Elói
Alves
Não
nos afastemos muito,
vamos de mãos dadas,
Drumomd
Introdução
A Mediação como meio de
solução de conflitos interpessoais e grupos sociais, como os familiares, tem
sua importância no ordenamento jurídico como instrumento de democratização do
acesso à justiça, um requisito constitucional. A ênfase posta pelos institutos
jurídicos na solução consensual dos conflitos inclui-se num movimento renovador
da sociedade brasileira, cujo motor tem sido puxado por várias Instituições da
República, como o Conselho Nacional e Justiça – CNJ.
Seus princípios e escopo
apontam para a pacificação social e solução de conflitos de modo alternativo,
buscando-se a resolução, tal qual na Jurisdição, mas sem recorrer à
imperatividade das normas legais e abrindo mão da rigidez ritualística que
vincula a tutela jurisdicional, privilegiando-se, pois, a livre resolução pelas pessoas interessadas.
A busca de solução por tal via
propicia a distensão do conflito e o desfecho que possa satisfazer a todos os
componentes interessados, propiciando-lhes, ademais, a fuga de desgastes e
gastos com a judicialização.
Esse protagonismo das partes é
característica peculiarmente inerente à Mediação. Além disso, essa capacidade
de autogerenciamento dos procedimentos produz resultados mais ágeis e preserva o
relacionamento entre os interessados, fundamental, p. ex., entre aqueles que
possam continuar a se relacionar, como cliente/empresa, vizinhos ou familiares,
garantindo-se o sigilo das tratativas.
A
mediania aristotélica
Filosoficamente, remete-se tal modo
conciliativo à filosofia aristotélica em que a justiça é uma mediania (Ética a
Nicômoco, pp. 74, 75), uma virtude que envolve escolhas racionais,
fugindo, pois, de maniqueísmos, em que se sublinham, p. ex., figuras de culpado
e inocente, “nós ou eles”, cujo resultado
recrudesce os ânimos, e se estimulam instintos antissociais, contrários
à convivência pacífica, avessos, ainda mais, aos valores democráticos e aos
princípios fundamentais da República, entre os quais a igualdade, a dignidade
da pessoa humana e as diretivas constitucionais com escopo de preservação dos
direitos coletivos. Termo aproximado, a temperança, utilizada por São Paulo,
associando-o a “justiça” (Atos 24: 25), compõe-se também com o “autocontrole”.
Conceito
de Mediação
A Lei de Mediação,
nº13.140, de 2015, no seu art. 1º, parágrafo único, conceitua mediação como uma
atividade técnica, exercida por um terceiro imparcial, sem poder decisório, que
tanto pode ser escolhido ou aceito pelas partes, para auxiliá-las, estimulando
a identificação e desenvolvimento de soluções da controvérsia por meio do
consenso.
O objetivo, assim,
é a busca do diálogo entre as partes, implementada pelo mediador, sem decidir
por elas, como se faz na jurisdição estatal, estimulando a busca de solução da
controvérsia. Para isso, prescreve-se o preparo técnico da atividade do
mediador, que se rege por princípios que norteiam e fundamentam a Mediação o
exercício de suas atividades.
A
mediação, bem como outros métodos de solução de conflito, deve ser estimulada
não somente pelas autoridades judiciárias. Ainda, o ordenamento jurídico impõe
esse dever a outros profissionais que atuam junto ao judiciário, p. ex., a advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público (Art. 3º, § 3º, CPC).
Além
disso, destina-se o instituto da mediação a proporcionar ambiente favorável
à autocomposição (art. 166, §§ 3º, e 4º, CPC). Ressalta ainda o texto legal o
princípio da autonomia das partes, pelo qual se regem, na mediação e
conciliação, os interesses das partes, “inclusive
no que diz respeito à definição das regras procedimentais” (§ 4º). Recebida a petição inicial, cabe
ao juiz designar a audiência de mediação ou conciliação, segundo art. 334 do
Código.
Princípios da Mediação
Segundo a lei
13.140, a mediação deve ser orientada por uma sólida base principiológica. Em
seu artigo 2º enumera-se um rol com oito princípios, a saber: (I) -
imparcialidade do mediador; (II ) isonomia entre as partes; (III) oralidade;
(IV) informalidade; (V) autonomia da vontade das partes; (VI) busca do consenso; (VII) confidencialidade; (VIII) boa-fé.
São princípios
que, em geral, regem o próprio direito privado, como a boa-fé e autonomia das
partes, para que possam livremente pactuar os modos e resultados de seus acordos,
inerentemente ao Direito Contratual, exigindo-se, onde couber, algum requisito
de forma, como a Escritura Pública, para imóveis.
A isonomia das
partes, consagrada já pela Constituição, em seu art. 5º, Caput, é alçada à
condição de princípio regente da atividade, instrumentalizando a atuação de
cada uma das partes, que deve ser zelada pela própria função do mediador, como
condutor imparcial da mediação. Também a confidencialidade impera como motor do
desenvolvimento das atividades, uma vez que questões que digam respeito, p. ex., à intimidade devem ser protegidas e vedadas a quem não tenha assento à
mesa.
Além do consenso,
elemento estrutural e princípio-base da mediação, a oralidade e informalidade
compõem a base e o próprio espírito do instituto da Mediação, proporcionando às
atividades da mediação celeridade, simplicidade, leveza e liberdade, inclusive de rito ou prazos, para a
condução dos trabalhos, pelo mediador, e facilitação das negociações pelas
partes.
Conflito
de interesse.
Para
Liebman, a função do Direito é “ordenar a convivência dos homens e de compor os
conflitos” (Manual de D. Processual Civil, p. 23). Ainda o processualista
italiano, referindo definição de Carnelutti, afirma que é no direito que se dá
a composição da lide, entendida esta como “qualquer conflito de interesses”
(Op. cit., p. 25)
Para
Carnelutti, na Lide dá se o conflito de interesses “qualificado por uma
pretensão resistida” (Dinamarco, Instituições I, p.120). No entanto, tal
definição é avessa aos métodos de solução consensual de conflitos, porque neles
as partes não disputam um único bem, num jogo de “tudo ou nada”. Na mesa da
resolução consensual há uma distensão devido exatamente a despolarização, que
há no processo em juiz decide por um dos lados. Aí aparece uma imagem não
negativa, porque do “conflito podem surgir mudanças e resultados positivos,
quando entendido como oportunidade de despolarização" (Manual de Mediação
Judicial, pp. 49, 50. CNJ, 2016).
A arte
de distensão dos conflitos familiares
As enormes transformações que
se impuseram à sociedade moderna e contemporânea ao longo do século XX , e nas
duas décadas iniciais deste, refletiram decisivamente na estrutura familiar e
também na escalada do teor conflitivo das relações. Estas mudanças estruturais
por que passa a sociedade geram um descompasso entre as demandas que delas
surgem e a capacidade do Estado e da própria sociedade de resolvê-las, devido a
sua compartimentação e à fragmentação de perspectivas do novo e das soluções
para novas demandas, de que as respostas tradicionais não dão conta.
Desse modo, impõe-se um
esforço da (à) sociedade no sentido de construção de solução dos novos
conflitos e a compreensão deque não cabe mais um modelo único para todas as
demandas, que acabam por levar a imposição de decisões que não dissolvem os
conflitos, pondo em xeque o Direito, a Jurisdição e, logo, a estabilidade
social e a harmonia entre as pessoas, inclusive nos anseios de uma vida digna,
para qual haja sentido, e pela qual se possa lutar.
Neste contexto de transformações,
possibilita-se o surgimento de novas estratégias para tratar das novas
situações conflitivas, alternativas e coexistentes aos métodos jurisdicionais
tradicionais, que, aliás, se beneficiam de seu potencial e eficiência,
reduzindo-se sua sobrecarga, mas que não pode dar conta de anseios pessoais cuja
solução só é possível pela aproximação das partes e pela promoção do diálogo,
afastando-se a ideia de culpa e razão pessoal, com foco numa solução construída
pelas próprias partes, sob mediação de terceiro auxiliador.
Essas transformações, com sua
nova cultura de compreensão, diante dos conflitos familiares que envolvam o
divórcio, para Fabiana Marion Spengler pressupõe um novo tempo:
[..] a invenção de um tempo
conjugal mais permanente, apesar e além da separação, e a instalação de um
tempo parental mais aberto, flexível e plural, devido à recomposição familiar
que terá ocorrido com frequência. [...] o tempo conjugal mais permanente, ainda
que separados os cônjuges, pode ser traduzido por um novo modelo parental que
garanta à criança a responsabilização de ambos os genitores em sua criação e
educação”
[...] acreditando que é possível divorciar-se
do cônjuge e não divorciar-se dos filhos. Inversamente, tornar o tempo parental
aberto e plural significa inventar as figuras da pluriparentalidade,
correspondente às novas constelações familiares entre as quais a criança
circula doravante” (Direito das Famílias, p. 286)
Portanto, há aí o restabelecimento
da comunicação na relação parental, num “tempo aberto e plural”, diluindo
conflitos entre pais e filhos, em Mediação, distendendo a relação perturbada
pelo espiral conflitivo. Um meio hábil, sutil e flexível com o qual se costura,
com mestria de artesão, e que se vai reatando, lá e cá, os fios caídos e
soltos, a passos sem métrica, livre da rigidez de ponteiros de relógio ou
tempestividade estatal, sem casaca e sem ritualística, e que vai despindo-se de
formalismos e de controle de máquina, contornando o desenho de seus interesses
com a escolha das cores que melhor os enfeitem e lhes contentem.
A perspectiva da Mediação como
uma arte é compartilhada por Spengler, que vê, no método, “uma cadência
temporal própria” (Op. cit., 281). Nesse sentido, recorremos à lição das
narrativas artísticas, onde, muito peculiarmente, a ideia de tempo foge à ciência
de Cronos – o prestigiado deus do tempo que tudo devora - tendo as ações ali
uma coerência interna, não decodificada por leituras cartesianas ou cientificistas,
sobretudo se observada pelo tempo subjetivo. Um tempo próprio da dinâmica das
relações interpessoais, recorrentemente regido por desejos, emoções e dores.
Conclusão
Para que essa leitura seja
possível, isto é, a compreensão das dinâmicas dos novos conflitos em nossa
sociedade e a solução que possibilite a pacificação das pessoas ante a situação
conflitiva, será preciso que haja um olhar humanístico, de sensibilidade
poética, multidisciplinar, no campo do tratamento científico dado aos conflitos
interpessoais e grupos sociais como a família, de que a Ciência jurídica,
sobretudo numa perspectiva de Direito puro como quereria Hans Kelsen, não pode
dar conta.
Desse modo, os
meios consensuais pelos quais se podem solucionar os conflitos entre pessoas, impulsionado
pelas Instituições e pela sociedade, podem, gradativamente, se dissolver pelas
estruturas e camadas sociais, de que a família é base, tornando-se, doravante,
um componente cultural de compreensão, tolerância, ou mediania e temperança,
bom senso e civilidade, privilegiando-se uma salutar convivência em harmonia, com a consciência de que esta se constrói, não com retóricas sofisticadas, mas com o bom senso que se faz mutuamente.
Bibliografia
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Edipro – Edições
Profissionais Ltda, São Paulo, 2002.
Dinamarco, Instituições De Direito Processual
Civil I, 7ª ed. São Paulo, 2003.
Alves, Elói. O olhar de lanceta: ensaios críticos
sobre literatura e sociedade. APMC, São Paulo, 2015.
Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Armenio
Amado – Editor, Coimbra, 1974.
Lliebman, EnricoTullio. Manual de Direito
Processual Civil V. I. Intelectus Editora, Tocantins, 2003..
Manual de Mediação Judicial, CNJ, 2016
Spengler, Fabiana Marion. A
desinstitucionalização da família e a prática da mediação familiar no Brasil.
Direito das famílias (org. Maria Berenice Dias) Editora Revista dos Tribunais,
São Paulo, 2010.
A presente Obra demonstra de forma clara a importância da conciliação como solução de conflitos, objetivando a solução da lide sem que a harmônica convivência entre as partes seja afetada.
ResponderExcluirParabéns pelo excelente trabalho.
A presente Obra demonstra de forma clara e precisa a importância da conciliação numa lide, objetivando garantir a harmônica convivência entre as partes do litígio.
ResponderExcluirÓtimo trabalho.
Grato, caro Amigo Peris, por sua leitura e por compartilhar sua análise. Abraços
ExcluirLia Alves (pelo face)
ResponderExcluirQuando falo em mediação/pacificação principalmente se tiver elos afetivos, parental, penso que sera preciso implantar uma educação emocional para todos, pois as pessoas não sabem o que é empatia e nem passaram na fila do principio da alteridade, precisa se muito desenvolver os relacionamento interpessoais com mais razoabilidade e objetividade, pois bom senso torna os processos mais assertivos.
Parabéns pelo artigo Elói! Claro,bem escrito e com boas fontes.
ResponderExcluirCaro Fabiano, muito grato pela preciosa leitura e comentário. Abraço, Ilustre Mestre.
ExcluirBoa noite nobre amigo mais chegado que um irmão. Dr.escritor Eloi.muito bem essas grafadas pois, esse é o caminho de proporcionar a parte hino suficiente , Como longa Manus, certamente, como foco central apontando ângulos semânticos às partes se harmonizarem dentre si , o fim do conflito.
ResponderExcluirGrato, Precioso Amigo, abraço fraterno.
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