas, mas ocorreu-me
logo que eram verbos opostos: um liberava a criança, para escalar o edifício da vida; outro causava dano a
outrem, arruinando o que se construía. Ora, porque ele, tantas vezes nobre e correto, sutilmente, e sem outra
necessidade, juntara as fraldas, pagando apenas por uma?
Teria
achado caro? Nesse caso, certamente compraria de outro. Ou quisera simplesmente
impressionar-me com a habilidade de duas mãos leves? Talvez nesse caso o hábil tivesse sido o comerciante,
que, ganhando menos, conservava o cliente e abençoava a paz e a saúde que
serenavam sobre sua casa.
Não
atinei, então, nem agora, com alguma razão, que por acaso haja; meu amigo vai já por
caminhos distantes que desconheço (que lhe sejam bons!), e peço a essa mosca zumbidora que deixe
livre o meu fim de viagem.
Elói
Alves