A forma infeliz como algumas pessoas têm tratado o horrível caso da morte da vereadora Marielle, executada cruelmente no Rio de Janeiro, leva-me a escrever sobre um tema que até agora procurei refletir silenciosamente.
O que mais preocupa, além de toda “banalidade do mal”, parafraseando Hannah Arendt, sobre a maldade nazista, estudado no Brasil pelo Professor Fabiano Tizzo, é a disseminação, parece-me que até certo ponto inconsciente, de discursos justificadores do mal por pessoas que aparentam bondade de espírito e razoável grau de compreensão das coisas, em razoáveis planos.
Tais discursos justificadores do mal associam-se às falas daqueles que, ao serem informados sobre casos de violência sexual contra mulheres, perguntam: “COMO ELA ESTAVA VESTIDA?”
O discurso lunático que busca culpar a vítima de estupro insinuando a responsabilidade da mulher devido a seu traje ou nudez não é inocente em sua formulação, em sua origem, mas, tristemente, ele tem se alastrado como as mais cruéis epidemias, que roem até onde mais não podem, feito ratos e vermes, que criam escaras que penetram a sociedade enfermando seus tecidos.
Não é apenas o Estado, com suas instituições e líderes que fracassam, a sociedade perece amplamente. Quando pessoas que consideramos do bem e cuja compreensão do que julgamos bom assumem o discurso muito bem forjado de que a vítima é culpada porque tinha tais e tais qualidades, portava-se de tal modo, ainda que fosse verdade, assume-se com isso o lado dos malfeitores, no caso de Mariela ou das vítimas da violência sexual, o lado de seus algozes – bandidos sem qualificação adequada.
Há uma cegueira no país que prejudica a todos, que leva à cisão social, ao esfacelamento de nossa consciência como pessoas humanas, que inocenta os verdadeiros responsáveis por nossas mazelas, que, tristemente nos afasta de buscar solução para nossos grandes problemas e que contribui ampalmente com aqueles que formulam, executam e disseminam o mal.
Diante disso, custoso é nos indagarmos se a própria razão
cansou-se do nosso meio humano e social,
partindo para lugar não sabido, ou será que também foi executada?
Espantoso
enormemente ainda é o papel execrável da desembargadora e do deputado que, utilizando informações de falsificadores de perfis que invadiram contas, disseminaram
notícias pela internet cujos conteúdos eram altamente atentatórios à própria
ordem pública, pela qual devem zelar, e ofensivos à honra da vereadora executada, de sua família e aos
sentimentos de seus amigos e de seus eleitores.
Pior ainda é o
deplorável papel da desembargadora, cuja alta função na estrutura jurisdicional
não lhe permite atentar contra a ordem social, contra autoridades de outro poder,
como a vereadora, e contra a honra das pessoas, cuja responsabilidade penal e
civil, com obrigação de indenizar, inclusive a família do falecido difamado,
ela não pode desconhecer, por tratar-se de direitos constitucionais básicos de
toda pessoa humana, que são, aliás, de seu ofício conhecer e defender.
Acima de tudo, é
inconcebível a justificação de sua morte e mais ainda responsabilizá-la por
isso, alegando, escabrosamente, que ela lhe teria dado causa, que teria falado o que
não deveria. Ora, qual é a função essencial do parlamentar? Aliás, a ideia
unicamente razoável da imunidade parlamentar não é a proteção para que ele
exerça com a segurança da lei seu direito de falar? Ora, não teria nisso o
próprio Estado falhado por não proteger o agende público que tem por função e
prerrogativa do cargo falar? Seria muito- como se tem dito incompreensivelmente-
protestar, ainda que tardiamente, contra todas essas inversões que este caso
demonstra? Se de fato a quisessem calá-la, não haveria em sua execução um atentado
contra o próprio direito inerente a sua função parlamentar, portanto contra o Poder Legislativo, crime não menos aterrador?
No entanto, insanidade ainda maior, e
não menos ofensiva, humana e juridicamente, é concluir, depois de um de rol de
ofensas que associam sua imagem ao crime e à marginalidade, afirmando que ela
teria ido cedo. Será que, realmente, a razão também nos deixou, de toda forma, tragicamente?
Elói Alves
Parabéns pelo texto Elói! Muito lúcido e com posicionamentos os quais compartilho. Se possível posta no facebook para que eu o comente. Abraço.
ResponderExcluirMuito grato, Precioso amigo, Professor Fabiano Tizzo
ExcluirExcelente e pertinente essencial Elói.
ResponderExcluirMuitíssimo grato pela leitura e por partilhar suas impressões, Precioso Amigo e Ilustre Editor Carlos Torres
ExcluirIraci Ciritelle Alarmante a desumanidade advinda de pseudos do bem!! Uma ação tão cruel que ceifou brutalmente duas vidas não caberia ilações e reforço a tanta crueldade! (Pelo face)
ResponderExcluirMaria Da Penha Goncalves da Silva (Pelo Face)Maravilhoso! Assino embaixo! E que se cumpra a lei, contra esses maus feitores.
ResponderExcluirGrata! Senti-me representada!
Rosita Teodoro: Excelente (Pelo Face)
ResponderExcluirTizzo Fabiano (Pelo Face)Elói Alves, nota-se uma inversão profunda de valores morais, pois o errado tornou-se certo no caso Marielle (para alguns). Um "certo" abominável o qual prega a delinquência, pois o ato de se exterminar pessoas somente por aquilo que defendem se impôs de forma assustadoramente normal e comemorada (por alguns). Algo assim jamais deveria ser visto como natural ou normal e o seu texto contribui para isso. Abraço.
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