quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

TRAGÉDIA NO NATAL

        Era natal. A cidade reluzia na beleza de todos os seus enfeites. O principal viaduto da cidade fora adornado com luzes e flores natalinas. Do fundo do vale, sob o qual passavam os carros, eregiam-se enormes eucaliptos esplendidamente iluminados, indo competir, em seu ápice, com os postes do charmoso viaduto.
       À frente do moderno edifício da Prefeitura, papai noel agigantado recebia as crianças que subiam nos trenós, onde os pais as fotografavam com as renas. As moças faziam pose para as fotos e os namorados beijavam-se embebidos da paixão e da alegria. Do outro lado do viaduto, o enorme shopping, de frente para o enorme templo da música clássica em cujo lado estava o teatro, explendoroso em sua bela arquitetura barroca, enfeitava a cidade com suas cortinas vermelhas envoltas em fitas verdes, perfiladas em suas infindáveis janelas.
       De repente, ouviu-se um barulho estranho. Algumas pessoas olhavam para baixo do viaduto. Era um infeliz que dera cabo à sua vida. Havia pouco estava absorto, perto da enorme árvore de natal. Uma criança, que corria, tropeçou em suas pernas, frias e duras, sem que o homem desse com nada. Apenas continuou parado.
Estava ali há algum tempo e na verdade andava já em outro mundo.
        Havia saído de casa fazia dias, quando leu no celular da mulher as mensagens do amante. Pegou algumas vezes na faca, mas seu filho estava sempre por perto. Saiu, então, para rua e instalou-se em um hotel no centro. Nesses dias pouco comeu e nada trabalhou. Passara horas no quarto do hotel e às vezes saia à rua, como agora, olhando o nada.
         Da árvore de natal foi caminhando em direção ao shopping. Sempre lento, como se não houvesse se movido, olhando para o infinito de si mesmo. Estacou-se, de repente, no meio do viaduto. Apaupou a mureta e mirou o longe, como se olhasse ao alto, onde a bandeira, hasteada na escuridão, dizia-lhe: "ORDEM E PROGRESSO".
         Logo voltou de si, como se tivesse saído da amargura. Levou a mão direita à camisa amassada e tirou do bolso uma foto. Beijou-a com um beijo gélido: era um menino loiro. Depois subiu a mureta e saltou para encontrar o fundo do vale.
        No mesmo instante, das janelas do shopping, um coral de crianças órfãs encheu a cidade com seu lindo canto natalino
Elói Alves


Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de minha autoria:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e doutor em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
Adquirir exemplar do livro:http://realcomarte.blogspot.com.br/p/as-pilulas-do-santo-cristo-adquiri.html

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

UM INGLÊS PEDINTE NO CENTRO DE SÃO PAULO

Às oito horas da noite, deste domingo, saí de casa na Líbero Badaró, próximo à Prefeitura, e, atravessando a praça do Patriarca, fui em direção ao Centro Cultural do Banco do Brasil, entrando pela rua da Quitanda.
Domingo à noite a cidade está vazia, geralmente. Na praça, dois ou três homens desmontavam um palco; mais à frente, um mendigo remexia uns lixos. Um homem com sacolas ia vagaroso no meu caminho, firmei os passos e peguei distância. Cresci andando por essas ruas e aprendi suas estratégias. Comecei a conhecê-las entregando lanches e me perdendo por elas. Aos catorze, havia “ascendido” a office boy registrado, numa agência de viagens, cheia de estrangeiros, e continuei a frequentá-las como agora.
Ia sozinho, já quase no cruzamento da rua da Quitanda com a Alvares Penteado, quando uma bicicleta surgiu do nada, vindo em minha direção. Recompus o olhar, o corpo e esperei, sem diminuir o ritmo. Emparelhou-se, logo, guardando a distância que eu ia mantendo.
O homem teria uns quarenta anos, não mais, acho. Estava sujo nas roupas e com os loiros cabelos despenteados na mesma ausência de limpeza. E como parecia um pouco enrolado, com minha cautela ou outra coisa, adiantei-me, firme:
-Pois, não?
-Sou inglês_ disse em português e emendou em sua língua, Do you speak English?
-Bad (mal), respondi e ele se riu um pouco.
Sempre dei essa mesma resposta a todos os ingleses e americanos, mormons e outros, que fui encontrando desde moleque pelas ruas de São Paulo e que me peguntavam se falava inglês. A princípo, por não saber realmente aquele idioma, depois porque percebi que a resposta bastava. E eles sempre riam, como agora este da bicicleta.
Pediu-me dinheiro, em fim, para comprar uma marmitex, e disse-lhe, guardando a distância e com a mesma frieza dos ingleses:
-I don`t have money (No tenho dinheiro).
Ele deu-me o seu “thanks”, e foi em direção à praça da Sé, enfiando-se pela rua XV de Novembro em velocidade tal que logo o perdi.
Este britânico fez-me mergulhar no tempo e ir ter com um outro, que fora casado por uns anos com a dona da agência que referi acima. Teria uns cinquenta anos, hoje, um pouco mais até. Pode ser que apenas se pareçam ambos, como aos meus olhos são iguais os japoneses, mas quem pode duvidar do elevador da vida capitalista?
Elói Alves do Nascimento

domingo, 4 de dezembro de 2011

OLHARES E PASSADAS PELA CIDADE

(Do livro "Sob o céu da cidade", ed. Moderna)

       Um mendigo de São Paulo resolveu adotar uma rua do Ipiranga, onde fica a minha casa, como sua. Há já mais de dois anos que por ali fica. Seja porque os vizinhos são bons para ele ou porque sente-se seguro por ali; o certo é que foi ficando e lá está, mais que muitos moradores, que saem cedo e voltam tarde à casa. Comida, água, e até algum dinheiro para o cigarro, que não lhe falta, e para a cachaça e o café no bar do seu Manoel.
       Mas às vezes o mendigo some. Uma semana inteira. Às vezes mais. Não é a saudade que marca firme a sua ausência, não serei hipócrita nem mais cristão do que sou. É certamente o descanso, o alívio de não ter a campainha sendo apertada a toda hora, a qualquer horário, da noite ou do dia, desconcentrando-me do trabalho, das leituras, das correções, de traduções ou de cuidados do corpo ou da casa, despertando-me mais cedo com o esquivo relógio da rua para ir atender à porta, dizer que ainda não se fez o café.
       Um dia, em uma andança minha, encontrei-o no centro da cidade, próximo à praça da Sé. Não me viu, parece-me. Eu ia às pressas, na outra calçada, pegando-me à Caixa Cultural. Ia ao cartório na rua 15 de Novembro; já entardecendo, próximo às quatro, firmei os passos e segui caminho. Depois, mês adiante, vi-o junto à Praça da República. Cigarro à boca, ar despreocupado, ia observando e seguindo, vagarosamente, um protesto de professores, que enfiava-se pela Barão de Itapetininga indo para os lados do Teatro Municipal. Depois dessa, que foi há mais de ano, já o vi mais vezes, perambulando pelas ruas centrais, desde o Parque Dom Pedro às ruas da Luz ou pela Avenida Ipiranga.
       Somos, pois, dois andarilhos nesta cidade. Ele talvez sem o meu estresse, sem a minha pressa, sem os meus cuidados, sem minhas vigilâncias a cada passo, livre da ditadura dos velhos ponteiros do relógio da estação da Luz, que me pedem para não demorar mais a passada. Eu, sem o seu olhar abstrato e vago, olhando firme e atento a cada instante, esquivando-me da fumaça dos que fumam nas filas com a agilidade dos pés e das mãos, reparando o estado da cidade, sentindo-me feliz e infeliz com o que sinto e vejo a cada canto, à esquerda e à direita, ao chão e nas fachadas dos prédios, fixando os olhos nos muitos números do impostômetro e correndo ao banco para não pagar juros.
         Passantes, caminhantes, corredores, passeadores e andarilhos: São Paulo é uma cidade de movimento, de movimentos intensos. Os ritmos mudam, certamente, mas o movimento não pára.
São Paulo é uma cidade de atletas. Velocistas que correm contra o tempo que lhes parece quase sempre contrário. Não só paulistanos de nascimento, mas todos que adotam a cidade para nela morar, estudar, trabalhar, negociar ou passear. Há também os paulistanos de passagem que cruzam a cidade ou passam por ela todos os dias dirigindo-se às cidades adjacentes. Também os atletas do Ibirapuera, do Museu Paulista, da USP, das academias que correm em ambientes mais adequados ou apenas caminham para o bem de sua saúde. Mas parece impossível passar pela cidade sem senti-la, absolutamente incólume.
        Há ainda os que correm nos carros ou nas motos, pelas grandes vias, pelas vias menores que servem de acesso àquelas. Pois São Paulo é uma cidade que se conecta, que se entrecruza, integrando pontos longínquos e diminuindo suas distâncias. Marginais, Elevado, avenidas, Radial, alamedas, túneis, viadutos, pontes etc, uma rede complexa de vias que proporcionam seus movimentos na diversidade inconstante de sua velocidade.
       São Paulo é uma cidade em movimento. De alma pujante, de coração pulsante, cujo tamanho, cujo trabalho e cujos desafios são sempre novos e maiores. A demanda é sempre maior, por mais e pelo melhor: mais metrô, melhor transporte. E também a demanda pelo menor como meio de solução: menos trânsito, menos poluição. A pujança e a pulsação desta alma paulistana são típicas e inconfundíveis.
       Nossa cidade não é um desafio apenas para quem a administra, até porque essa função deve ser coletiva. O compromisso com o voto e a confiança do povo a que se submete o prefeito, sua preocupação com a boa avaliação não deve ser maior que o compromisso dos moradores da cidade, por ser esta sua casa, lugar onde se desenrola sua vida, seu trabalho, onde põem e repõem suas energias. A consciência de que a qualidade de vida do cidadão passa obrigatoriamente pela qualidade da cidade é busca renovável e contínua para o citadino. Na verdade, a vida da cidade reflete o modo de ser, em todos os seus sentidos, daqueles que a habitam.
        Eu continuo andando. De metrô, de trem, de ônibus, muitas vezes lotados, de carro e a pé. Gosto muito de andar a pé. De andar e ver tudo que há na cidade. Na última Virada Cultural andei boa parte da madrugada. Foi a primeira vez que andei a pé a essas horas. Fui da feirinha de livros da biblioteca Mário de Andrade ao Páteo do Colégio no outro lado do centro velho, que era o espaço da música clássica, parando em vários palcos para ver a arte em sua diversidade. Na era do orkut, do MSN e do facebook, fui reencontrar no Vale do Anhangabau, entre os milhares de espectadores do Stand up comedy, amigos da faculdade que já não via a tempo, sem termos marcado nada. A arte estava em toda parte. E para mim, o vai e vem das pessoas era parte de tudo, era parte da arte, se não já o fosse. A cidade repelia sua suposta existência autônoma, indo exatamente no ritmo das pessoas, no clima de seus habitantes.
       Em abril passado me ocorreu um convite sui generis na Praça Ramos de Azevedo, onde existiu o Mappim. Enquanto cruzava a praça, entrando pela Xavier de Toledo, em direção ao restaurante de um chinês barateiro, onde sempre como, vi um movimento mais ou menos organizado na escadaria do teatro. Um pouco mais de cinquenta pessoas, vestidas com camisetas amarelas, com faixas e cartazes, ouviam um homem que falava através de um microfone sem potência, alguns degraus acima. Era já noite, umas nove horas, e na correria do dia só fui lembrar ali que era o dia do nascimento de Monteiro Lobato, o dezoito de Abril. “Pena”, pensei, “isto me escapara”. Entrei no meio do grupo e ouvi .que falava da literatura infantil, do Sítio do pica pau amarelo e depois das atividades de Lobato na Velha Academia do Largo de São Francisco .e resolvi perguntar para o rapaz do panfleto se era algum professor. Não era! O homem era um guia turístico, liderava um grupo de pessoas que andava pelo centro, visitando lugares famosos e prédios históricos. Dali iriam a biblioteca Monteiro Lobato. Passeio turístico pelo centro de São Paulo? Fiquei pensativo, mas lembrei do restaurante do chinês e rejeitei o convite, prometendo ir ao próximo encontro .
       Não fui ao próximo, nem os vi mais em parte alguma da cidade depois disto. Continuei fazendo minhas andanças quase sempre solitárias e sem planejamento prévio. Ontem mesmo tive que ir à galeria do Conjunto Nacional. Saindo de lá, lembrei-me de que era sábado, e sendo já final de tarde convinha-me dar cordas às pernas. Dei-lhes cordas, e imagina quais foram que quando dei por mim já havia andado metade da Avenida Paulista, passado pelo Masp e ia cruzando a Brigadeiro. Bom, estando ali, agora era esticar até o Centro Cultural São Paulo, que fica na estação Vergueiro. Bem, para hoje não tenho nada programado, mas deixa eu ir à porta, que estão tocando a campainha.

Elói Alves
(Esta crônica foi uma das vencedoras do concurso literário Valeu Professor 2011, da Prefeitura de São Paulo)

 Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html
Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP Edu Moreira:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O MENINO QUE NÃO CONSEGUIA ATRAVESSAR A AVENIDA

     Genoveva tinha acordado com a pá virada, como ela mesma dizia. Na verdade andava mais amarga do que de costume. Às sete horas pegou o menino que não se animava a passar pela porta e deu lhe um puxão para fora.
      -Vamos, traste, senão você perde a hora da escola!
     A casa ficava a dez minutos da escola, e eles estavam bem dentro do horário; mas a mãe tinha pressa para tocar a vida.
O cachorro como sempre esperou que dobrassem a esquina, com medo de ser enxotado pela dona, e só depois se decidiu a sair às carreiras pela estreita viela. Na calçada da avenida, Genoveva puxou mais firme a mão do menino, para que ele não tardarsse mais o caminho, esperando parado na faixa. O cachorro, que se aproximava, percebeu o carro que vinha já perto e sentou-se a esperar que passasse. Mas o carro parou, com o sinal que fechava, e o cachorro levantou-se agora sem pressa.
      Do outro lado, Genoveva continuava a puxar pela mão do menino, que parecia agora um pano levado ao vento. Nunca se animava a atravessar aquela avenida, e a mãe o vencia empregando o seu jeito. Nos primeiros dias de aula, ele marchava para escola contente; mas desde o dia em que vira aquele acidente não tinha mais ânimo para transpor a travessia, por isso a mãe o fazia seguir à força.
       A rua da escola estava cheia de gente. Alguns carros passavam devagar, levando outros alunos. Uma perua escolar parou antes de vencer a lombada, esperando passar uns meninos que atravessaram na frente. A rua estava toda azul com o uniforme que vestiam os alunos. Naquele friozinho da manhã, a camiseta branca escondia-se sob a blusa fechada com zíper. Algumas crianças traziam cores diferentes na toca, fazendo-se destoar à cabeça. Genoveva aproveitou a passagem deixada pelo carro e foi levar o menino lá dentro. Com o filho entrando, ela estaria livre para o trabalho.
Na tarde desse dia a mãe não apareceu ao portão para buscar o menino. Tinha ligado explicando o problema na fábrica de roupas e que fizessem o favor de deixá-lo na casa da avó, que só a custo saia à rua, por causa das escadas. Tia Maria, que servia a merenda, pegou-lhe pelo braço franzino. Ele sentiu uma leveza meiga naquela mão calejada e deixou-se levar sem dizer palavras.
      A avenida estava a essa hora mais movimentada. Carros circulavam pelas duas mãos e alguns ciclistas iam pedalando pelas suas margens. Na calçada, crianças e adultos fabricavam um burburinho bastante sonoro. Tia Maria andava agora com uns passos frouxos, gozando a liberdade da rua depois do estafante trabalho na apertada cantina, tendo que ouvir ainda tanto grito da criançada. E o menino não dava por nada. Vinha apontando as guias e balbuciando números. Às vezes chegava aos cem, mas logo perdia algum número ou esquecia uma guia. Voltava então ao zero, como se fosse o próximo algarismo. E continuava a contagem sempre.
       De repente percebeu que tinham parado e ele voltou de si com surpresa. Estavam parados na faixa. Era a travessia da avenida. O menino sentiu a mão quente que o segurava. O sinal abriu e algumas pessoas se adiantaram. Tia Maria percebeu que o menino não vinha. Deu ainda o segundo passo e virou para insistir que atravessassem, mas o menino escapou-lhe da mão correndo de volta pela calçada.
      Não havia meios. Nem gritos nem gestos adiantavam. A sua voz rouca e cansada não chegava aos ouvidos do menino. Logo ele tinha sumido de suas vistas, dobrando pelo caminho que ia em direção à escola. Tia Maria fez o caminho de volta. Parou ainda a perguntar se o tinham visto na esquina. O segurança o vira ao portão, correndo de volta à escola. Certamente esquecia alguma coisa. Não era esquecimento de algo. Estava sentado a um canto do pátio, tremendo e chorando. Mas ninguém entendeu nada e menos ainda o menino explicava. Era forçoso esperar pela mãe para levá-lo para casa.
Elói Alves

Leia o primeiro capítulo de As pílulas do Santo Cristo romance de Eloi Alves:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Abaixo, pode-se ler também o prefácio feito pelo escritor e mestre em Literautra Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

AS PRAGAS DA IGREJA E DA CIVILIZAÇÃO

Em nome de Deus e de El Rei, espanhois e portugueses, entre conquistadores e missionários jesuítas, saíram dos mares nas costas do Brasil para submeter os silvícolas à civilização e salvar suas almas do pecado. Esse povo pecador, que andava sem roupa, que vivia no regime da vadiagem, pescando e caçando, nadando e amando-se em redes balançadas pelo vento, recebeu espantado aquele povo “amigo” que subia do mar, como deuses, trazendo presentes em forma de caixinhas, onde podiam se ver, mais nítido que nas profundezas das límpidas águas dos seus rios e dos mares, onde nadavam e navegavam em canoas de tábua.
Eram feios, todavia! Traziam as roupas sujas e a pele manchada pelas doenças dos navios. Contavam que muitos haviam morrido em caminho, sugados pelos escorbutos, e entregues a Deus, primeiramente, e logo às águas fúnebres.
Depois dos banhos e de lavarem-se os vestidos, melhorou-lhes a aparência e tornou-se mais agradável o cheiro. Aos silvícolas, apesar de estranhos nos costumes, não se podia negar-lhes o esplendor da beleza. A altura, a cor, a pele, a agiliddae, a saúde. Mas eram, ainda assim, selvagens cujo maior bem que se lhes podia fazer era-lhes salvar as almas da promiscuidade, mais vil, mais adâmica, mais anticristã.
Depois de uns tempos, a amizade arrefeceu-se. Os índios não eram amigos de dominação. Viviam sua liberdade, sem ajuntar, nem guardar para o amanhã. Não se encaixavam no regime da racionalização colonial, nem da desciplina de uma vida atribulada na terra para ganhar um dia o paraíso. O paraiso era, para eles, a liberdade das matas, onde soava amigo o canto dos pássaros, dos rios transparentes, da bravura e do amor livre.
Muitos deles morreram em combate travado, em disputa desigual, entre a flecha e o canhão, entre o arco e as armas de fogo. No duelo das táticas tribais dos silvícolas e a experiência dos conquistadores, acumuladas em tantas cruzadas e dominações pelo oriente, exterminaram-se aquelas.
Do trabalho racional e organizado da colonização para fragmentação e divisão das tribos houve efeitos vários: Muitos fugiram para o mais fundo interior das matas, que é hoje a Amazônia; outros, desiludidos de sua braveza e orgulho, entregaram se à morte, estendidos em suas redes, do modo que só os indígenas o sabiam fazer; o resto, ocioso e perdido, tornou-se presa fácil, do ardil missionário, do poder dos colonos ou do encanto das novas bugigangas europeias.
Desses, alguns indígenas passaram a servir como remadores pelos rios que conheciam bem, como guias pelas matas onde nasceram e viveram seus pais, ou viraram arqueiros na luta contra franceses, holandeses e contra os Tapuias, índios que jamais aceitaram quaisquer pactos ou tipos de dominação. Outros se integraram nas missões jesuíticas, produzindo bens para a empresa de Deus, comandada pelos padres, cujo trabalho era mediar entre o índio e o colono. Muitas índias serviram como braço e pernas para o cultivo e para o divertimento inigualável dos brancos e para “encher e multiplicar” a nova terra, vindo daí os mamelucos, legítimos brasileiros, do cruzamento das filhas da terra com o europeu invasor.
Mas a tarefa de salvar era mais árdua que a de dominar_ seria mais fácil dominar o bravo e selvagem tapuia, comedor de gentes, que salvar sua alma ou domar sua mente. Os jesuítas reuniram, para isso, os índios dispersos de suas antigas tribos em missões, que eram as reduções. Mas os sacerdotes jesuítas não puderam salvá-los desse mdo: reunidos aos milhares, os indígenas foram vitimados por epidemias causadas por doenças trazidas nos corpos dos europeus, contra as quais o inocente organismo dos índios não possuia imunidade alguma. Morreram mais de suas pragas que dos canhões ou da exploração colonial. Na Bahia do século XVI, “uma só epidemia matou 40 mil índios”, reunidos pelos jesuítas com intuito de salvar suas almas (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, 52).
A autoridade da civilização, porém, representada pela Igreja e pela Coroa, não permitiu aos eurpeus nenhum aprendizado nos contatos com os novos povos. O confronto genocida e etnocida exterminou diversas culturas e várias raças. A igreja só enxergou o pecado, de que era forçoso livrar, e o colono só achou vadios, que era preciso integrar no mundo da produção e do consumo. A beleza, a arte, a sociedade sem classes, a simplicidade e solidariedade, o amor ao seu modo, a liberdade sem extravios, a integração à natureza e a suprema lição da higiene e do banho, nada pode aprender o europeu.
Hoje Espanha e Portugal se diminuem cada vez mais no mundo. Portugal, considerado por outros europeus como um pequeno quintal do já minúsculo continente da Europa, vive terrível crise econômica. Igualmente se afunda a Espanha: longe de uma Alemanha, que lidera largamente, mesmo destruída em duas grandes guerras eurocidas, os espanhois, soberbos outrora, possuem apenas, como seu parceiro ibérico, apenas um passado de histórias e de riquezas mal conduzidas, como também a igreja há muito já não domina, como antes, as condutas e as consciências.

Elói Alves do Nascimento

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

JÚRI POPULAR ABSOLVE PM NO CASO DO MENINO ASSASSINADO NO RIO

Ex-PM acusado de matar menino João Roberto é absolvido no Rio nesta noite de 5ª feira. Elias Gonçalves acusou outro ex-policial e se disse inocente.
Em 2008, o garoto de 3 anos foi morto a tiros dentro do carro que era conduzido pela mãe. Ela parou o carro para dar passagem aos policiais. Neste momento o carro foi alvejado por tiros, vinte e um (21) tiros atingiram o carro, três alvejaram o menino.
A decisão foi dada pelo júri popular, em sessão iniciada nesta tarde.
João Roberto foi morto a tiros dentro do carro em que estava com a mãe, na Tijuca, Zona Norte do Rio. A Promotoria afirma que os tiros partiram dos policias envolvidos no caso. O ex-PM absolvido disse no julgamento que os disparos foram feitos por um outro policial. O tribunal do Júri sempre foi um desejo e uma esperança para as pessoas comuns diante de crimes de homicídios que envolviam policiais e eram julgados pelos Tribunais Militares, onde eram constantemente absolvidos ou pegavam penas brandas ou advertências. Esta decisão de um júri popular vai contra essa esperança. Nos tribunais militares as cartas estavam marcadas, mas não causavam surpresas. O Estado reconheceu o erro de seus policiais indenizando a família do menino assassinado. Mas o dinheiro público é modo de penalizar a sociedade duas vezes. A indenização de crimes cometidos por indivíduos deveria sair do próprio bolso deles e suas famílias. Esse caso de algum modo põe em dúvida a capacidade da sociedade brasileira de repensar soluções eficazes para suas mazelas. Pode ser que alguém vá abraçar Copacabana vestido com uma camisetinha branca.
Elói Alves do Nascimento

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

HEFESTO, O DEUS DO FOGO, E OS DILEMAS DO HOMEM E O MUNDO MODERNO

Alguém já disse que, se vivesse na antiguidade e tivesse que louvar a um dos deuses antigos, louvaria a Hefesto: o deus do fogo. Hefesto é hoje inconsciente e constantemente invocado como único meio de purificar amplamente o homem. O velho pacto incluiu a purificação da espécie humana pela água, mas o dilúvio foi logo rejeitado como meio satisfatório e eficaz. Sodoma e Gomorra surgiram depois, e o meio de depuração da corrupção dessas cidades foi sabidamente hefestiano. O dilúvio assusta mas não causa mudança. A inundação de Nova Orleans assustou certamente, mas não levou os americanos a um comportamento muito melhor diante da situação ambiental. Mesmo a premiada pregação de All Gore, em sua "Verdade Inconveniente", vinda depois, ecoou no vazio; nem o autor poderia, como se pertencesse à linhagem de um João Batista, oferecer a cabeça por sua verdade. Uma das destrezas de Hefesto está no seu poder de eliminação da memória, e o homem moderno tem prezado esse esquecimento. Os Estados Unidos têm horror particular pela história, mas esse atributo está disseminado na humanidade. Uma humanidade cada vez mais fragmentada, centrada no imediato.
A idéia de que o tempo é cada vez mais escasso e precioso inclui a objetividade que impõe a superficialidade e rapidez no quotidiano. Mesmo num curso de literatura, muita gente se assusta quando um grupo de jovens aparentemente lúcidos e inteligentes resolve se dedicar ao estudo do latim. Não é preciso dizer que o número deles é sempre reduzido e sempre redutível ainda. Além de um saber impenetrável para quase a totalidade dos homens de hoje, a língua latina é considerada morta. Como as chamas de Hefesto que não se contentam e não podem ser saciadas, o homem moderno aspira à condição e a qualidades totalizantes de um ser divino, através do domínio da razão. Assim ele adquiriu aquela insaciedade eterna e, não sendo de fato um deus, sentou-se à mesa do consumismo para saciar o seu vazio com coisas vazias. Esse vazio é o vazio da própria existência na vida moderna.
Entre as inquietudes do homem, entre os dilemas de dor e prazer do dia-a-dia, surge a questão da finitude da vida humana. E não é nova a idéia de se estender a vida para a eternidade, que expressa o desejo de imortalidade. De fato o homem sempre almejou ampliar os seus dias. O anseio de uma vida eterna já aparecia na antiguidade. Viver apenas algumas décadas nunca pareceu o suficiente. Certos autores da Antiguidade Clássica se propuseram a imortalidade pela produção de grandes obras, obras que seriam capazes de vencer o próprio tempo. Igualmente na versão do Gênesis, a assustadora longevidade dos primeiros homens aponta para o fantástico...(...)
Este texto tem um pouco mais de dez páginas e continua no link "OS DILEMAS DO HOMEM E O MUNDO - ENSAIO CRÍTICO, que encontra-se na parte superior deste blog, ou colando este link: http://realcomarte.blogspot.com/p/os-dilemas-do-homem-e-o-mundo-ensaio.html

Elói Alves do Nascimento

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ENCONTRO COM NERUDA NO SEBO

     Conheci Neruda em minha adolescência, em um sebo do centro de São Paulo. Essa loja de livros usados, numa rua esguia e largada, próxima à catedral da Sé, tinha verdadeiras raridades. Um livrinho amarelado, com páginas caídas estava entre outros em igual estado. Comecei a folheá-lo e fui me encantando aos poucos com Residencia em la tierra.
     Tive uma infância de trabalhos, na extrema periferia da cidade e meus estudos foram bastante irregulares nesse período, com evasão escolar. Não havia hábitos literários em casa e fui conhecer esse mágico mundo quase sozinho em minhas andanças quando comecei a trabalhar pelo centro.
     Depois amadureceu o gosto, o contato foi ampliando-se a outros autores espânicos. Gabriel Garcia Marquez, Cervantes, até que me formei em letras pela Universidade de São Paulo. Infelizmente a literatura brasileira é pouco difundida pelo mundo, ainda hoje não temos um prêmio nobel. Na verdade não tem feito grande falta; mas seria um reconhecimento, se premiassem um bom nome. 
     Para um contato maior com o mundo, a primeira saída para nós é a língua irmã, a neolatina mais próxima, geográfica e linguisticamente: a língua da escrita de Pablo Neruda.
     Meu primeiro contato com Neruda se deu no Lugar certo. As livrarias comerciais de São Paulo não convidam os grandes amantes das letras, que eu gosto de chamar em meus escritos de letrófilos, e é também o nome de minha página na web. Elas estão voltadas aos títulos comerciais. Ah, hoje mesmo farei meu passeio pelo centro, certamente irei ao sebo e procurarei por Neruda. Até mais tarde, meu mestre de ontem e de sempre.

Elói Alves 

( Escrevi este texto para a antologia do poeta chileno Alfred Asis que organizou justa homenagem a Pablo Neruda)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

À MINHA MEIGA AMIGA

Amiga,
Ontem à noite após receber e comer teus bombons, tive um sono adocicado.
Hoje cedo, levantei-me crendo de mais. Já viste um ateu querendo reencarnar?
Sim, este sou eu hoje.
Os antigos queriam também ampliar suas vidas. Esticá-las até não poderem mais.
Teve um que tomou todas as mulheres do seu reino, certamente para ampliar sua geração e com ela fazer prolongar seu nome. Depois de mulheres e concubinas, foi fazer aliança com outros reis, para poder por preciosas alianças nas mãos de suas filhas. Ao menos nas mãos daquelas que faziam jus ao título de princesa. Veja você, amiga dos meus docinhos, que as guerras do sexo estão juntas também à política e à economia. (não falarei dos áureos tempos de hoje) A coisa tomou tal proporção que foi até o Egito. Um irmão seu, a que não podia tornar mães as mulheres, ergueu para si um monumento. Seu pai já tinha iniciado o caminho, acrescendo às suas a mulher de um seu soldado; insubmisso na hora incerta, de excessivo zelo e tonto em outras, e certamente inconstante nos deveres de casa.
Bom, seja como for. Nesse mundo de abandono da vida, que é o de nossa atualidade, onde a vida não vem valendo nada, como uma moeda furada de poucos centavos que nem me abaixo para pegá-la na rua, esperar a imortalidade parece interessante, mesmo como contraponto. E ainda que a eternidade seja cansativa, com a nossa atual tecnologia faremos que ela passe de pressa. Também com o atual nível de nossa industria de entretenimento, essa eternidade nos cansará menos. Depois, com os programas de tv no domingo, com algumas piadas que tem um pouco de graça, vamos temperando o molho.
E há ainda um outro recurso. Se a fé não estiver ao alcance das minhas pobres mãos mirradas, recorrerei a algo mais natural, acatando os preceitos anti-químicos e anti industriais: irei procurar o Elixir do Pajé: aquela planta cabalística, que segundo os ensinos da antiga sabedoria silvestre do mestre Bernardo Guimarães, levanta até defunto enterrado.
Bem, veremos então, minha boa amiga, porque tua amizade merece uma boa esticada e enrijecida nessa minha mesquinha vida, que é para apreciá-la sempre no próximo dia. Assim, que amanhã eu esteja de pé. Até. Beijos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TIO GERBÚLIO E O DOUTOR ARMANDO ARAPUCAS

        Um certo dia houve um alvoroço na vila. Um doutor aparecera por lá para legalizar os terrenos e as casas sem documentos. Prometia rigistros e escrituras com as facilidades que o governo lhe concedia como advogado respeitado e profissional experiente. Para tanto era preciso contribuir com as taxas e tudo mais se ajeitaria facilmente. Como o povo não tinha dinheiro, a facilidade ia aumentando e era aceito o quanto tivesse para ir adiantando as coisas. Quem preferisse, poderia pagar com alguma jóia.
       Tio Gerbúlio, que descia a rua da igreja, onde fora falar ao padre, vinha em direção ao bar quando percebeu o movimento estranho do povo. Enquanto uns preenchiam papeis, outros iam passando dinheiro a um homem gordo e baixo, de terno preto e gravata.
      -Que vem a ser isso, gente, perguntou ele se aproximando?
     -O doutor vem legalizar nossas terras, disse um vizinho, que morava em uma pequena casa ao lado do bar.
Tio Gerbúlio ficou olhando o homem, sempre falastrão e explicador, procurando de onde o conhecia.
       Quando o doutor lhe perguntou se não ia também providenciar os documentos, Gerbúlio se lembrou de uma confusão com a polícia, em um negócio de terras, e perguntou:
       -O sr não andava metido numa encrenca de terras que deu até polícia, doutor?
       -Não, senhor. Deve ter sido uma confusão com outra pessoa, retrucou o homem.
       -Mas não saiu até no jornal? Você não é dr Armando Arapucas?
      Nessa hora caiu uma chuva grossa, trazendo também muito vento. Tio Gerbúlio correu com alguns homens para o bar. O doutor foi para seu carro, gritando que voltava mais tarde, mas nunca mais apareceu por ali.

Jão Gerbulius Sobrinho

terça-feira, 8 de novembro de 2011

QUEM TIRIRICOU NAS ELEIÇÕES?

       A democracia garante e deve garantir o direito a tiriricar. E também o de não o fazer, como eu, que não tiririquei e, pelo que imagino, em questão de preparo e adequação ao cargo, deva ser o meu escolhido a posto político, jamais tiriricarei.
       Mas no Brasil não se vota pela capacidade e preparo nem por princípios éticos ou administrativos, geralmente. Severino Cavalcante sempre deu péssimas entrevistas, mostras de toda arrogância e preconceitos contra as diferenças, gaguejava ao ler diante das câmaras e ao mesmo tempo foi forte rei do “baixo clero" no congresso federal até o “grande dia” em que foi levado ao topo para presidi-lo. Foi derrubado pelo “mensalinho”, já pelo nome uma corrupção equivocadamente considerada menor. Na verdade havia perdido a sustentação política. O primeiro governo do PT havia batido cabeça, apoiou mais de um candidato à presidência do congresso e, frente ao seio enfermado pela bagunça, teve de beijar a face de Severino, de quem já se dizia seria sempre “governista”, como o foi de fato.”. Obrigado a renunciar, Severino teve espaço e posto políticos garantidos, sendo eleito prefeito de sua cidade, com o apoio do presidente Lula.
       O já diplomado deputado Tiririca não é ingênuo. Não tem grande preparo em questões de ciência política nem muito contato com a cultura letrada, o que é necessário em quaisquer altos cargos na complexidade do mundo atual. No entanto, ele sabe o que quer e não é ingênuo; sabe cativar, sobretudo nas camadas sociais em cujo mundo a complexidade do raciocínio cartesiano é estranha e até repelível. Ademais, a simplicidade é atributo fundamental a qualquer orador, seja a um Marco Túlio Cícero, com De oratore, seja a um Tiririca.
      O que poderia ser chamado estranho é que no Brasil a irresponsabilidade da brincadeira, do protesto inócuo, da inconseqüência, a descrença nas instituições e na classe política e até a indignação são misturadas no mesmo lugar; o que leva a uma confusão até gente com alguma maior capacidade e certa formação acadêmica. No limite há aí também a ideia de que a política não é séria. E esta questão não é simplista e esteve presente na campanha de Tiririca .
       Além do mais, os grandes campeões de voto no período da abertura política tem sido os candidatos que apelam a estratégias que passam longe do preparo para com as coisas republicanas. Coisas que por serem públicas exigiriam mais rigor de todos, mas não no Brasil. O dr Eneas apelou muito mais ao aspecto fantástico e extraordinário que ao seu preparo intelectual. Tornou-se campeão de votos literalmente no grito. Não ia às ruas, dizia seu nome a partir da tv e o povo votava. Quase foi presidente; como deputado, elegeu a si e a outros que não tinham votos. Quando teve mais tempo no horário eleitoral, não elaborou o discurso pela via da coisa pública, mas preferiu apenas referir-se a barba que havia retirado, por motivo de doença. A final, “com barba ou sem barba” o seu nome era “Eneas”. Por certo ângulo elaborou um perfil que lembrava o fascismo.
       Nos últimos anos, um grande equívoco de percepção política tomou conta do país. Na verdade isto é do antigo jogo do “faz de conta”. A mudança de pessoas, como a chegada de Lula ao poder no Brasil, bem como a de Obama nos EUA, de Cristina na Argentina ou de Evo na Bolívia, de Zapatero, do partido socialista obrero, na Espanha e ainda Lugo no Paraguai não produz mudanças estruturais no mundo. O controle econômico, o controle institucional, o controle das áreas estratégicas, como o decisivo monopólio das redes de comunicação, o acesso à complexa jurisprudência, das carreiras mais importantes nas primeiras universidades do mundo está reservado a uma classe restrita. À classe média em suas subdivisões sobram conformadamente coisas menos importantes e a outros as migalhas permitidas pelo incontestável crescimento econômico e científico-tecnológico do mundo moderno.
       Algumas coisas referentes a macro e micro estruturas do Brasil são fáceis de se verificarem. Nas questões econômicas, basta ver em que áreas o pais domina e quem são as pessoas ou famílias que dominam essas áreas. Ainda na primeira, veja-se o controle dos meios de comunicação. Na outra ponta, o povo brasileiro é frágil e alegre e ingenuamente aberto ao conducionismo político e religioso. Não é a toa que o país é grande produtor de ideologias de tipo teológico, de magias e curandeirirsmo e ao culto das faclilidades mais adaptáveis que lembram As Raizes do Brasil, de Buarque de Olanda. E os paises que importam esses produtos são os menos desenvolvidos, sobretudo da África. Na maioria das universidades se ensinam conteúdos como ortografia e regência. Na administração de Paulo Renato, um analfabeto foi aprovado em vestibular para direito no Rio de Janeiro, o que o obrigou a baixar uma portaria específica que exigia redação. O atual ministério não foi ainda capaz de organizar com eficiência uma prova como o ENEM. Bom, dizem que o Brasil está de mudança, para onde será que vai, além da UNASUL?
Elói Alves
 
Leia o prefácio do romance "As pílulas do Santo Cristo" de Elói Alves
Primeito capítulo:
Segundo Capítulo

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A EX-FICANTE, NUM ANO BISSEXTO

À ex-ficante, num ano bissexto
Cara ex-ficante:

      Como havia recebido de sua parte por ocasião de meu aniversário uma lembrança estimável, vi-me na obrigação de lhe retribuir de algum modo.
       Como não me lembrava, ao certo, o dia de seu natalício, tendo certeza apenas de que era pelo mês de fevereiro, deliberei comigo dizendo:
      -Vou felicitá-la hoje, já que é este o último dia do mês.
     Há-de dizer-me certamente, e com suas razões, que não as aceita, pois minhas congratulações já vão lá por demais atrasadas e, portanto em tempo inoportuno. Mas minha réplica, em contrário, lhe mostrará que há também razões frágeis e outras sem razão. Sendo hoje dia 29 de fevereiro, portanto ano bissexto, dia raro e especial por sua eventualidade, toda sua glória e todo o seu peso devem ser repartidos entre os que nascem neste mês. Assim, fazendo bem as contas, esta data, ainda que em pequena parte, também é sua e, logo, estou perfeitamente na ordem do dia com minhas felicitações, independente do dia deste mês em que você aniversaria.
     Minha primeira decisão foi a de devolver-lhe a Angustia. Mas meu grande apego a Graciliano, e também devido a meus sintomas de bibliofilia ou, dependendo do analista, bibliomania, fiquei impedido de fazê-lo, e cumprir assim um ato de ruptura moral ou sócio-cultural.
   Como provavelmente não receberei lembrança alguma de sua parte em meus próximos aniversários, e como é certo também que nem todo ano é bissexto, deixo aqui, neste muito mal escrito texto, minhas felicitações por todos os anos de sua vida, desejando que sua existência seja longa e bela!
    Pensando um pouco, porém, coisa que me é rara, não sei se me expresso bem, votando-lhe a sua vida, ao mesmo tempo, beleza e longevidade, pois há aí mais que uma contradição entre estas palavras. Uma pessoa vivendo muito, talvez a beleza se canse dela e vá procurar outras paragens onde repousar um pouco seu fastio, do mesmo modo que procuramos para nossos olhos ora o mar ora o campo ou outro lugar qualquer. E se indo a beleza, com a vida longa, não há negar que virão ocupar o espaço ocioso outras novas moradoras, quem sabe as rugas, só ou com as estrias, ou as varizes com outras primas suas etc.
   Tudo é escolher.
   Que direi então?
   -Que tenha saúde, muita, e não me queira mal!
   Beijos.

Elói Alves 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A ÚLTIMA MORADA DA SABEDORIA

É bom ter amigos. Principalmente amigos gentis. Eu guardo alguns e algumas em uma lista de coração, digo, de cor, que dá no mesmo, pelo latim, uma língua considerada morta por muitos. Lembrei-me disto a propósito de uma crônica onde um amigo achou algo que nomeou como: Sabedoria.

 Agradeci a gentileza, que julgo própria daquela alma pura que adoçou-me a vida no período da faculdade, corrido e extenuante. Não lhe pedi mais análises filosóficas ou semânticas, nem literárias. Infelizmente, hoje a Sabedoria não está assim tão à mão ou tão aos olhos - nesta era de miopia de alma.

 A Sabedoria era em outro tempo muito encontradiça. Houve quem lhe contou mil casas numa certa cidade antiga, onde repousava. Ali reunia-se com sua irmã mais próxima, que chamava-se Prudência, guardiã da Discrição. Além de suas casas, vivia nas de seus amigos, onde era querida e sempre bem-vinda.

 Em Somos, viveu um tempo grande com Pitágoras. Apesar de evitar uma ágora onde houvessem sofistas, gostava de deixar-se pelas praças e pelas ruas. Conta dessa época sua amizade com Diógenes – o cínico. Sua afinidade com tais homens fez surgir os filósofos – que eram os amigos da Sabedoria.

 Depois surgiram homens que não a conheciam e chamavam a si mesmos de sábios. Mas os impérios se fortaleceram. A Soberba e Impiedade foram então honradas nos palácios e nas praças, condecoradas com moedas de ouro. E a Sabedoria exilou-se em lugares longínquos.

 Contam uns manuscritos históricos, resgatados por arqueólogos, que nos tempos da idade média, um ermitão que fugira para as grandes florestas da Escócia ali conviveu com ela. Era uma vida ímpar. Grandes cavaleiros o foram encontrar, perdendo-se pelas florestas e morrendo nelas. Dizem que eram assassinados pela Ganância. É dessa época o desaparecimento de muitos cavaleiros da távola redonda.

 Mas Ricardo Coração de Leão com seu grande amigo Ivanhoé, quando se refugiaram naquelas florestas, no exílio pela libertação de seu povo, encontraram o ermitão. Este lhes salvou a vida, com abundantes vinhos e carne de javali. Mas a sabedoria- contou o ermitão aos nobres cavaleiros- morrera antes de solidão e tristeza. Meu amigo deixou-me curioso de saber se há por aí ainda alguma pequena notícia da Sabedoria. Quereria saber ao menos onde está sua última casa, para passar por lá, com algumas flores, neste Dia de Finados.

(Texto do livro Contos humanos)

 

 Elói Alves é advogado, autor do romance as pílulas do santo Cristo, de O olhar de lanceta, Contos humanos entre outras obras.


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

EUA SOFREM DERROTA NA UNESCO COM ADESÃO DA PALESTINA, QUE SEGUE COMO PAÍS OCUPADO

A UNESCO anunciou hoje a entrada da Palestina nessa agência da ONU, o que significou uma grande derrota para a política externa dos Estados Unidos e para Israel, seu parceiro estratégico na região médio-oriental. Ambos prometeram retaliar essa medida, cortando ajuda financeira à agência. Os EUA têm feito uma dura campanha junto aos menbros da ONU contra à entrada da Palestina nesse organismo internacional, o que arruinaria muito as posições de Israel junto a este país árabe e suas próprias pretensões na área devido ao fortalecimento da Palestina como Estado. Leia análise mais detalhada deste tema na página BRASIL/MUNDO, clicando na parte superior do blog.

Elói Alves doNascimento

TIO GERBÚLIO E O EVANGELHO DE JUDAS ISCARIOTE

     Tio Gerbúlio tinha o raro privilégio de entrar, quando quisesse, na enorme biblioteca de padre Gelfrido, no subsolo da igreja. Um dia, em que fazia uns reparos nas prateleiras, a pedido do padre, achou um livro estranho. Na capa, trazia os dizeres latinos “Index librorum proibitorum” e sua tradução livre, abaixo: “livro excomungado”.
     Estava amarelecido pelo tempo, algumas folhas estavam soltas. Tio Gerbúlio ia abrindo-o, curioso, quando leu na contra-capa: “EVANGELHO DE JUDAS ISCARIOTE.”
     O prefácio, que ele passou rápido, trazia uma tese do ex-bispo de Laodicéia Germálio Charles Latao, que provava sua veracidade teológica. Depois, mais a frente, parou no título do capítulo 6, que dizia:“JESUS, O JOGO E O BÊBADO”, e foi lendo, ao seu modo, vagaroso:
    “E tendo os dicípulos ido comprar comida, logo começou uma chuvinha fina e triste. E o cheiro de pó subia da terra. Mas como o solo não era firme, o jumento de Tomé, onde Jesus ia montado, atolou no barro. E como não houve meio de desatolá-lo, Jesus foi a uma taverna próxima para pedir ajuda a uns homens que jogavam valendo.
      E eles lhe disseram:
   -Bom mestre, hoje não o seguiremos, pois jogamos a dinheiro.
E tendo Jesus voltado ao jumento atolado, viu um bêbado que vinha atrás para ajudá-lo.
     E como o homem pouco parava de pé, erguendo-se da água e caindo no barro, Jesus tentou inutilmente despedi-lo.
      -Mas eu posso ajudar, insistia o bêbado!
    Depois de muitas tentativas, o jumento saiu da lama e Jesus seguiu montado por um caminho mais firme. Agradecido, ele virou-se ainda para o bêbado e o abençoou com estas palvras:
     -A partir de hoje, maldito será o jogo, mas, a você, amigo, nunca faltará quem pague uma pinguinha.
      E assim se cumpre até o dia de hoje.”

Jão Gerbulius Sobrinho

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SOL SOB A MULHER

O sol se punha de um modo todo etéreo,
Seus raios se espargiam, penetrando a noite
Eu, cá embaixo, transpassado de uma foice
Do amor dela – impassível, e ele, esmero.

Cabelo ao vento, sobre os ombros repartido,
Lembrou-me Helena e toda a Grécia a buscá-la
Em gerra à Troia pela beleza que roubara,
Passos de deusa, fina leveza no vestido.

Olhei o sol, já estendido, abraçando o poente,
Destilando raios sobre ela ainda dourados,
Tudo ao dispor de um homem apaixonado;

Serena e firme, musa daquele espetáculo,
Ela ocultou todos raios de sol a minha frente,
E foi seguindo com os perfumes e o toucado.

Elói Alves

domingo, 23 de outubro de 2011

O SONO E O MUNDO

Neste domingo acordei cedo. Mas ignorei o mundo, que me chamava, dando-lhe de ombros, e reentrei no mundo do sono mansamente, para não despertá-lo.
O sono é muito sensível como os homens e como as crianças. Às vezes fica de mal e some. Às vezes simplesmente não comparece ao encontro, como esperado.
Outras vezes ele aparece e, não encontrando ninguém no local marcado, à hora costumeira, vai-se por seu caminho, sozinho.
Mas às vezes ele nos pega à força, fazendo-nos submissos, como bonecas de pano, sem lhe importar o local ou os cúmplices, e nem mesmo outros implicados.
O sono quando contrariado veste-se com sua capa de soberano, pega seu controle do mundo, encapado como dócil cajado de condução de ovelhas e sai a vingar-se pelas entrâncias do mundo.
Mas ele odeia os ditadores baixos e não permite confundir-se com eles. Também rejeita a idolatria basbaque e ingênua, ignorando os sonólatras que se estendem pela estrada. A idolatria possui classes e subclasses. Ele as rejeita a todas. Ele age sempre ao seu modo, como soberano pacífico e indiferente ou como usurpador de entranhas e víceras.
O sono irado é como Posseidon, o sacudidor dos mares e da terra. Mas é também piedoso ao seu modo, não permitindo que as vítimas de sua ira o vejam agindo. Faz tudo na inconsciência absoluta.
Por isso, fui mansamente, deixando me levar junto às águas amenas e sossegadas, num acordo tácito com o sono. Fiz uma viagem tranquila, saborosa e, além do mais, restauradora.
Mas foi preciso ignorar o mundo.

Elói Alves do Nascimento

sábado, 22 de outubro de 2011

LULA - DEUS

E sonhei com Lula-Deus! Mas não um Deus crucificado. Mas não um Deus entre pecadores. Mas não um Deus entre os que pescam pobres peixes. Mas não um Deus de Nazaré. Mas não um Deus que endireita as mãos dos que as têm mirradas. Mas não um Deus que exalte os humildes que se humilham nos templos.
Sonhei com Lula-deus.
E sim que antes do qual nada se fizera. E sim que, antes dele, nunca nada houvera. Nada, nem índios existiam. Só o caos! E seu espírito pairava sobre a terra seca.
E tudo que há, e aí está, foi feito por ele.
Em sete partes de tempo.
Tudo que há para o sono tranquilo e feliz de todos em repouso dourado.
E estátuas lhe erguia o povo.
Sonhei com um Governo de um Deus soberano que tudo sabia, e em cujo palanque corruptos não subiam. E cujas mãos, repletas de toda pureza, abençoava seus ricos filhos e seguidores.
Quando acordei, liguei para um amigo, que me disse que estava mais para pesadelo. Será? Em quem devo acreditar?
Zé Nefasto Pergunteiro

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DEUS E O DIABO NO IMPÉRIO DO SILÊNCIO

       Outro dia, depois de assistir a um jogo nos Jardins suspensos de Parque Antártica, fomos, eu e um amigo, comer em uma lanchonete da Pompéia. Comemos pouco, bebemos muito. Já tarde, fomos para sua casa, dormir um pouco, na Marechal, próximo ao elevado. Mal encostei no sofá, entrei em sono profundo. Logo, Deus veio ter comigo ou fui eu que lá andei a encontrá-lo. Estava com as barbas crescidas, brancas, forte e envergando o tronco. Estava pacifico como um deus sem testamento, nem antigo nem moderno, sem a quem deixar como herdeiro seu. Repousou-se com os olhos num Jardim e encostou seu cajado, que, na falta de ovelhas, usava para se sustentar aos passos curtos. Parou frente a umas flores e sorriu sereno para um beijaflor, que lhe pousou no cajado suavemente e logo foi-se embora beijar flores. Sentou-se numa pedra lentamente e tirou um livro do jaquetão; era o Cândido, de Voltaire.
      Eu ia sentar-me com ele, quando tropecei nas próprias pernas. Fui levantando aos poucos, tentando me achar, às apalpadelas, até que encontrei o interruptor na parede. Calcei os chinelos e fui esvaziar a bexiga. Voltei do banheiro sonolento, escorando-me como cegobêbado.
      Dormi.
    Um som forte de música incompreensível de repente me perturbava. Um vento forte encheu toda a casa. Uns gemidos se misturaram ao vento e ao barulho em forma de música. Era o diabo! Reconheci-o pelas orelhas que se metamorfeseavam em chifres sujos e enormes, que nasciam do início do pescoço, indo para trás como chifres de cabra. Não era tudo. Arrepiei-me mais pelas formas do nariz, pontudo como um nabocanivete com três buracos na ponta, que esticava-se e diminuia seu tamanho conforme respirava. Estava acompanhado pela diaba, muito redonda e baixa, a cabeça e os pés sumiam-se e só lhe aparecia a voz arrepiante, gritando provérbios de repreensão moral religiosa. O diabo era austero e rígido, todo de preto, num manto litúrgico.
      Era o virar da tarde, quando ele, com uma grande borracha nas mãos, auxiliado pela diaba que pisava o pescoço dum diabinho, pequeno e orelhudo como o pai, ministrava uma seção com toda sua capacidade e poder. O diabinho teve a camisa rasgada pela borracha, que lhe bateu firme nas costas. A mulher agora esticava mais as estrofes dos provérbios, como se fosse mudar de adágio para música, mas terminava em gritos finos e longos, como um sapo eufórico num coral de brejo.
     De repente, a borracha partiu-se e foi ferir a diaba com uma ponta de arame, cortando-a na testa. Ela, num instante em que eu abri e fechei os olhos, tinha voado ao pescoço do diabo, como que para lhe chupar seu sangue.
     -Tecaia, gritou o diabo!
Neste pequeno espaço de tempo, o pequeno, com um pulo de gato, escapou por uma porta estreita, sumindo-se na escuridão. Eu, querendo segui-lo, dei um giro de cento e oitenta graus como um raio que some do oriente e aparece no ocidente num instante, num átimo, e dei uma trombada num poste onde o diabo pendurava sua borracha.
     A dor foi me despertando. Logo me peguei virando-me no sofá incomodado. Briguei ainda com o travesseiro, me virando sobre ele e me revirando sem chegar a consenso. Era o estômago reclamando certamente meus hábitos alimentares. Fui de novo ao banheiro, depois à janela. Estava uma madrugada fria. Fiquei ali olhando a noite. Um vazio penetrou em mim com o frio, com o frio veio uma sensação de tristeza. Lá embaixo na rua o silêncio era também triste, a metrópole do barulho sob o império do silêncio. Meu vazio aumentava mais com aquela temperatura baixa, faltava-me Deus talvez. Pensei ainda no Diabo, na borracha, na diaba sangue-suga...E se o diabinho fosse um menino que fugira para as ruas dessa metrópole? Olhei para rua outra vez. Lá de cima, do 13ºandar, via apenas vultos e neblina. Os vultos me lembraram crimes dispersos na escuridão da hisória. Na escuridão qualquer um pode ser um criminoso, pensei. E se eu também cometesse um crime? Olhei os céus, a neblina, a rua silenciosa, mais escura agora, como a escuridão onde o diabinho se metera, escapando aos guilhoes dos diabos. Intuitivamente levei uma mão ao parapeito e me aproximei mais da janela, que estava aberta, depois apalpei a barriga, quando senti um enorme frio, parecia que me ia congelando. O meu vazio era já um grande vácuo, talvez uma alma impreenchível. Virei-me um pouco para trás e vi de longe a geladeira. Corri para dentro e fui assaltá-la. Improvisei misturando presunto e queijo com pão de forma, que levei ao microondas. Saciado, fui procurar água e achei vinho tinto. Dormi tranquilo e não sonhei mais nada.
      Às nove horas fui acordado por um aroma delicioso, que me chegava ao olfato como incenso sagrado. Era o cheiro do café que vinha da cozinha. Levantei e fui anunciar que um assalto ocorrera de noite, à geladeira, e seria preciso comprar mais frios.

Elói Alves
 
 

domingo, 9 de outubro de 2011

PREFEITURA DE SÃO PAULO LANÇA O LIVRO "SOB CÉU DA CIDADE, DE AUTORIA DE PROFESSORES ESCRITORES


O secretário de educação da da cidade, Alexandre Alves Schneider (no centro)prestigiou o evento. Ao lado do secretário, de paletó, o autor Elói Alves com o filósofo e escritor Marciano Vasques, na extrema direita.

Na última sexta feira, dia 7, a Prefeitura de São Paulo realizou cerimônia de lançamento do livro SOB O CÉU DA CIDADE, de autoria de professores escritores que atuam na cidade de São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade. Várias autoridades da área cultural prestigiaram o evento que contou também com a apresentação de músicas clássicas no auditório da Biblioteca. Os textos do livro são crônicas que falam sobre a cidade, escolhidas no concurso literário Valeu Professor 2011. Elói Alves é um dos co-autores do livro.
(Há outras fotos do evento na página "Prêmio literário 2011" deste blog)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MÚSICA, TEATRO E DANÇA NO MERCADÃO CENTRAL NA PRÓXIMA SEXTA

Dia sete, sexta feira próxima, haverá evento do "Professor em Cena", da Prefeitura de São Paulo. Haverá diversas apresentações com músicas, danças e teatro das 20 horas do dia sete até a uma da manhã do sábado. Eu apresentarei o monólogo "O debate com suas excelências" por volta das 22 horas. A entrada é livre. O mercadão Municipal Paulistano fica na Rua da Cantareira, 306, próximo à Rua 25 de Março e ao Pq D. Pedro II.
Elói Alves

sábado, 1 de outubro de 2011

TIO GERBÚLIO, NOSSO AVÔ E A CACHAÇA MINEIRA

O almoço de domingo era muito animado e a comida era servida numa mesa grande, feita de peroba. Tio Gerbúlio tinha ascendência moral nas conversas e dividia a palavra com nosso avô, que usava um tom mais sério. Como as conversas eram mais pitorescas, Gerbúlio se saía mais.
Nosso avô voltara do Sul de Minas adoentado e o médico disse que era a água da roça.
Ainda assim, chegou-se à mesa, devagar, e comeu aos poucos e calado.
Quando terminou, levantou um copo e dis
-Bota aqui, Gerbúlio, dessa cachacinha mineira.
Dona Eudésia protestou furibunda, pois não era o diabo de uma água que lhe tinha feito mal.
-Larga os diabos, mulher, devolveu ele com o copo à boca! Água que deu, água que leve!
Jão Gerbulius Sobrinho

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

NOVO IMPOSTO PARA A SAÚDE. SAÚDE DE QUEM? (Perguntero)

O governo federal e sua base no congresso estão procurando meios de recriar um imposto para a saúde. Mas devido aos desgastes políticos com a extinta CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), que teve outros destinos e não ajudou a melhorar o Sistema de Saúde, eles estão mais cautelosos nas declarações. O Brasil é hoje um dos países mais ricos e que mantém os maiores tributos, que não voltam em benefícios para a sociedade. Mas, por que há esta necessidade de um novo imposto? O governo precisa de mais dinheiro? Será ele mais um necessitado, como as multidões que nos pedem dinheiro pelas ruas? Será mesmo para a SAÚDE o novo imposto? Se sim, para saúde quem?

Zé Nefasto Perguntero

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ESTADOS UNIDOS VETARÃO ESTADO PALESTINO. ESTADO DE ISRAEL SURGIU COM VOTO DE UM DIPLOMATA BRASILEIRO


Discurso do Ex-chanceler brasileiro Celso Amorim na ONU - diplomacia brasileira tem papel histórico nas relações internacionais

O Conselho de Segurança da Nações Unidas (ONU) está reunido para examinar o pedido de adesão da Palestina como membro da ONU na condição Estado. O Conselho de Segurança é formado por quinze membros, sendo cinco deles membros permanentes com direito a vetar quaisquer decisões tomadas por este órgão. Em uma decisão democrática a Palestina poderia intergrar-se como membro com apenas nove dos quinze votos. Mas o problema está no poder de veto dos Estados Unidos, um dos cinco membros que possuem este poder e que está totalmente fechado à adesão palestina pela ONU. O presidente Obama declarou que o caminho não é uma declaração nem uma Resolução das Nações Unidas e sim o diálogo bilateral entre Israel e Palestina. Ao assumir a presidência dos EUA, Obama se mostrava como uma esperança para questões como um possível Estado palestino, mas sua política tem se tornado a mesma da era Bush. Israel também declarou que as manifestações de países da América do Sul, como Brasil, a favor do Estado palestino é entendida como uma intervenção indevida na região. Esta manifestação de Israel é bastante desrespeitosa para com a atitude da diplomacia brasileira, que foi responsável pelo voto decisivo que permitiu a criação do Estado de Israel, com o voto de desempate de Osvaldo Aranha em 1948.

Elói Alves do Nascimento

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

TIO GERBÚLIO E O ASSALTO À LIVRARIA

Envergado sobre o balcão da livraria Padre Dimas, na rua São Francisco, o gerente embrulhava com cuidado os livros de padre Gelfrido, que tio Gerbúlio fora buscar.
Os ponteiros de um velho relógio na parede marcavam dez horas da manhã e a livraria estava vazia. Apenas Gerbúlio, que agora olhava um quadro da crucificação, fazia companhia para o gerente.
Muito calmo, apareceu um rapaz magro que foi ao balcão e disse secamente:
-Um assalto!
-De que autor, perguntou o gerente, sem tirar os olhos do embrulho
-Eu mesmo, devolveu o rapaz, mostrando-lhe o revólver.
Um policial civil, que via tudo do outro lado da rua, deu voz de prisão ao assaltante, à saída da livraria.
Tio Gerbúlio, sem entender bem o que se passara, recebeu o embrúlho do gerente que lhe disse baixinho:
-Livros não são feitos para bandidos.

Jão Gerbulius Sobrinho

sábado, 10 de setembro de 2011

ANÚNCIOS PELA CIDADE

       "PROCURA-SE" dizia o título de anúncio em um cartaz de um poste, próximo à Câmara Municipal de São Paulo no viaduto Jacareí. Apreensivo a princípio, fui relaxando, no entanto, e logo o achei pitoresco. Era sobre uma dessas aves que falam ou tentam falar. Havia sumido fazia dias, era um xodó para a família, sentia-se falta em casa, em fim, dizia a palavra “tatá” e seria recompensado com dinheiro o bom coração que o achasse e o devolvesse. Demorei-me ali um instante e minha namorada veio também ler o anúncio e acabou-se rindo.
       Em caminho a um teatro da Brigadeiro Luis Antônio fui me lembrando de alguns anúncios antigos e curiosos que me ficaram à cabeça. Depois da época dos outdoors a cidade mudou de cara com a entrada em vigor em 2007 da “ Lei da Cidade Limpa”. Mas quem está habituado à cidade desde os anos anteriores vai se lembrar de como sua paisagem era diferente. Quem vai atualmente de São Paulo aos municípios da região metropolitana, ou faz o caminho inverso, sente rapidamente a diferença. Eu mesmo levei um susto há coisa de um ano quando fui a uma palestra em uma escola na entrada de Taboão da Serra, indo pela Avenida Francisco Morato, logo ali depois do Butantã. A escola funcionava em uma casa pequena e térrea, a rua era estreita e sem saída, a placa via-se a novecentos metros, com o nome e o lema da instituição em letras e cores chamativas.
       Um dos lugares de maior concentração de publicidade externa era os grandes corredores viários da cidade, como as Marginais Tietê e Pinheiros e a Avenida Radial Leste. Mas as avenidas menores não ficavam excluídas. Na Rebouças, na Avenida São
João, na Rua da Consolação, na Avenida Doutor Arnaldo largos espaços eram ocupados por outdoors, placas, faixas de vários tipos e tamanhos. Também as faixadas dos prédios eram pintadas com anúncios ou tinham cartazes gigantescos colados em suas laterais, de modo que muito antes de se entrar na cidade já se podia ler na parte alta dos prédios do centro propagandas de roupas, marcas de calcinhas e cuecas, nomes de galerias comercias e a insistente ordem para se tomar coca-cola.
       Mas a disputa por espaços não era harmônica nem benévola. Algumas marcas mais poderosas ocupavam os melhores locais ao longo de todo o ano. No entanto, em períodos eleitorais, mesmo marcas internacionalmente conhecidas não podiam disputar com alguns nomes tradicionais ou economicamente mais poderosos da política. No período da campanha as marcas comerciais cediam espaço às caras engravatadas dos candidatos. Mesmo alguns vereadores tinham propaganda em nível de candidato a prefeito. Era colossal.
      Algumas propagandas nos distraiam, é verdade. Outras eram aturáveis. Mas a maioria era um tédio. Tédio infernal às vezes, quando a mesma placa era posta em grande quantidade numa mesma via. Dessa estirpe eram aquelas propagandas do candidato de quem não gostávamos. E lá estava ele, enorme, dando-lhe jóia e olhando no fundo dos seus olhos, rindo-se; e você querendo chorar.
         Na parte da estratégia o publicitário não podia brincar. A concorrência era grande, o povo andava saturado, como ele iria captar atenção? Houve um de que me lembro bem, e nem sei como classificá-lo, que foi uma peça única. Numa segunda feira, ao entrar na Radial Leste, vi um outdoor de fundo branco com os dizeres garrafais: “ELE VEM A!”. Na verdade, foi espalhado por vários pontos da cidade. Na terça, ele não veio, nem na quarta; na quinta, já não tinha mais graça alguma. Mas na segunda feira da outra semana, ele lá estava no outdoor seguinte da série, firme e imponente: era um talco que fulminaria de vez com o chulé.
         A Lei da Cidade Limpa surgiu com intenção de acabar com a poluição visual da cidade, proibindo a publicidade externa como autdoors, painéis em faixadas de prédios, backlights e frontlighs. Além disso, traz a proibição de anúncios publicitários em ônibus, táxis e bicicletas. Essas medidas e outras regulamentações da lei provocaram fervorosos debates na imprensa e em diversos setores da sociedade paulistana à época de sua promulgação e ainda hoje é tema importante e bastante recorrente.
         Uma implementação dessa altura gera naturalmente vários descontentamentos. Nem todos que são contrários à lei deixam de ter bons argumentos para criticá-la e, assim, suas razões. O empresário quer anunciar seus produtos, o comprador precisa de ter ciência de tal fato. O empresário para anunciar contrata um agência de publicidade; ambos pagam impostos com essas atividades; precisam ainda de funcionários para levar as tarefas a cabo, gerando emprego para a população; e, por sua vez, o proprietário que cede o espaço para a placa de publicidade ganha também o seu dinheirinho.
          Essas razões parecem ser boas e louváveis, mas também há o lado da cidade, de como fica ela em meio a tudo isso? É neste ponto que entra o papel da sociedade e do gestor público. Aí está a questão de ver o que é melhor para a cidade no seu todo. Como fazer a cidade mais limpa, como combater e diminuir a poluição visual e de outras naturezas, como melhorar a qualidade de vida dos que a habitam, que implica em resolver os problemas da cidade. Sem dúvida é uma questão complexa que exige firmeza e compreensão em seu enfrentamento.
         Um meio termo são boas alternativas. O administração pública pode combater a poluição visual por outros meios, menos rigorosos. Poderia recorrer a conscientização das pessoas em geral, do empresário. Poderia ainda oferecer incentivos fiscais aos empresários de boas ações. Por outro lado, o empresário poderia anunciar também por outros meios. Há hoje a mídia eletrônica, a internet, as redes sociais, blogs, microblogs, além de torpedos por meio dos quais se pode atingir novos consumidores, inovar em seus meios de comunicação com seus clientes. Além disso, estão aí à disposição os velhos espaços dos classificados dos jornais, das revistas especializadas, o rádio e a televisão.
        A cidade de São Paulo é com efeito um microcosmos, um mundo dentro do mundo onde as coisas fervem e borbulham, onde os interesses são vários e diversos. Para isso está a administração pública, com a tarefa de regulamentar, normatizar e ordenar o espaço público, procurando ajustar-se ao bem da vida comum dos munícipes.
       Mas a Lei da Cidade Limpa tem uma tarefa árdua, pois, tanto organizações de todos os tipos e tendências como os populares possuem um espírito propagador. Quando
não se contentam em anunciar verbalmente, como faziam os arautos dos reis antigos, usam os inventos de Gutemberg, isto é, o papel e a tinta, que é mais interessante por ser mais moderno, sobretudo quando combinados com outros meios ou técnicas de imprensa ou de publicidade..
       Mesmo depois dessa nova regulamentação, tenho saboreado vários anúncios jocosos dos quais lembrarei apenas um. Era de um jornalzinho do centro sem boa diagramação onde se dizia ter perdido certa quantia de dinheiro, que não era muito. Sem maiores provas, dava apenas as ruas por onde havia passado no dia em que o perdera. Tinha ido da baixada do Glicério à praça do Patriarca e andado por outras ruas imediatas. Lamento mesmo que tenha andado tanto e não vejo nada de inverossímil em que se perca dinheiro entre tantos milhares e até milhões de transeuntes que se esbarram e até se atropelam na correria do dia-a-dia no centro. O que me parece mais difícil, para dizer pouco, é alguém conseguir achar algum, e, se o achar, ter o tempo suficiente de abaixar para pegá-lo.
Elói Alves


As pílulas do Santo Cristo, romance de Elói Alves

Prefácio:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html

Primeito capítulo:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-1-capitulo.html

Segundo Capítulo:
http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/10/as-pilulas-do-santo-cristo-2-capitulo.html

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