sábado, 30 de junho de 2012

CORAÇÃO MÍOPE

Que me pedes, pobre coração
Que acredite, que tenha esperança?
Vejo que estás míope, como minha alma

Não vês que me roubaram a fé no mundo
Que o esperar me cansa e ao andar tropeço
E já não posso estar só nem acompanhado?

Como prosseguir se não há mais norte
Se o juízo some antes do oriente
E se não vejo nada procurando em tudo?

Siga o compasso, inocente coração
E bata mansamente, como águas sem pressa
Não faça despertar minha razão dormente
Elói Alves

sexta-feira, 29 de junho de 2012

ENCONTRO COM NERUDA

       Conheci Neruda em minha adolescência, em um sebo do centro de São Paulo. Essa loja de livros usados, numa rua esguia e largada, próxima à catedral da Sé, tinha verdadeiras raridades. Um livrinho amarelecido, com páginas caídas estava entre outros em igual estado. Comecei a folheá-lo e fui me encantando aos poucos com Residencia em la tierra.
     Tive uma infância de trabalhos, na extrema periferia da cidade e meus estudos foram bastante irregulares nesse período, com evasão escolar. Não havia hábitos literários em casa e fui conhecer esse mágico mundo quase sozinho em minhas andanças quando comecei a trabalhar pelo centro.
    Depois amadureceu o gosto, o contato foi ampliando-se a outros autores espânicos. Gabriel Garcia Marquez, Cervantes, até que me formei em letras pela Universidade de São Paulo. Infelizmente a literatura brasileira é pouco difundida pelo mundo, ainda hoje não temos um prêmio nobel. Na verdade não tem feito grande falta; mas seria um reconhecimento, se premiassem um bom nome.
Para um contato maior com o mundo, a primeira saída para nós é a língua irmã, a neolatina mais próxima, geográfica e linguisticamente: a língua da escrita de Pablo Neruda.
     Meu primeiro contato com Neruda se deu no Lugar certo. As livrarias comerciais de São Paulo não convidam os grandes amantes das letras, que eu gosto de chamar em meus escritos de letrófilos, e é também o nome de minha página na web. Elas estão voltadas aos títulos comerciais. Ah, hoje mesmo tenho de ir ao centro, certamente irei ao sebo e procurarei por Neruda. Até mais tarde, meu mestre de ontem e de sempre.

Elói Alves 
do livro Contos Humanos

(Escrevi este texto para a antologia do poeta chileno Alfred Asis que organizou justa homenagem a Pablo Neruda)

terça-feira, 26 de junho de 2012

O SER CAÓTICO

Sou um outro caos no próprio caos que é o mundo
Esparramo-me, vazio, pela imensidão do nada
Sem forma e sem feitio de um ser só meu
Sem o existir total e inteiramente

Misturo-me ao mundo, desmanchando...
Sem ser, sem existir e sem fazer
Completamente externo a mim mesmo
Sem poder estar de pé ou me afirmar

Que distinção se fazer no que é feito
Se não há puramente um só ser...
Desencontro-me ante a razão e à luz do dia
E cerro os olhos para dar comigo mesmo
Configurando-me na extrema escuridão

Elói Alves

domingo, 24 de junho de 2012

PARA QUE SERVEM AS ESTRELAS...

Hoje meu coração amanheceu batendo mais depressa
Estranhei-o, mas sosseguei; ele anda agora com o tempo
Com o mundo, que não pára nem sossega

Aonde vão assim, insuficientes pernas?
São longas mas nunca dão conta do caminho
Que vontade de chegar sem saber onde...

Minhas pernas estão menores que antigamente
Elas gastam-se, esfarelando pelo caminho
Também não está inteiro meu o coração

O horizonte alonga-se eternamente
Jamais poderei alcançá-lo
É inútil me deixar levar pelo vento

No pico do monte não havia estrela
Para que servem as estrelas-
Pergunto-me sem querer saber...

Elói Alves

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