Resenha crítica do livro 21 Passos no escuro, de Osmar S. Júnior
Por Elói Alves
O
livro 21 PASSOS NO ESCURO, do escritor Osmar S. Júnior, publicado pela
editora Scortecci, em 2020, reúne vinte e uma narrativas, do gênero conto, que
se filiam à literatura gótica, de terror e suspense. Na obra, o autor,
habilmente, constrói as histórias efetuando quebras na linearidade narrativa,
com efeito de câmeras binárias, bem como rupturas de tempo e espaço, ampliando
ainda mais o suspense e aumentando o clima de terror em que o leitor se vê imerso
todo o tempo, como se estivesse vivendo essas histórias inexplicáveis e
sombrias em que, à realidade, se impõe a excitação psicológica, transpondo-se,
logo, para o mundo fantástico, avançando os limites entre o real e o
sobrenatural em ambiente de horrores, de escuridão, medo e pânico.
O
clima de mistério, de suspense, terror e medo atravessa todas as histórias do
livro, como um pequeno e persistente inseto roedor que cava de um lado ao outro
do livro. Ao leitor não é permitido qualquer sossego, se quiser respirar, terá
que fechar o livro, se conseguir frear a volúpia que o tecer das tramas vai
provocando a cada instante, instigando a continuar a leitura. Já de início a
narrativa apresenta cenários sombrios, personagens que frequentam ambientes
sinistros e que são devoradas pelo racionalmente inconcebível que deixam o
próprio leitor em suspense, sem chão, sem respostas, que não se pode encontrar
pelos caminhos labirínticos da trama narrativa.
Hipérboles
como “um oceano de pânico”, que aparece no conto “Minha querida irmã” (p. 255),
podem ser usadas aqui para descrever o que se narra ao longo do livro. Monstros
horripilantes, diante dos quais se veem certas personagens para logo serem
devoradas, surgem inexplicavelmente em certas narrativas ambientadas na zona
rural, para onde as personagens haviam ido em busca de prazer ou tranquilidade.
Objetos inexplicáveis aparecem no céu tranquilo e escuro de pequenas cidades interioranas
para logo causar espanto, horror e mortes obscuras. A isso se somam os enigmas
da insondável alma humana, que, em algumas narrativas, são eles os causadores
do inexplicável que enlaça e devora as personagens, inclusive algumas das quais
poderiam ser evitadas e salvariam vidas, como crianças indefesas, como
mencionarei abaixo.
A
técnica narrativa é diversa e permite ao leitor acesso a nuances diferentes das
histórias. Na maior parte dos contos, o ponto de vista do narrador é dado em
terceira pessoa, mas o foco narrativo aparece também numa autodiegese, como em
“Rabo de arraia”, com personagens que narram, elas próprias, a história em que
seus dramas se desenrolam, dando por esse meio pistas para que o leitor vislumbre
caminhos que se vão enredando. As narrativas projetam seu tempo em
planos distintos; há um ir e vir que rompe bruscamente com a linearidade, subvertendo
o domínio da temporalidade pelo leitor, como ocorre, por exemplo, em “Alguma
coisa ali no fundo...” (p. 164).
A
coerência, na ampla maioria das tramas, só é possível internamente e não cabe a
velha técnica de verossimilhança. Nesse sentido, cabe a diferenciação entre os
substratos que dão origem material a cada história. Nem sempre se utiliza em 21
passos no escuro do sobrenatural, e este, quando aparece no livro, nem
sempre tem a mesma base de formação, surgindo ora na experimentação científica
de uma personagem desvairada, ora no sobrenatural de extraterrestres, ou ainda
nos elementos de vampirismo presentes em algumas histórias.
O elemento fantástico aparece também no
absurdo da metamorfose em que o humano se transforma ou, antes, é transformado
em monstro. Não se trata aqui da metamorfose kafkiana, em que, ao leitor,
Gregor Samsa é apresentado lentamente sem o elemento de pavor; o enigma, em
Kafka, passa pelo elemento de reconhecimento, nem sempre tranquilo à
compreensão daquele “inseto monstruoso” cuja transformação o narrador oculta.
Além
disso, o horror aparece também em construções em que Osmar S. Júnior dispensa o
recurso ao sobrenatural, aparecendo aí o, por assim dizer, absurdo verossímil
pertencente à própria existência humana. Assim, o que há de absurdo e insano na
conduta humana aparece em crimes para os quais não se tem respostas ou no
ocultismo e em rituais macabros.
Ao
contrário, no conto “As obras de Deus” (p. 309), o desvendamento e a solução
internos à narrativa resultam de uma investigação oculta, que se conduz de modo
privado, quase que num exercício não convencional do que poderia chamar o ato
de apuração, dentro de um clima obscuro que deixa o leitor no mesmo escuro em
que estão as personagens, sem garantia alguma de legalidade e respeito ao que
seja razoável, cujo ponto mais alto se dá com acontecimentos tão pavorosos como
nos outros contos em que o elemento fantástico é o causador do terror.
Aliás,
aí, tudo se passa dentro de um plano obscuro, como ignorados detalhes sobre a
vida das personagens e a organização criminosa e secreta a que pertenceriam as
pessoas. O efeito da narrativa que lança o leitor para “o meio dos
acontecimentos” ou in media res, traz a sensação de que se está diante
de mais um caso de horror, suspense e medo na escuridão que se faz, onde as
personagens teriam sido escolhidas ao acaso, como simples ocasião para se
espalhar o terror. Contudo, verifica-se, ao final, se tratar de caso e solução
bem estudados. Aí está um importante elemento de distinção entre as tramas que
se narram no livro.
O
elemento artístico denominado de grotesco, muito presente na arte ocidental,
como na pintura, escultura, na prosa e notadamente na literatura do romantismo
nacional, aparece de modo destacado em 21 passos no escuro como elemento
do fantástico e do inexplicável. O horripilante e disforme de certas criaturas,
que surgem diante das personagens humanas, produz de imediato o estranhamento e,
logo, uma sensação angustiosa e sinistra que vai culminar no terror. Aí está
bem delineada essa categoria da literatura fantástica, em que nada se pode
querer medir pela racionalidade e pela lógica. Toda coerência que se pode
desejar aí está na própria narrativa que se vai desenrolando a cada instante de
acordo com uma razão interna.
Exemplos
disso estão em contos como “A sua dona” e “Alguma coisa ali no fundo...” (pp.137
e. 164). Apesar da similaridade da categoria artística desses dois contos,
essas narrativas são diversas na forma em que o elemento fantástico se
apresenta. No primeiro, tanto a personagem, posta diante do elemento de terror,
como o leitor são surpreendidos pela metamorfose do frágil antagonista daquela
vítima; o sobrenatural, nessa narrativa, está na própria metamorfose,
limitando-se a ela aos efeitos a que ela mesma da origem. De outro modo, no segundo
conto indicado, o monstro está ali antes mesmo da chegada das personagens,
atraídas por outras razões de natureza lícita.
Um
deles é produto da especulação científica exercida de modo arbitrário e ilegal,
desviado do laboratório científico-acadêmico onde as pesquisas deveriam ser
corretamente realizadas. O outro é uma aberração tresloucada que vai surgindo
pouco a pouco diante dos olhos da indefesa personagem que estava ali para
oferecer seus serviços ao jovem que a contratara, e se vê, logo, diante de um
monstro horripilante. Diferentemente de outros seres em que humanos são
transformados, como no caso que ocorre no conto “Rabo de arraia” (p. 215), a
metamorfose do conto “Sua dona” se reverte constantemente, num efeito complexo
da trama
O
eixo temporal abarcado pelas narrativas se estende por um período de alguns
anos, mais ou menos duas décadas, podendo-se notar por algumas marcas
narrativas, como as gírias “quer tc”, usadas em salas de bate papo quando a
internet começou a se popularizar, à época do Orkut e MSN, redes
sociais pouco conhecidas por pessoas mais jovens. O texto mais recente pode ser
notado por sua situação no período da pandemia. Nota-se que esses registros de
época em nada prejudicam o fluxo da leitura ou a compressão do que é narrado; aliás,
eles têm o condão de ampliar o vocabulário e o saber histórico.
Para
concluir, importante relatar que o livro de Osmar Júnior não se alheia a
questões de violência e crimes imediatos e particularmente sensíveis; muito ao
contrário. Para se notar isso não será preciso um olhar interpretativo aguçado.
O horror que alcança a personagem indefesa Carla, no conto “A vizinha” (p. 91)
é um problema que a sociedade brasileira tem jogado para o subterfúgio do
problema particular ou familiar, tendo como consequência a destruição trágica
de vidas que não podem proteger a si mesmas. Esse mal é de responsabilidade
extramuro; isto é, uma questão de violência e crime de que a culpa, em boa
medida, é de todos que poderiam evitá-la e silenciam-se. Nisso se vê uma
contribuição social e humana fundamental da obra.
O
livro, apesar de haver um gosto muito assíduo de leitores jovens pela temática
do seu gênero, pode ser lido com proveito e prazer por quaisquer leitores. Como
sugeri na análise acima, o sabor de uma obra literária não está apenas no
gênero escolhido pelo autor para nele construir sua ficção. Vai muito além
disso e nem sempre sondamos toda a sua profundidade. A fantasia e o sabor
literário passam por diversos caminhos e labirintos que, não à toa, aguçam e
encantam leitores de todos os tempos, inundando a sua imaginação.
Aos
de leitores 21 passos no escuro desejo:
Ótima
leitura!
Elói Alves é advogado e professor, formado em Letras pela
Universidade de São Paulo-USP e em Direito pela FMU, autor, entre outros, dos
livros O olhar de lanceta: ensaios críticos sobre literatura e
sociedade, do romance As pílulas do santo Cristo e do livro de
poesias Sob um céu cinzento. Email: eloialves75@hotmail.com
Os
leitores podem adquirir o livro pelos canais abaixo:
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